“90125”, o disco que não era para ser do Yes e virou seu maior sucesso

Guitarrista sul-africano entrou sem querer em uma das mais lendárias bandas de rock progressivo — e os tornou popstars

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O Yes se consagrou como uma das maiores bandas da história do rock progressivo na década de 1970. A identidade da banda é quase indistinguível daquilo que conhecemos do gênero: músicas longas com várias partes distintas, solos virtuosos, temas de ficção científica e excessos ao vivo para compensar falta de presença de palco. 

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Durante os anos 1970, o grupo era muito bem-sucedido, não “apesar” da falta de singles radiofônicos, mas talvez por causa disso. Estavam acima de qualquer comercialidade barata. A fórmula funcionou por grande parte da década.

Entretanto, o surgimento do punk e da new wave praticamente destruíram sua imagem. Após a saída do vocalista Jon Anderson e do tecladista Rick Wakeman, o Yes não sobreviveu.

Os demais integrantes se espalharam, formando supergrupos por aí. Mas foi num projeto sem muitas pretensões que o Yes acabou encontrando sua ressurreição.

Essa é a história de Trevor Rabin, Cinema e “90125”.

Yes no limbo

Ao fim da década de 1970, o Yes estava em uma encruzilhada. Havia uma tensão criativa entre integrantes a ponto de explodir. 

Quando se reuniram em outubro de 1979 com o produtor Roy Thomas Baker para desenvolver o sucessor de “Tormato” (1978), os músicos estavam divididos em duas facções. Jon Anderson e Rick Wakeman eram as duas figuras mais famosas e tinham uma preferência por material mais lúdico, baseado em fantasia e ficção científica. Enquanto isso, o baixista Chris Squire, o baterista Alan White e o guitarrista Steve Howe queriam uma sonoridade mais pesada, refletindo o material composto por eles em jam sessions.

O impasse foi adiado porque White quebrou o pé em dezembro, o que colocou o processo do disco em pausa. Porém, quando retornaram em fevereiro, a tensão continuava no ar, com Anderson em particular intransigente nos seus desejos. Uma disputa financeira causaria sua saída em março. Wakeman, que já estava com um pé para fora, o acompanhou.

A escolha de substitutos surpreendeu a todos. Trevor Horn e Geoff Downes, que formavam a dupla de synthpop The Buggles – cujo single “Video Killed the Radio Star” foi o primeiro clipe exibido pela MTV – assinaram com o mesmo empresário do Yes em 1980. Chris Squire usou esse contato para recrutar os dois e a nova formação dos gigantes do rock progressivo lançou “Drama” em agosto de 1980.

Apesar de atingir sucesso em vendas e shows, a formação foi dissolvida assim que a turnê terminou. Trevor Horn foi dispensado. Alan White e Chris Squire saíram da banda logo em seguida. Quanto aos dois sobreviventes, Steve Howe e Geoff Downes, eles decidiram deixar o Yes morrer em dezembro de 1980 para formar o supergrupo Asia com outros medalhões do progressivo.

White e Squire quase participaram de um supergrupo próprio com ninguém menos que Jimmy Page, o XYZ, mas esse projeto nunca foi para frente. Demorou cerca de dois anos para o nome Yes ser pronunciado novamente como uma possibilidade artística.

Inspiração no banheiro

Trevor Rabin nasceu na África do Sul durante o regime de apartheid. Apesar de ter se estabelecido como um músico respeitado na sua terra natal, seja através de seu trabalho de produtor ou liderando o grupo de rock Rabbitt — com o qual lançou três discos nos anos 70 —, o espectro da política de segregação racial do país era um empecilho. 

Quando o Rabbitt viu uma oferta de distribuição nos EUA e turnês internacionais cair por causa da imagem da África do Sul, ele se tocou: qualquer chance de projeção internacional como músico necessitaria uma mudança para fora do país. Rabin, então, deixou o grupo e foi para a Inglaterra.

O músico lançou três álbuns solo após a mudança, sem muito sucesso. Ele, contudo, adquiriu uma reputação como músico de estúdio, trabalhando principalmente com a Manfred Mann’s Earth Band.

Em 1981, ele foi para Los Angeles após conselho do empresário John Kalodner e foi convidado a fazer um teste junto aos membros do Asia, que finalizava sua formação. Ele contou sobre a experiência uma entrevista a Scott Holleran:

“Vim morar em LA logo depois que David Geffen me convidou para montar uma banda. Mas depois de seis meses criando músicas — que basicamente acabaram sendo o ‘90125’ do Yes —, acabou que ele me largou. Ele queria que eu me juntasse aos artistas que depois se tornaram o Asia. Eu fiz o teste, ensaiei com eles, mas não parecia certo para a música que eu tinha criado, que eu expliquei para Geffen. Ele me falou que se quisesse fazer um álbum solo, ele me largaria. Ele me queria trabalhando com uma banda — e acabou certo em parte porque foi o que acabei fazendo.”

Uma das canções que Rabin pensou não combinar com o Asia havia sido composta quase inteira enquanto ele sentava no vaso sanitário. Riff, refrão, synths, tudo enquanto ele fazia suas necessidades. Quando ele mandou a demo de “Owner of a Lonely Heart” para gravadoras, Clive Davis descreveu como uma música estranha demais para fazer sucesso.

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Felizmente, Phil Carson da Atlantic discordou e assinou o músico. O plano era juntar o sul-africano com Chris Squire e Alan White, como Rabin descreveu à Prog:

“Ele [Carson] achava que eu precisava de uma ‘cozinha’ [baixo e bateria]. Então, nós três concordamos em nos encontrar num sushi bar em Londres. Chris chegou atrasado — o que descobri depois ser algo normal para ele —, mas fomos para a casa dele e tocamos juntos. Devo dizer, não foi muito bom. Mas havia uma química evidente entre nós. Valia a pena ir atrás.”

Por sua parte, Chris Squire deu uma resposta ambígua na mesma entrevista sobre sua primeira impressão do trabalho de Rabin:

“Brian Lane, nosso ex-empresário, havia tocado algumas faixas dele em 1979 e eu achava que era o disco novo do Foreigner. Mas três anos depois, nós concordamos em encontrar com ele.”

Sobre a reunião em si, o baixista disse:

“A gente tomou um porre na minha casa, e aí achamos que seria uma boa ideia tocar um pouco. Depois de 10 minutos, a gente sabia que poderia funcionar, apesar da jam ter sido uma porcaria!”

Yes de Troia

Trevor Rabin, Chris Squire e Alan White recrutaram Tony Kaye, tecladista original do Yes, para tocar com eles. Entretanto, não seria uma reconfiguração da finada banda. O guitarrista queria que fosse algo novo, distinto do passado de seus companheiros, especialmente por estarem tocando material composto por ele.

Então, escolheram o nome Cinema para o grupo. E para se distinguirem ainda mais do legado dos titãs do rock progressivo, eles tentaram recrutar como vocalista ninguém mais, ninguém menos que… Trevor Horn, ex-Yes.

No fim das contas, Horn recusou a oferta para ser vocalista, mas aceitou trabalhar como produtor do grupo. Rabin não ficou entusiasmado, segundo entrevista à Prog:

“Lembro de pensar que ele era completamente errado para o projeto. Ele era um produtor pop e eu estava cético com relação ao que ele poderia fazer pela gente.”

Yes nos tempos de Trevor Horn

O Cinema entrou no estúdio em novembro de 1982 para gravar seu disco de estreia. O repertório acabou se solidificando em torno das canções de Rabin, com algumas contribuições trazidas por Chris Squire e outras faixas surgidas ao longo do processo de desenvolvimento.

Entretanto, o baixista contou ao Louder que o plano da Atlantic começou a se fazer evidente quando entraram no estúdio: 

“Phil Carson veio ao estúdio e gostou do que a gente estava fazendo, mas ele ficava falando pra gente mudar o nome pra Yes. A lógica dele era que se usássemos o nome Yes teríamos um público pronto já e o álbum seria maior ainda. Ele queria que eu entrasse em contato com Jon [Anderson, vocalista do Yes] e envolvê-lo no projeto. No fim das contas — só pra fazê-lo parar de falar —, eu concordei em falar com o Jon.”

Anderson concordou em ouvir o material e ficou impressionado com a qualidade. Entretanto, o vocalista apontou algo óbvio: um grupo formado por cinco ex-integrantes do Yes precisaria se apresentar sob esse nome.

Um Yes por qualquer outro nome

Enquanto isso, Trevor Rabin — efetivamente o único no grupo que não havia sido do Yes e logo o mais contrário à adoção do nome — era mantido no escuro sobre tudo isso. O guitarrista não sabia sobre o convite feito a Jon Anderson ou estarem pensando no retorno da alcunha clássica.

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O que era para ser sua banda estava se transformando em algo fora de seu controle. Ele contou à Prog:

“Obviamente, a gravadora não achou que meus vocais eram fortes o suficiente. Os outros caras da banda não queriam me magoar, então nunca me confrontaram. Entretanto, as gravações estavam tão avançadas que substituir todos os meus vocais daria trabalho demais. É por isso que canto em algumas faixas, apesar de que ficaria feliz se Jon gravasse todas.”

Em “Owner of a Lonely Heart”, Rabin ficou responsável pelos vocais no refrão, enquanto Anderson praticamente reescreveu todos os outros versos. Trevor Horn, por sua parte, aplicou seu conhecimento como produtor pop e encheu a faixa de pequenos toques brilhantes usando um sintetizador Fairlight CMI para os arroubos orquestrais. 

Ele até colocou um dos primeiros exemplos de breakbeat na canção na forma de um sample de uma cover instrumental feita pelo Kool Inc de “Kool is Back”, originalmente do Kool & The Gang.

Com o disco praticamente finalizado, Tony Kaye deixou o grupo e foi substituído por Eddie Jobson. A única questão restante era: seria Cinema ou Yes?

Em entrevista de novembro de 1983 à Sounds, Chris Squire contou o que quebrou o impasse:

“Eu ainda achava que não precisava ser [Yes]. A banda era pra se chamar Cinema, mas começamos a ter problemas ao usar esse nome. Assim que foi anunciado no The Standard e em alguns lugares dos Estados Unidos, nós começamos a receber essas cartas dizendo: ‘somos de Iowa e nos chamamos Cinema’.”

Ameaça de processo é a melhor ferramenta de persuasão que existe.Então, a banda decidiu se chamar Yes.

Quanto ao título do disco, “90125”, Squire contou a origem à Prog:

“A sugestão veio de Garry Mouat, que fez o design da capa. Nós não conseguíamos bolar um título decente e pensamos em usar o número de catálogo. Era pra se chamar ‘89464’.  Era pra ser o álbum do número de catálogo. Mas aó entregamos o disco dois meses atrasado [em julho de 1983, então a data de lançamento e o número de catálogo mudaram.”

O sucesso de “90125”

“90125” saiu dia 7 de novembro de 1983 no Reino Unido e quatro dias depois nos EUA. “Owner of a Lonely Heart” foi lançada como single no final de outubro e chegou ao topo da parada americana em janeiro de 1984. Graças a um clipe dirigido por Storm Thorgerson, a canção entrou em rotação pesada na MTV, a ponto de terminar o ano como o 8º compacto mais vendido.

O sucesso do disco acabou servindo de trampolim inesperado para outro artista importante. Steven Soderbergh, vencedor do Oscar de Melhor Direção por “Traffic” e conhecido pela trilogia “Onze Homens e um Segredo”, fez sua estreia como diretor comandando o concert film “9012Live”, que registrou duas performances da turnê.

A formação do Yes no período de “90125” ainda lançou mais um álbum, “Big Generator” (1987), antes de Jon Anderson decidir sair temporariamente na virada da década de 1990. O grupo persiste até hoje, curiosamente liderado por Steve Howe e Geoff Downes, que deixaram a banda para formar o Asia e abriram o caminho para toda essa história ocorrer.

Yes — “90125”

  • Lançado em 7 de novembro de 1983 (Reino Unido) e 11 de novembro de 1983) pela Atco
  • Produzido por Trevor Horn e Yes

Faixas:

  1. Owner of a Lonely Heart
  2. Hold On
  3. It Can Happen
  4. Changes
  5. Cinema
  6. Leave It
  7. Our Song
  8. City of Love
  9. Hearts

Músicos:

  • Jon Anderson (vocais)
  • Trevor Rabin (guitarra, teclados, vocais)
  • Chris Squire (baixo, vocais)
  • Tony Kaye (órgão Hammond, piano elétrico)
  • Alan White (bateria, percussão, backing vocals, Fairlight CMI)

Músicos adicionais:

  • Deepak Khazanchi (cítara e tanpura na faixa 3)
  • Graham Preskett (violino na faixa 6)

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

5 COMENTÁRIOS

  1. PIADA DIZER QUE ESSE ESSE DISCO É O MAIOR SUCESSO DO YES. ENTAO NÃO EXISTIU CLOSE TO THE EDGE, RELAYER, GOING FOR THE ONE, FRAGILE. VC ENTENDE DE YES O MESMO QUE EU ENTENDO DE FISICA QUANTICA, NADA.

    • “Talk” conta com Trevor Rabin, mas saiu depois dessa era, já em 1994. No meio disso rolou a breve saída do Jon Anderson, Anderson Bruford Wakeman Howe e “Union”.

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