Por que “Close to the Edge” foi uma perda em meio a muitos ganhos para o Yes

Embora tenha custado ao grupo um de seus membros fundadores, quinto álbum de estúdio dos britânicos é considerado um clássico indiscutível do rock progressivo

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Antes de virar o sinônimo estético e musical do rock progressivo, o Yes, fundado em 1968, começou como a maioria das bandas de antigamente: tocando covers e sem um tostão no bolso. O nome partiu de seu primeiro guitarrista, Peter Banks, porque era “doce e conciso”.

Só que doçura e concisão definitivamente não pautariam o caminho do grupo, que foi trocando de integrantes — a começar pelo próprio Banks, substituído em 1970 — até se estabelecer com Jon Anderson (vocais), Chris Squire (baixo), Bill Bruford (bateria), Steve Howe (guitarra) e Rick Wakeman (teclados) e lançar o disco responsável por seu estouro tanto em sua terra natal quanto nos Estados Unidos, já o mercado de referência para a indústria fonográfica mundial.

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“Como dar sequência a um grande sucesso?” Foi essa a Pergunta do Milhão que o Yes precisou dar um jeito de responder em meados de 1972. Tendo “Fragile”, de novembro de 1971, vendido mais de 500 mil cópias nos Estados Unidos em aproximadamente seis meses, as expectativas em relação a seu sucessor, a ser chamado de “Close to the Edge”, eram as mais altas do mundo.

Expediente tortuoso

As primeiras sementes do que se tornaria “Close to the Edge” — ou, nas palavras de Steve Howe, “o álbum definitivo do Yes” — foram plantadas no início de fevereiro de 1972, mas somente em maio o grupo pôde se dedicar às gravações. O processo de dois meses provaria ser um deleite para uns e o fim da linha — ou quase isso — para outros.

Em busca de uma subjetiva perfeição, takes e mais takes foram feitos. A proposta subtraiu a espontaneidade que pautava o trabalho em estúdio e que tanto agradava Bill Bruford, cria do jazz e adepto das improvisações típicas desse gênero.

A Chris Welch, autor de “Close to the Edge: The Story of Yes” (Omnibus Press, 2009), ele descreveu o quão tortuoso era o expediente:

“Começávamos a gravar uma música, chegávamos na metade dela e ninguém sabia o que fazer a seguir. Desmontávamos tudo e fazíamos alguns shows. Voltávamos para o estúdio, ajustávamos tudo novamente e retomávamos do ponto em que havíamos parado na mesma faixa. Ninguém sabia a hora de terminar e nunca tocávamos uma música até o fim. Não podíamos tocar nenhuma das músicas até o fim porque ninguém sabia dizer como elas deveriam terminar. As músicas estavam sendo inventadas no estúdio.”

Em sua autobiografia, “Grumpy Old Rock Star: And Other Wondrous Stories” (Random House, 2008), Rick Wakeman mostrou que pensava diferente do ex-colega:

“[A gravação de ‘Close to the Edge’] foi em grande parte um processo instintivo de criatividade. Para falar a verdade, acho que não sabíamos realmente para onde estávamos indo. Era tudo maravilhosamente novo e empolgante e a gravadora [Atlantic Records] nos deixou em paz em estúdio porque estávamos vendendo um monte de discos [N.E.: ‘Fragile’ já havia batido a marca de um milhão de cópias vendidas].”

Mesmo assim, morto de cansaço, o batera deu o ultimato: “Close to the Edge” seria seu último disco com o Yes. Bruford saiu logo após encerradas as gravações do álbum, levando Jon Anderson e Chris Squire a basicamente intimar o músico de estúdio Alan White a participar da turnê que teria início na sequência. Alan ficou com a banda até sua morte, em maio deste ano.

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Menos Bíblia, mais Hesse

Outro aspecto que irritou Bill Bruford foi o conteúdo lírico do álbum.

Certamente as letras do Yes se tornaram mais filosóficas em “Close to the Edge”. Isso se deve ao fato de Jon Anderson, o principal letrista da banda, ter descoberto um clássico da literatura do começo do século 20 e extraído dele ensinamentos os quais fez questão de compartilhar em seus versos.

O assunto foi pauta de entrevista concedida pelo vocalista ao BraveWords:

“Naquela época eu li vários livros de Herman Hesse, entre eles ‘Sidarta’, e foi muito esclarecedor para mim, porque não havia nada na Bíblia que eu apreciasse tanto quanto o que Hesse escrevera; que Deus pode ser encontrado em qualquer lugar, em todos os lugares.”

Embora acredite em Deus, Anderson não segue nenhuma religião. Na faixa-título de “Close to the Edge” ele canta o que pensa a respeito de todas elas: “How many millions do we deceive each day?” (“Quantos milhões de pessoas enganamos a cada dia?”).

Cortes bem definidos

A mais acurada análise musical de “Close to the Edge” foi feita por Steve Howe na autobiografia “All My Yesterdays” (Omnibus Press, 2020). Nela, o guitarrista explica como as três músicas que compõem o álbum — a faixa-título, “And You And I” e “Siberian Khatru” — tomaram forma.

Sobre a faixa-título, que começa emulando Mahavishnu Orchestra e encerra com sons de pássaros criados utilizando um sintetizador, ele comenta:

“Minhas estruturas e melodias provaram-se capazes de funcionar em diferentes enquadramentos estilísticos. ‘Close yo the Edge’ inclui uma parte de ‘Black Leather Gloves’ [do Bodast, grupo do qual Howe fez parte antes de entrar no Yes]. Ela foi construída por Jon Anderson e eu durante a turnê do ‘Fragile’. É dividida em ‘cenas’ com cortes bem definidos.”

Já a suave e orquestral “And You And I” foi desenvolvida a partir de passos comparativamente pequenos, quando Howe aprendia a tocar um lap steel guitar que comprou em Nova York durante a primeira ida do Yes aos Estados Unidos.

Uma curiosidade: quando Bono conheceu The Edge — na época David Evans — no colégio, o projeto de guitarrista estava tocando a introdução desta música no violão, o que chamou a atenção do futuro vocalista. Não fosse isso, talvez o mundo não conhecesse o U2. E não fosse “Close to the Edge”, talvez Evans não tivesse adotado o pseudônimo pelo qual ficaria mundialmente conhecido.

A despeito de encerrar a tracklist, “Siberian Khatru” foi por diversas ocasiões o número de abertura dos shows do Yes. Para Howe, isso se deve ao fato de a música “ter de tudo”:

“‘Khatru’ possivelmente significa ‘como quiser’ em iemenita. Abrimos muitos shows com essa música em particular. Ela tem de tudo: riffs, temas, pontes e coisas inusitadas; grandes versos em harmonia de três partes e golpes orquestrais ao estilo Stravinsky. No final, ela se transforma em um solo de guitarra que, de propósito, gravei enquanto não ouvia minha guitarra, só para ver o que dali resultaria. Quando ouvi a gravação, achei meio estranho, mas adequadamente interessante.”

A capa de “Close to the Edge”

Roger Dean, o mesmo capista de “Fragile”, foi usado em “Close to the Edge”. Seria o segundo de oito trabalhos do artista inglês nascido em 1944 para a banda. Foi Phil Carson, da Atlantic Records, quem primeiro fez a ponte.

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O simples gradiente de cores que vai do preto ao verde, não obstante tenha sido inspirado por uma paisagem do noroeste da Inglaterra, tem uma explicação que dialoga com a autorreinvenção proposta pela faixa-título do álbum. Em 2004, Roger a revelou em entrevista ao Greensboro News Record:

“[Trata-se de] uma cachoeira constantemente se renovando, mas sem deixar claro de onde vinha a água. Foi isso que eu quis retratar na imagem.”

A capa, que pode ser visualizada mais abaixo, também marcou a estreia do hoje clássico logotipo do Yes, desenhado por Dean durante uma viagem de trem.

O que está acontecendo?

“Close to the Edge” foi lançado em 13 de setembro de 1972 e logo ascendeu à quarta posição nas paradas do Reino Unido e à terceira nos Estados Unidos. Conquistou disco de platina em ambos os territórios.

Ao lançamento, seguiu-se uma turnê mundial de 90 datas na qual o álbum era tocado na íntegra, só que fora de ordem. O repertório incluía também outras nove faixas, entre elas “Roundabout”, “Heart of the Sunrise” e “Starship Trooper”.

Apesar de ter saído ao final das gravações de “Close to the Edge”, Bill Bruford reconhece o valor do álbum que marcou sua despedida do Yes. A Chris Welch, ele disse:

“Gravar o ‘Close to the Edge’ era como fazer tratamento de canal dia após dia. Mesmo assim ficou muito bom! Foi um excelente álbum. Como chegou a ser assim foi simplesmente um milagre. Deve ter havido algum grande coordenador no céu porque mal sabíamos o que estava acontecendo.”

Para Steve Howe, o único da formação responsável por “Close to the Edge” ainda a bordo do Yes, a banda nunca gravou nem nunca gravará um disco que se compare a ele. Assim o guitarrista escreve em sua autobiografia:

“Muita coisa mudou; seguimos em frente e mudamos nossa abordagem. Não temos mais tanta fome de desafiar os gêneros musicais hoje – deixo isso para os mais novos fazerem. Fizemos nossa parte e agora cabe a nós celebrar o que produzimos em nosso melhor período. Para mim, isso basta.”

Yes – “Close to the Edge”

  • Lançado em 13 de setembro de 1972 pela Atlantic Records
  • Produzido por Eddy Offord e Yes

Faixas:

  1. Close to the Edge
    I. The Solid Time of Change
    II. Total Mass Retain
    III. I Get Up, I Get Down
    IV. Seasons of Man
  2. And You and I
    I. Cord of Life
    II. Eclipse
    III. The Preacher, the Teacher
    IV. The Apocalypse
  3. Siberian Khatru

Músicos:

  • Jon Anderson (vocal)
  • Steve Howe (guitarra, sitar elétrica, steel guitar, backing vocals)
  • Chris Squire (baixo, backing vocals)
  • Rick Wakeman (teclados)
  • Bill Bruford (bateria, percussão)

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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