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A história de cada música de “Appetite for Destruction”, do Guns N’ Roses

Letras do multiplatinado disco de estreia da banda são um raio-X de seu dia a dia nos primórdios; composições indicam árduo trabalho em equipe

Nada como o tempo para validar a qualidade de uma obra. “Appetite for Destruction”, álbum lançado em 21 de julho de 1987, apresentou o Guns N’ Roses ao mundo – mas levou algum tempo até o planeta realmente conhecer a banda cujo pontapé inicial equivaleu ao começo do fim da era glam metal.

Mais de um mês após seu lançamento, apenas 200 mil cópias do disco haviam sido vendidas. Um número baixo levando-se em conta a época e o investimento feito pela gravadora, Geffen, no grupo formado por Axl Rose (voz), Slash (guitarra solo), Izzy Stradlin (guitarra rítmica), Duff McKagan (baixo) e Steven Adler (bateria).

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A popularidade só veio um ano depois, em agosto de 1988, quando o terceiro single, “Sweet Child O’Mine”, ganhou rotatividade nas rádios e na MTV. Por cerca de 12 meses, “Appetite for Destruction” foi um fiasco. Hoje, é um dos álbuns mais vendidos de todos os tempos, com estimativa de 30 milhões de cópias despachadas. Nos Estados Unidos, com suas 18 milhões de unidades comercializadas, ostentou o recorde de disco de estreia mais comercializado nos Estados Unidos até 2018 – quando “Cracked Rear View”, do Hootie & the Blowfish, o superou em três milhões.

Apesar da mística – e das polêmicas –, o trabalho conquistou tais marcas em função de seu repertório. Cada uma das 12 músicas incluídas no tracklist parece ter vida própria. É justo, portanto, analisar “Appetite” faixa a faixa, incluindo declarações dos próprios integrantes do Guns extraídas das seguintes obras literárias:

Alguns trechos de declarações a veículos como Classic Rock Magazine, Hit Parader (via Ultimate Classic Rock), Guitar Edge e L.A. Weekly também foram utilizados.

“Appetite for Destruction”, do Guns N’ Roses, faixa a faixa

“Welcome to the Jungle”

Longe de casa durante a primeira e malfadada turnê do Guns N’ Roses pela Costa Oeste estadunidense — a ser conhecida como “Hell Tour” —, Axl Rose escreveu “Welcome to the Jungle”, uma crônica da Los Angeles que não é vista nos cartões-postais: um cenário de sexo, drogas e violência. O lado sombrio da cidade que muitas vezes é o que recebe os migrantes em busca de fama e fortuna.

Curiosidade: Rose não foi o primeiro vocalista nascido em Indiana a escrever uma letra sobre o submundo de L.A. Em 1981, David Lee Roth escreveu “Mean Street”, faixa que abre o quarto álbum do Van Halen, “Fair Warning”, lançado naquele ano, relatando a própria experiência na cidade.

Axl Rose: Considero [“Welcome to the Jungle”] como sendo a [canção] mais representativa. Escrevi a letra em Seattle. É uma cidade grande, mas ao mesmo tempo ainda é uma cidade pequena se comparada com Los Angeles. O visual por lá é bem mais rural. Escrevi o que L.A. parecia para mim. Se alguém chega à cidade em busca de algo, encontrará aquilo que quiser.

Izzy Stradlin: Tem a ver com as ruas de Hollywood; é fiel à realidade.

Slash: Axl lembrou-se de um riff que eu havia tocado com ele num período em que ele morou conosco na casa da minha mãe. Era a introdução e o riff principal de “Welcome to the Jungle”. Essa música foi a primeira melodia de verdade que a banda compôs em conjunto. Estávamos sentados no estúdio, pensando em compor algo novo, quando aquele riff voltou à mente de Axl (…) Comecei a tocar o riff e, no mesmo instante, Steven surgiu com uma batida; Duff juntou-se com uma linha de baixo e lá fomos nós. Fui contribuindo com partes a serem trabalhadas: o refrão, o solo; e Axl foi criando a letra. Duff foi o elo nessa música — entrou com a ponte depois do solo, aquela furiosa linha de baixo, e Izzy proveu a textura. Em cerca de três horas, a música estava completa. O arranjo é praticamente o mesmo que aparece no álbum.

Duff McKagan: Parte [de “Welcome to the Jungle”] vinha da primeira canção que escrevi. Agora em Los Angeles, sete anos depois, o riff principal dessa primeira música voltou para mim quando estávamos fazendo uma outra canção sobre a vida miserável que vivíamos. Um dos surpreendentes riffs em staccato de Slash tornou-se a introdução e a seção principal da música baseada no riff de “The Fake”, minha canção da época do Vains agora tocada no baixo. Axl tinha alguns fragmentos de letras que ele vinha trabalhando desde a viagem de Seattle, e nós criamos uma ponte estendida entre esses trechos – uma seção onírica que ecoava as palavras “When you’re high” [“Quando você está chapado”] e evoluía para uma massa sonora frenética, similar a um pesadelo, onde Axl gritava, “Do you know where you are?” [“Você faz ideia de onde está?”] (…) Tocamos a música ao vivo pela primeira vez quando abrimos um show no Troubadour numa noite de quinta-feira no final de junho de 1985. Deu muito certo, e desde então a multidão se agita ao ouvir o riff de introdução de Slash – ela tornou-se um dos nossos primeiros cartões de visita.


“It’s So Easy”

O primeiro single de “Appetite for Destruction” lançado no Reino Unido não tardou para ser banido pela rádio BBC devido à letra lasciva sobre a relação dos músicos de uma banda de rock com suas groupies.

Duff McKagan escreveu “It’s So Easy” com West Arkeen, também coautor de “Patience”, “Bad Obsession”, “The Garden” e “Yesterdays”. O parceiro de composições da banda morreu de overdose em 1997.

Steven Adler: As groupies estavam ficando totalmente fora de controle. Podíamos apenas jogar a rede de pesca pela janela de qualquer clube e pegar quantas garotas quiséssemos. A brincadeira com as garotas perdeu a graça: não era mais desafiador pegar a melhor presa e, novamente, escrevemos sobre isso: “It’s So Easy” [“É Tão Fácil”] (…) Acabou sendo uma música sobre nossas vidas ali, naquele exato momento. E ninguém no mundo cantava com mais intensidade e honestidade do que Axl.

Slash: West era um guitarrista de San Diego que gostava de uma boa farra e que se tornou quase mais um integrante do que um amigo comum da banda. (…) Duff e West andavam juntos, compunham músicas e, às vezes, eu me reunia a eles. Além de escrever para o Guns, ele compunha em parceria com Duff e Izzy nos projetos solo deles, e todos nós contribuímos para o projeto de West, o Outpatience, no final dos anos 1990, pouco antes de ele morrer de overdose.

Duff McKagan: West não era o tipo de cara que queria tocar em uma banda, mas era um guitarrista incrível. Ele acabou escrevendo canções com vários de nós. (…) Ele também me mostrou a afinação aberta em mi, uma forma alternativa de afinar a guitarra, para que soasse como um acorde de mi maior quando dedilhada sem o uso dos dedos sobre os trastes. É por isso que ele está nos créditos da composição de “It’s So Easy” — sem a afinação aberta em mi, a canção não teria acontecido. Eu não sabia que existiam afinações alternativas.


“Nightrain”

Da mesma forma que a garotada roqueira de hoje em dia tem opções alcoólicas de procedência duvidosa que cabem no bolso, o Guns N’ Roses em tempos de vacas definhando de magras tinha o Night Train. Por pouco mais de um dólar, o porre era garantido.

Esqueça as teorias sobre um vagabundo pulando no vagão do trem da meia-noite: a terceira faixa de “Appetite for Destruction” nada mais é do que um tributo às bebidas baratas e à invencibilidade sentida enquanto se está sob o efeito do álcool.

Slash: Night Train, um “vinho” de alto teor alcoólico que, naqueles tempos, podia ser comprado por menos de dois dólares a garrafa. É o vinho mais barato e vagabundo que se pode adquirir, e o bebíamos a valer sempre que não havia outro alguém pagando.

Axl Rose: A garrafa [de Night Train] tinha 19% de teor alcoólico. Era beber um quarto dela e você apagava.

Duff McKagan: A primeira vez que provei o vinho Night Train foi em uma campanha de panfletagem noturna. Em pouco tempo, fiquei feliz em descobrir que a loja de bebidas na esquina do lugar onde guardávamos nossas coisas também tinha o vinho em estoque. Custando US$1,29 a garrafa, o Night Train instantaneamente se tornou presença fixa entre a banda: começamos a esboçar a música “Nightrain” uma semana depois.

Slash: “Nightrain” foi composta em diferentes etapas. Trabalhei primeiramente no riff principal dessa música com Izzy (…) Não sabíamos que rumo a música tomaria e não tínhamos nenhum tipo de assunto em mente, mas o ritmo era tão certo que continuamos tentando. No final, me senti um tanto indisposto e, no dia seguinte, acordei com a garganta bastante inflamada. Fiquei de repouso no sofá durante dois dias, mas nesse meio tempo, Izzy tocou para Duff o que havíamos feito, e Duff trabalhou na música, aperfeiçoando o ritmo e transformando nossos riffs numa faixa instrumental apropriada.


“Out Ta Get Me”

Antes de apostar todas as fichas numa viagem só de ida para Los Angeles, Axl Rose era William Bailey, um garoto problema de Lafayette, cidadezinha interiorana do estado de Indiana. Na letra de “Out Ta Get Me”, ele destila sua revolta contra os castigos aplicados pelos pais e professores e as vezes em que foi levado sob custódia ou teve a cabeça posta a prêmio pela polícia local por ter cometido qualquer delinquência juvenil.

Slash: “Out Ta Get Me” foi feita numa tarde, quase mais rápido do que “Welcome to the Jungle”. Izzy apareceu com o riff e a ideia básica para a música e, no segundo em que o tocou, as notas me inspiraram. Aquela música foi criada tão depressa que acho que até a seção mais complicada — as partes duplas de guitarra — foram escritas em menos de vinte minutos.

Steven Adler: Enquanto outras bandas cantavam sobre masmorras, feiticeiros e magia negra, ou se divertiam no banco de trás do carro do papai, Axl escrevia letras sobre a vida — a dele e a nossa. Todos tínhamos passado por uma merda de período escuro e distorcido, mas era real e os garotos sentiam e respondiam a isso. Axl se superava em capturar o clima e não tinha uma alma no público que não pudesse sentir sobre o que estávamos gritando ou vivendo.


“Mr. Brownstone”

“Brownstone”, no inglês das ruas, era uma gíria recorrente para heroína, droga que fazia parte do itinerário recreativo do Guns na época até se tornar um problema grave o bastante, resultando na expulsão do baterista Steven Adler em 1990. Na letra são descritos os hábitos e as rotinas de um viciado parcialmente funcional.

Embora ninguém nunca tenha confirmado a referência, comenta-se que o riff de guitarra que conduz a canção é inspirado no de “Walk This Way”, do Aerosmith.

Steven Adler: “Mr. Brownstone” era um aviso velado de Axl para todos nós, inclusive para ele mesmo. Todos vimos como as drogas tinham conquistado presença VIP em nossas vidas, mas também acreditávamos que éramos indestrutíveis. Apesar de sermos babacas arrogantes, respeitávamos (e temíamos) a habilidade que a heroína tem de cavar seu caminho em nossas vidas, demandando quantidades cada vez maiores de nossa rotina. Então fizemos o que normalmente fazíamos com algo que havia se tornado parte de nós: escrevemos sobre isso.

Slash: [“Mr. Brownstone”] fora concebida em circunstâncias bem precárias. Izzy, sua então namorada e eu nos encontrávamos no apartamento deles numa noite quando a compusemos. Nós nos sentávamos na cozinha onde preparávamos a nossa parada [droga] e, depois, apenas tocávamos de improviso. Estávamos lá reclamando, como fazem os viciados, dos nossos fornecedores e também do fato de sermos viciados, e foi de onde surgiu a música, que basicamente descrevia um dia da nossa vida na época. Izzy teve uma ideia maneira, bolou o riff e começamos a improvisar a letra. Sua então namorada se considera coautora dessa música e, para que fique registrado, ela, de fato, contribuiu com talvez um substantivo aqui e talvez uma preposição ali. Quando reunimos tudo, escrevemos a letra num saco de papel da mercearia. Nós a levamos para o Axl, que aperfeiçoou um pouco a letra antes que a banda trabalhasse nela em nosso ensaio seguinte.

“Paradise City”

Tal como “Welcome to the Jungle”, “Paradise City” foi inspirada por Los Angeles. Enquanto os versos descrevem um panorama caótico, o refrão, ao evocar imagens de grama verde e garotas bonitas, traz um tom de inocência e esperança nas possibilidades.

Axl Rose: Os versos têm mais a ver com estar na selva; o refrão é como se estivéssemos de volta ao meio oeste. Isso me lembra quando eu era um garoto que olhava para o céu azul e me perguntava: “uau, o que significa tudo isso? Tudo é tão grande lá fora”. Tudo era mais inocente. Há partes na canção que têm mais a ver com a saudade de casa. Quando comecei a colocar meus vocais, parecia que tinha uma influência irlandesa ou escocesa. Uma das coisas mais estranhas é que tive a sensação de que ela se daria muito bem na Europa.

Duff McKagan: Durante os [nossos] primeiros ensaios, nós cinco começamos a trabalhar juntos numa nova música, baseada em algumas letras que eu trouxera comigo num caderno dos tempos de Seattle. A canção tornou-se “Paradise City” e começou a tomar forma naqueles poucos dias antes da viagem até Seattle.

Slash: Estávamos no nosso furgão alugado, bebendo e tocando violão, quando comecei a ter uma ideia para a introdução do que se tornou “Paradise City”. Duff e Izzy começaram a acompanhar enquanto fui criando a sequência de acordes. Comecei a cantarolar uma melodia e toquei-a várias vezes. Então, Axl se pôs a cantar: “Take me down to the Paradise City…” [“Leve-me à Cidade do Paraíso…”] Continuei tocando e acrescentei uns versos improvisados: “Where the grass is green, and the girls are pretty” [“Onde a grama é verde e as garotas são bonitas”]. Achei que isso soou alegre demais. “Take me down to the Paradise City”, repetiu Axl. “Where the girls are fat, and they’ve got big titties!” [“Onde as garotas são gordas e têm peitos grandes!”], acrescentei. “Take… me… home!” [“Me… leve… para casa!”], cantou Axl. Foi decidido que o verso que diz “grass is green” ficava um pouco melhor e, embora eu preferisse a minha sugestão alternativa, fui derrotado. Depois que criamos aquele refrão inteiro, bolei o riff pesado que ancora a música. E foi naquele momento que “Paradise City” tornou-se a minha música favorita do Guns N’ Roses.


“My Michelle”

A letra da música que abre o lado B do LP de “Appetite for Destruction” teve como inspiração Michelle Young, colega de escola de Slash, por meio do qual acabou se tornando uma agregada do Guns.

A caminho de um show na van da banda, “Your Song” de Elton John começou a tocar no rádio, e Young suspirou, dizendo que sempre sonhou que alguém escrevesse uma música sobre ela. Axl Rose atendeu seu pedido, mas ao invés de uma canção de amor, o vocalista entregou uma letra biográfica precisa: o pai de Michelle era dono da Essex Home Video, a maior produtora de filmes de conteúdo adulto da época, e a mãe havia morrido de overdose de heroína.  

Steven Adler: [Michelle] era morena e magra, cheia de atitude. Lembro-me da primeira vez que fui até seu canto e fiquei surpreso com as pilhas de filmes pornográficos. Ela disse que seu pai ganhava a vida como produtor na indústria pornô e perguntou se eu queria assistir a um deles. Nunca tinha visto um, então por que não? O filme se passava em uma cela de prisão, o que era realmente uma locação muito ruim. Os pintos dos caras eram chupados através das barras da cela de uma mulher. Eu era um jovem cheio de tesão e tive dificuldades de esconder minha ereção. Mas era tão podre que eu tive de rir.

Slash: Creio que Izzy e eu elaboramos a estrutura básica e, então, como de costume, Duff contribuiu com o que exatamente a canção precisava para evoluir.

Duff McKagan: Lembro-me de “My Michelle” tomando forma. Slash tinha um grande riff, um riff típico dele. Era uma coisa esquiva, araneiforme, mas ele tocava muito rápido no início. Seu riff inicial aparece bem mais lento na introdução da versão gravada – aquela introdução sinistra, de filme de terror. Enquanto trabalhávamos nela com toda a banda reunida – a colaboração era o ingrediente mágico de quase todas as canções – nós chegamos naquele “bomp, bad-a-dam, bad-a-dam” que abre a música em sua versão final.

https://www.youtube.com/watch?v=w8L2j6AhioQ

“Think About You”

Embora tocada num ritmo desenfreado, “Think About You” é claramente uma canção de amor… mas também fala sobre drogas, sexo, a vida em Hollywood e dinheiro.

Escrita por Izzy Stradlin antes de ele se juntar ao Guns N’ Roses, a letra foi, segundo Tracii Guns, guitarrista do L.A. Guns e um dos membros fundadores do grupo, inspirada por uma jovem chamada Monique Lewis, “com quem todos namoramos. Axl tem o rosto dela tatuado no braço”.

Em entrevista à Guitar Edge em 2007, Slash definiu “Think About You” como “a releitura de Izzy para ‘Combination’, do Aerosmith”. Mais efusivo foi Tom Zutaut, executivo da Geffen Records responsável pela contratação do Guns pela gravadora. Em 2017, para o L.A. Weekly, Zutaut chamou a música de “o maior momento pós-punk-rock dos Rolling Stones”.


“Sweet Child O’ Mine”

Axl Rose escreveu essa letra como uma ode para a então namorada Erin Everly, filha de Don Everly, dos Everly Brothers. Em 28 de abril de 1990, depois de quatro anos de namoro, eles se casaram numa cerimônia reservada em Las Vegas, mas Erin pediria a anulação do casamento nove meses depois acusando Axl de relacionamento abusivo.

Steven Adler: Havia chegado a hora de gravarmos nosso segundo clipe, “Sweet Child O’ Mine”. Ele foi filmado no Huntington Ballroom, em Huntington Beach. Todos os caras levaram suas namoradas para aparecerem com a gente. Axl estava namorando Erin Everly havia alguns anos. Era uma garota doce, e eu tinha certeza de que ela não aguentaria Axl por muito tempo. Eles estavam sempre discutindo por qualquer coisa e, às vezes, a coisa ficava muito intensa. Quando ele surgiu com ela, pela primeira vez, ela era tão legal que eu honestamente pensei: “Tomara que o Axl não f#da com tudo”.

Slash: Levo jeito para sentar com uma guitarra e criar riffs difíceis de tocar. É apenas um meio de dedilhar melodias simples de maneira não convencional. É a minha maneira de começar a tocar ou de encontrar algo interessante para fazer em vez de apenas praticar escalas. Até hoje ainda faço isso. Em vez de praticar com “exercícios” óbvios, invento fraseados próprios que servem para afrouxar meus dedos e manter meus ouvidos atentos (…) Era o que eu estava fazendo numa noite quando Izzy sentou ao chão ao meu lado. “Ei, o que é isso?”, perguntou. “Não sei. Só estou me exercitando”. “Continue”. Ele contribuiu com alguns acordes e, uma vez que Duff estava lá, acrescentou um acompanhamento de baixo, enquanto Steven planejava seu ritmo de bateria. Em questão de uma hora, meu simples exercício de guitarra transformou-se em outra coisa (…) No dia seguinte, trabalhamos na nossa nova música de uma só tacada: concluímos a estrutura, acrescentamos um solo de guitarra e, assim, ela se tornou “Sweet Child O’ Mine”.


“You’re Crazy”

Escrita por Izzy, Slash e Axl originalmente em formato acústico – e sem palavrões –, a antepenúltima faixa de “Appetite for Destruction” ganhou roupagem elétrica por sugestão/pressão do produtor Mike Clink, também responsável por limar duas baladas — “Don’t Cry” e “November Rain” — da tracklist final do disco. A versão acústica veria a luz do dia posteriormente no EP “GN’R Lies” (1988).

A letra, embora não tenha sido inspirada num episódio isolado, retrata algo que se tornou corriqueiro no dia a dia da banda: ter de lidar com a obsessão de algumas groupies longe de estarem em plena posse de suas faculdades mentais.

Em 1988, Slash admitiu à Hit Parader que sequer sabia o que estava tocando quando “You’re Crazy” aparecia nos repertórios dos shows. “Sempre tento me concentrar na música e me manter meio parado, exceto naquela música. Sequer toco o solo dela igual todas as noites porque o sentimento muda em cada noite”, diz.

Enquanto o guitarrista parece curtir bastante a versão mais acelerada da canção, Steven Adler já disse gostar mais do conceito original, em pegada acústica. “No programa de TV ‘Fox Late Night Show’, em 1988, a tocamos do jeito que sempre deveria ter sido tocada: mais lenta, mais bluesy, com mais sentimento e não a versão insana e acelerada de ‘Appetite’”, afirma em sua autobiografia.


“Anything Goes”

Antes de o Guns N’ Roses tomar forma, Axl Rose e Izzy Stradlin faziam parte do Hollywood Rose. O grupo gozou de certo prestígio local e gravou meia dúzia de demos antes de jogar a toalha em meados dos anos 1980.

Essas demos, lançadas em 2004 no CD “The Roots of Guns N’ Roses”, incluíam as versões originais de “Reckless Life” (lançada posteriormente no EP “Live ?!*@ Like a Suicide”, de 1986) e “Anything Goes” (à época intitulada “My Way, Your Way”), que se tornaria a penúltima música de “Appetite for Destruction”.

A letra não poderia ser mais direta ao ponto: a descrição de uma relação sexual com inclinações fetichistas. Segundo Chris Weber, guitarrista do Hollywood Rose, ele e Izzy estavam “viciados em ‘Rock in a Hard Place’, do Aerosmith, quando escrevemos a música”.

Curiosamente, é a faixa de “Appetite” menos tocada ao vivo. De acordo com o Setlist.fm, foram apenas 37 execuções ao longo dos anos – a última em agosto de 1988, durante show em Cincinnati, Ohio.


“Rocket Queen”

Ela está nos agradecimentos de “Appetite for Destruction”: Barbi (Rocket Queen) Von Greif. Embora tivesse apenas 18 anos na época, Von Greif era uma amiga dos caras do Guns e, não obstante Axl ter sido apaixonado por ela, ostentava o título de “rainha da cena underground”.

Rocket Queen era o nome da banda da qual era vocalista. Viciada em drogas, por fim, tornou-se cafetina.

Slash: “Rocket Queen” foi inspirado num riff que criei logo que conheci Duff. Foi um dos arranjos mais complicados do que se tornou nosso álbum, sobretudo porque tivemos de integrar o riff ao refrão mais melódico de Axl (…) Quando a mixamos, Axl achou que ela precisava de algo mais; algum outro elemento para elevar o drama. Assim, sugeriu que Adrianna Smith (nota do editor: uma stripper que namorava Steven Adler à época), que estava com a gente no estúdio naquele dia, transasse com ele na sala de captação para podermos gravar os gemidos dela e colocarmos no solo. Tínhamos enchido a cara de Jack Daniel’s o dia inteiro e, portanto, aquilo pareceu a coisa mais natural do mundo. Fui totalmente a favor; sabia muito bem do que ela era capaz em termos vocais — Adrianna me mantivera acordado nas três noites anteriores. Assim, acendemos algumas velas para criar um clima e, então, ela e Axl foram para a sala de captação, deitaram no chão junto à bateria, e nós gravamos o desempenho de Adrianna em todos os seus sinceros gemidos e grunhidos (…) Não pude pensar numa música melhor para fechar o álbum, nem numa fatia mais reveladora das nossas vidas na época para dar aos nossos fãs.

Steven Adler: Aquela era apenas uma antiga namorada, uma stripper (risos). Tínhamos umas oito ou nove strippers que faziam parte do nosso pequeno clã. Apenas aconteceu de ela ser uma das que eu estava ficando na época. Não me importei de Axl f*der com ela. Claro que não. Ele estava fazendo isso pela banda. F*da-se. As músicas traziam tudo o que vivíamos. Eram parte de nossas vidas. Éramos apenas nós cinco, nossos amigos malucos e nossas experiências insanas. Você está vivendo nas ruas, você não tem nada… graças a Deus, tínhamos as strippers! Porque as strippers ganham muito dinheiro. Se você tem sete ou oito delas ao seu lado, é muita grana. Elas queriam tomar conta de nós, roqueiros.


Ouça “Appetite for Destruction”, álbum do Guns N’ Roses, a seguir, via Spotify.

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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