“Permission to Land” e o revival do rock farofa feito pelo The Darkness

Justin Hawkins e companhia provaram ao mundo que rock ainda tinha a oportunidade de ser profundamente ridículo e legal

The Darkness à primeira vista parecia ridículo demais para ser verdade. À primeira audição também. Qualquer um que escuta “I Believe in a Thing Called Love” é saudado com os agudos e fraseados estapafúrdios de Justin Hawkins, os solos harmonizados, a megalomania de tudo.

É difícil compreender como uma banda teria a coragem de fazer algo tão exagerado de maneira sincera. Mas aí está o poder da banda. Eles sabem muito bem o quão teatrais são. Eles tem a coragem de ser bobos, o que os torna poéticos.

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Jingle da Ikea

Justin Hawkins e seu irmão Dan cresceram em Lowestoft, o ponto mais a leste do Reino Unido. Em 2006, Gene Simmons, vocalista e baixista do Kiss, filmou uma temporada do reality show “A escola do rock de Gene Simmons” na cidade – e dava pra ver o quanto o lugar é alienador. 

Não exista nada para fazer, então os garotos Hawkins precisavam criar sua própria diversão. Ambos aprenderam a tocar instrumentos, com Dan aprendendo tocar bateria e Justin guitarra. Este último descreveu sua inspiração à Premier Guitar em 2019:

“Eu fui inspirado a tocar, inicialmente, por Brian May. Eu adorava seu timbre, seu vibrato, tudo. Achava que o jeito dele de tocar parecia uma voz cantando. Queria ser capaz de fazer isso. Quando eu ia para aulas de guitarra, eu sempre pedia para aprender coisas do Queen. Eu fui encorajado, porque meu irmão estava tocando bateria também. Meus pais foram super apoiadores disso, porque eles queriam que a gente fosse tipo um Jackson… 2. [risos]”

Os dois participaram de bandas locais tocando covers durante a adolescência. Dan aprendeu a tocar baixo inicialmente para tapar buraco e depois se tornando habilidoso com o instrumento.

Ambos seguiram caminhos diferentes após a escola. Enquanto Dan foi tentar a sorte sendo músico em Londres, Justin se matriculou numa escola técnica em Huddersfield, no norte da Inglaterra, onde aprendeu Tecnologia Musical e se tornou compositor de jingles.

Uma das campanhas para qual Justin trabalhou foi da Ikea, que ele depois disse ter ajudado a financiar a estreia do Darkness com o dinheiro de direitos autorais.

Dan, enquanto isso, mudou mais uma vez de instrumento, como ele contou à Premier Guitar:

“Eu me mudei pra Londres com 17 anos, tocando baixo para algumas bandas. Quando eu tinha 24, acho, eu estava num grupo e o vocalista percebeu que eu tocava guitarra melhor que os guitarristas. Ele demitiu eles – ambos – e eu fui movido para a guitarra.”

Um amigo que Dan fez em Londres logo cedo foi o baixista escocês Frankie Poullain. Os dois moravam juntos e quase todo fim de semana, Justin vinha até a cidade passar tempo com o irmão. Os três faziam jam sessions com Ed Graham, um amigo de escola dos Hawkins.

Dessas jams, nasceu a banda Empire, que puxava um som mais progressivo, mas parecia fadada ao fracasso. O som foi ficando mais pesado, mas após demitirem o vocalista em 1999, eles não tinham certeza se valia a pena continuar.

AC/DC gay com Freddie Mercury jovem

No Réveillon do milênio, os irmãos estavam em Norfolk, no pub de sua tia, e Justin decidiu cantar “Bohemian Rhapsody” no karaokê. A performance foi tão espalhafatosa e carismática – com direito a vozes diferentes para cada personagem da canção e pulos pelo palco – a ponto de Dan sugerir que ele assumisse a posição de vocalista da banda.

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Os dois retornaram a Londres decididos. Contactaram Poullain, que estava na Venezuela, e fizeram o baixista se juntar à empreitada com eles e Ed Graham. Eles adotaram o nome The Darkness e começaram a fazer shows pelo norte de Londres, quase sempre sábado à noite. 

Os shows do The Darkness foram imediatamente caracterizados pelo tamanho da performance. A banda podia se apresentar em pubs na época, mas a ambição era maior, como Justin contou ao The Independent:

“Stadium rock só é chamado de stadium rock porque esse é local ideal para a música. Pub rock tem uma conotação diferente. Nós só estávamos tocando em pubs porque precisávamos. A gente estava dizendo: ‘Isso é o que a gente faz. Agora estamos fazendo aqui, mas um dia estaremos fazendo a mesma coisa lá.’”

Pouco a pouco, a banda foi ganhando notoriedade por seu show completamente diferente de qualquer coisa na cena. Simon Price escreveu na primeira resenha ao vivo deles para o The Independent:

“Uma banda de heavy metal histriônica e incrivelmente camp, melhor descrita como um AC/DC gay com um Freddie Mercury jovem de frontman… extremamente divertida, independente de sua locação exata na escala de ironia e seriedade.”

Esse debate sobre ironia e seriedade foi abordado por Poullain numa entrevista para a BBC, em que disse:

“Todo mundo está travado demais esses dias. Eu odeio a arrogância de bandas que acham suas emoções mesquinhas interessantes. Se você olhar para bandas de 25 anos atrás, as pessoas têm sorrisos nos rostos. Estamos trazendo um pouco disso de volta.”

Quando perguntado se isso queria dizer que a banda não tinha intenção irônica nenhuma, ele continuou, sarcástico:

“Não, estou só fazendo o que é real e certo.”

Tal postura era polarizante, como o executivo de A&R da Sony, Nick Raphael, caracterizou em entrevista para o HitQuarters:

“Não tinha como ter menos hype e só duas gravadoras mostraram qualquer interesse neles. A indústria em geral achava que eles eram cafonas. Pessoas estavam dizendo que eles eram uma piada e não eram de verdade.”

Piada ou verdade?

Nenhuma música do The Darkness causava tanto essa dúvida no ouvinte quanto “I Believe in a Thing Called Love”. Em entrevista para o The Guardian, Dan Hawkins contou sobre as origens da faixa:

“Eu não lembro quem falou, mas estávamos tendo uma conversa na linha de: ‘Por que não escrevemos simplesmente a canção mais idiota de todos os tempos?’ Foi provavelmente Justin, meu irmão, que bolou o primeiro riff: ele e Frankie estavam trabalhando com aquele refrão ridículo logo no início do processo. Eu bolei a ponte e a parte final do refrão e tentei dar um semblante de canção a tudo. A gente levou o arranjo para um espaço de ensaio alguns dias depois. Eu esperava que todos nós ficaríamos com vergonha de tocar. Mas todo mundo estava cantando junto com o refrão na segunda vez que veio. A gente olhou um pro outro e pensamos: ‘É isso, vai ficar’. E estava tipo: ‘P#ta m#rda, vai ficar’.”

A canção era potente a ponto de ser o clímax dos shows da banda, cada vez maiores. Eles chegaram a lotar o Astoria, em Londres – onde cabem 2 mil pessoas – antes mesmo de assinarem com uma gravadora.

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A oportunidade finalmente apareceu quando a Atlantic assinou com o The Darkness no final de 2002. Material não faltava para o disco: ao todo, a banda trabalhou cerca de 48 músicas durante as duas semanas de gravações do que veio a ser “Permission to Land”.

O método para reduzir esse número foi tão inusitado quanto obtuso: o grupo nunca anotava nada sobre as composições, então apenas as mais memoráveis acabaram sobrevivendo ao crivo.

Outra música capaz de passar nesse teste foi “Get Your Hands Off My Woman”, o primeiro lançamento oficial do The Darkness pela Atlantic – eles já haviam disponibilizado um EP independente em 2002, intitulado “I Believe in a Thing Called Love”. Lançada em fevereiro de 2003, a faixa promocional chegou apenas ao 43º lugar da parada britânica, mas teve a distinção de ganhar o prêmio Golden God de melhor single daquele ano.

O compacto seguinte, “Growing On Me”, teve em seu título refletida a atitude do público britânico com relação ao grupo. Chegou à 11ª posição no ranking de vendas do Reino Unido.

Quando o álbum “Permission to Land” finalmente saiu, em 7 de julho de 2003, estreou já em segundo nas paradas, atingindo o topo em pouco tempo. O lançamento de “I Believe in a Thing Called Love” como single, em setembro, só aumentou o sucesso do disco, atingindo o 23º lugar na Billboard US Mainstream Rock. O The Darkness havia cruzado o Atlântico.

“I Believe in a Thing Called Love”, aliás, tornou-se conhecida até mesmo no Brasil, após sua inserção na trilha sonora da novela global “Da Cor do Pecado”. A comédia contava a história de cinco irmãos lutadores – e a canção era tema de um deles que queria ser maquiador, não desportista.

No fim das contas, “Permission to Land” vendeu cerca de 3,5 milhões de cópias no mundo todo, recebendo quatro discos de platina no Reino Unido e um de ouro nos Estados Unidos. Além do sucesso comercial, The Darkness foi aclamado pela crítica: os integrantes receberam o prêmio Ivor Novello, o mais tradicional da música britânica, como Compositores do Ano em 2004.

Eles podem nunca ter conseguido atingido esse tipo de sucesso novamente. Em meio a vícios e brigas, a banda implodiu em 2006, retornando cinco anos depois. Ainda assim: aquele trabalho foi o suficiente para provar ao mundo que os irmãos Hawkins não eram uma piada.

The Darkness — “Permission to Land”

  • Lançado em 7 de julho de 2003 pela Atlantic Records
  • Produzido por Pedro Ferreira

Faixas:

  1. Black Shuck
  2. Get Your Hands off My Woman
  3. Growing on Me
  4. I Believe in a Thing Called Love
  5. Love Is Only a Feeling
  6. Givin’ Up
  7. Stuck in a Rut
  8. Friday Night
  9. Love on the Rocks with No Ice
  10. Holding My Own

Músicos:

  • Justin Hawkins (voz, guitarra, sintetizadores, piano)
  • Dan Hawkins (guitarra)
  • Frankie Poullain (baixo)
  • Ed Graham (bateria)

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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