Os últimos anos e a morte de Renato Russo, a voz da Legião Urbana

Do diagnóstico ao falecimento, passando pelo auge artístico da Legião e discos de pop italiano, Renato Russo viveu altos e baixos em seus tempos finais

Renato Russo se viu após a morte de Cazuza como a principal figura do rock nacional naquele momento. O vocalista da Legião Urbana se tornou o poeta laureado da juventude brasileira, com a turnê do disco “A Quatro Estações” se tornando uma das maiores da história do país.

No meio de tudo isso, o cantor teve duas notícias que mudaram fundamentalmente sua vida. A primeira foi a chegada de seu filho, que nasceu em março de 1989. No ano seguinte, porém, ele foi diagnosticado como portador do vírus HIV.

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A morte de Renato Manfredini Júnior se deu seis anos depois, em 11 de outubro de 1996, aos 36 de idade. Mas o período até lá foi marcado pelo maior sucesso da carreira da Legião. Além disso, foi quando o cantor decidiu fazer músicas cada vez mais desafiadoras, seja em termos de sofisticação de arranjos ou agir fora do esperado para o rock.

Ele via o fim se aproximando.

Fase mística

Ao contrário do ocorrido com Cazuza, pouquíssimas pessoas sabiam do diagnóstico de Renato Russo. Boatos corriam soltos, mas o cantor era veemente em suas negações.

Só os amigos mais próximos sabiam. Uma delas era Denise Bandeira, que contou a Arthur Dapieve no livro “Renato Russo: o Trovador Solitário” como Renato lhe contou ser soropositivo:

“Logo que teve o resultado do exame ele me ligou. Estava péssimo, é claro. Mas precisava desabafar. E me pediu segredo absoluto. Mas, curiosamente, depois de uma temporada de muita angústia e desespero, ele começou uma fase, digamos, meio mística, que resultou num verdadeiro renascimento profissional e artístico.” 

Enquanto isso, a Legião atingia mais sucesso que nunca. Após o sucesso de “As Quatro Estações” (1989), o quinto disco da banda, chamado “V” (1991), os levava para uma direção ainda mais rebuscada, flertando com o rock progressivo.

Estresse na Legião Urbana

Por fora, a turnê de “V” foi marcada por sua megalomania e a reação apaixonada do público. Já nos bastidores, a tônica era o consumo desenfreado de álcool e drogas por parte de Renato Russo, como o guitarrista Dado Villa-Lobos escreveu em sua autobiografia, “Dado Villa-Lobos: Memórias de um legionário”:

“O Renato tinha voltado a ser aquele cara insuportável, egoísta, manipulador e sistematicamente alcoolizado. Não havia nenhuma sintonia entre nós naquele período, pois ele havia entrado em uma onda etílica como eu nunca tinha visto, a ponto de ficar horas e horas com um copo grande (daqueles nos quais se bebe suco de laranja) de Cointreau na mão. E por que essa bebida, especificamente? Porque é álcool, mas ao mesmo tempo, glicose – o que era fundamental […]. Enquanto tivesse pó ou álcool, ele não parava. Naquele momento, parecia que o verdadeiro show dele não era no palco, mas no quarto do hotel.”

O tamanho da turnê era fonte de estresse principal para a banda, devido à quantidade de dinheiro sendo gasta. Tudo precisava ser perfeito. Discussões eram recorrentes entre os integrantes.

Porém, uma briga de fato entre membros da banda de apoio foi o momento em que a pressão acumulada explodiu. O violonista Fred Nascimento e o baixista Bruno Araújo estavam fora da turnê agora – e sujeitos a ligações ameaçadoras de Renato Russo. Numa sacudida geral do grupo de músicos complementares, entraram Sérgio Serra, Tavinho Fialho e Carlos Trilha, este último assumindo de forma permanente os teclados.

Carlos e Renato se deram bem quase de cara. O tecladista se tornou o colaborador principal do cantor em seus discos solo, “The Stonewall Celebration Concert” (1994), “Equilíbrio Distante” (1995) e o póstumo “O Último Solo” (1997).

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O problema era que mesmo com os shows cada vez melhores e a banda afiada como nunca, nada era suficiente para o vocalista – que bebia cada vez mais e entrava em uma espiral depressiva, vendo todos à sua volta sendo capazes de aproveitar a vida enquanto ele pensava ser o único que dava a devida importância à turnê.

Em “Renato Russo: o Trovador Solitário”, o empresário do grupo, Rafael Borges, descreveu o estado mental do cantor:

“Ele se achou tão solitário, tão sozinho, que culpou a todos. Achou que era tudo uma mentirinha, que falavam com ele, mas não estavam ali, que não tinha para mais ninguém. Ele era o cara que botava aquilo na rua, o cabeça daquilo. E era o fim.”

Recuperação de Renato Russo

A turnê foi encerrada subitamente. Felizmente, com isso, Renato Russo resolveu tratar seu alcoolismo e começar a tomar AZT, para adiar o aparecimento dos sintomas da Aids. Contudo, o diagnóstico ainda era segredo. 

De acordo com uma reportagem do Terra, quando um jornalista lhe perguntou em 1992 se era HIV positivo, ele respondeu:

“Não estou com Aids, que pergunta idiota.”

Numa outra entrevista, agora a Tárik de Souza para o Jornal do Brasil em 1993, Renato reclamou da cobertura dada pela imprensa aos seus porres e chiliques públicos:

“Antes, só o Cazuza e o Lobão saíam no jornal. De repente, eu virei a Judy Garland do rock. De manhã, eu virava três doses de Cointreau. O alcoolismo é uma doença como o diabetes. Só não consegui ainda parar de fumar.”

A sua tentativa de se tratar acabou por render o período mais fértil de sua carreira. Em três anos, foram gravados seis discos de material entre a Legião Urbana e trabalho solo.

Três foram com a banda: “O Descobrimento do Brasil” (1993), “A Tempestade ou o Livro dos Dias” (1996) e o póstumo “Uma Outra Estação” (1997). Os demais consistiram nos já mencionados “The Stonewall Celebration Concert”, “Equilíbrio Distante” e “O Último Solo”, este último após sua morte.

Contudo, com o lançamento de “O Descobrimento do Brasil”, Renato parecia mais relutante do que nunca com relação a sair em turnê. Ao Jornal da Tarde, declarou:

“Cada show dá a sensação de que você passou num vestibular por noite. Aquela euforia e depois… É bem o que a Janis Joplin falou: você faz amor com 30 mil pessoas e depois vai para casa sozinho. Quando me drogava, ia aguentando até virar um monstro, ninguém queria me ver, estava sempre irritado.”

Últimos passos

A turnê de “O Descobrimento do Brasil” terminou abruptamente após um show em Santos. Na ocasião, Renato Russo foi atingido por uma lata de cerveja. Interrompeu a apresentação para pedir que o responsável pelo ato enfiasse o objeto naquele lugar. Assista abaixo, a partir de 39min55seg.

O cantor finalizou a apresentação, mas ao final muitos suspeitaram terem visto a Legião ao vivo pela última vez.

Renato havia tido uma recaída. Os amigos e companheiros de banda tentavam encorajar sua sobriedade com um incentivo ao trabalho, como Dado Villa-Lobos falou em “Renato Russo: o Trovador Solitário”:

“A ideia era mantê-lo sempre ocupado. Porque o que ele mais gostava era de fazer música e estar num estúdio gravando, fazendo um disco. Então, a gente sempre incentivou muito essas coisas, que engrandeciam, davam força para ele.”

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Surgiu daí o álbum solo “Equilíbrio Distante”, gravado inteiramente em italiano, uma língua que Renato não falava. Determinado a se conectar com suas raízes, o cantor viajou para a Itália com o o objetivo de estudar a música pop local. Lá, decidiu o repertório do trabalho e incluiu canções de Laura Pausini, uma das maiores cantoras pop do país.

A gravação acabou por durar nove meses, período em que o artista passou por vários períodos extremamente depressivos. O coquetel de remédios para tratar o HIV era cheio de efeitos colaterais. Agora, ele conseguia notar o avanço dos sintomas da doença em si.

AZT e pedido pelo pai

Nos meses antes de morrer, Renato Russo parou de tomar o AZT. A informação é confirmada por Paulo Ricardo, ex-líder da RPM que gravou uma versão de “A Cruz e a Espada” com o ídolo para o álbum de releituras “Rock Popular Brasileiro” (1996). Ao Vênus Podcast, Paulo declarou:

“Isso (a gravação) foi em fevereiro de 1996. Ele nos deixou em outubro daquele ano. Foi por livre e espontânea vontade. Ele decidiu parar de tomar o coquetel AZT. Difícil… bem difícil. Muito triste.”

Meses antes de morrer, Renato Russo falou sobre como era complicado passar pelo tratamento com coquetel antiaids. Na ocasião, ele deu a famosa declaração:

“Quando eu tomo o coquetel (de AZT e outros), é como se tivesse comendo um cachorro vivo. E o cachorro me come por dentro.”

Uma reportagem da Istoé de 2000 citou uma amiga do cantor que pediu não ser identificada, falando que um mês antes de sua morte, Renato pediu a presença do pai:

“Ele queria provas do amor do pai e de que ele o aceitava como gay e alcoólatra.”

O pai de Renato, possuidor do mesmo nome do filho, se mudou para o Rio dois meses antes de sua morte ao descobrir sobre a doença. A mãe do cantor permaneceu sem saber.

A morte de Renato Russo

Enquanto isso, a Legião Urbana trabalhava no último disco lançado enquanto Renato vivia, “A Tempestade”. O processo de gravação foi árduo, com o cantor extremamente fragilizado pela doença. 

Tentando conter a situação e a quantidade de pessoas a par da doença, a banda fechou o círculo ainda mais ao designar Dado Villa-Lobos para assumir a produção do disco. Renato mal conseguia gravar os vocais, mas ainda assim arranjava energia para criticar o que não lhe agradava nas gravações enviadas ao seu apartamento em Ipanema.

O disco foi lançado em 20 de setembro de 1996. Três semanas depois, Renato Russo morreu.

Muitos argumentaram que Renato havia desistido de combater a doença, mas Dado Villa-Lobos defendeu a determinação do amigo. Ao livro “Renato Russo: o Trovador Solitário”, ele diz:

“Renato não era uma pessoa de se entregar, ele perdeu a guerra. O sistema imunológico ia embora com as emburacadas dele. Chegou um momento que não existiam mais células brancas para combater as infecções oportunistas.”

Renato Russo acabou se tornando uma das últimas vítimas públicas no Brasil do que foi uma epidemia brutal do vírus da Aids. A doença existe até hoje, mas os avanços em prevenção, detecção e tratamento a transformaram da sentença de morte do passado.

Uma pena ter nos custado no caminho tanta gente, incluindo um dos maiores letristas da história do rock nacional.

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

1 COMENTÁRIO

  1. Impressionante como faz uma pesquisa tão profunda, e seus artigos saem com tanta informação. Parabéns pelo seu trabalho, tenho acompanhado e fico surpreso com a qualidade das informações..

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