Como o Foo Fighters gravou “Wasting Light” todo analógico, direto na fita

Álbum foi um divisor de águas na carreira da banda de Dave Grohl - muito disso devido ao método de gravação

Lançado em 12 de abril de 2011, “Wasting Light” foi um divisor de águas na carreira do Foo Fighters. Não é incomum ver este álbum sendo citado como o melhor da carreira da banda.

O próprio baterista Taylor Hawkins reconhece isso. Em entrevista, o músico declarou:

“O melhor é ‘Wasting Light’, meu favorito, do início ao fim, entre todos que fiz com a banda. Comecei a gravar com eles em ‘There Is Nothing Left to Lose’ (1999), estreia de Taylor na banda) e amei cada disco, mas há algo diferente nesse. É um álbum tão baseado na performance dos músicos. É super visceral, todo analógico. Gosto muito disso. Se dependesse de mim, estaríamos fazendo a turnê de ‘Wasting Light’ de novo.”

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Há um ponto importante citado por Hawkins nessa ocasião: “Wasting Light” foi totalmente gravado de forma analógica, como nos velhos tempos. Sem computador, sem recursos digitais, nada: apenas o método old school de se captar os sons na fita.

A nostalgia nesse trabalho também se apresenta por duas presenças nos bastidores. A primeira é a do baixista Krist Novoselic, antigo companheiro de Dave Grohl no Nirvana. O músico participou da emotiva música “I Should Have Known”.

A segunda, ainda mais importante, é a do produtor Butch Vig, que conduziu as gravações de “Nevermind” (1991), segundo álbum do Nirvana. Foi este, inclusive, o primeiro disco da banda a ser feito com o então baterista Dave Grohl – que, hoje, é o vocalista, guitarrista e líder do Foo Fighters.

Como nos velhos tempos

A ideia de resgatar em “Wasting Light” o antigo jeito como os discos eram gravados, antes do advento das ferramentas digitais, veio do próprio Dave Grohl. O frontman do Foo Fighters queria retomar a atmosfera e o som de outros tempos na produção, então o trabalho foi desenvolvido não só com métodos antigos, mas em um local bem típico de banda iniciante: a própria garagem do músico.

Em entrevista ao Sound of Sound, Butch Vig e Dave Grohl relembraram como “Wasting Light” foi concebido. O produtor revelou que, de início, estava um tanto cético com relação à viabilidade do projeto. No fim das contas, acabou cedendo à ideia do amigo.

“Eu pensei: ‘bem, Dave provavelmente tem uma ótima garagem.’ Então nós descemos até sua casa e abrimos a porta. Era apenas uma m*rda de sala retangular, com cerca de 5,5m por 6m, algo assim. Parede dura, seca. Soava como um lixo de garagem. Mas colocamos um kit de bateria e quatro microfones. Dave começou a tocar, e soava bem. Bastante intenso, porque a sala era pequena e a pressão sonora era super esmagadora.”

Como se o pequeno local e as ferramentas analógicas de gravação não trouxesse dificuldades o bastante, Grohl ainda avisou a Vig que os computadores não poderiam ser usados nem mesmo para editar os registros. Isso fez com que o veterano produtor retomasse algumas habilidades que haviam sido aposentadas, como a edição das fitas através de, literalmente, cortes.

Dave relembra:

“Butch disse que se tivéssemos algum problema, podemos jogar no ProTools (software de gravação). Eu disse: ‘Não, não, não, cara. Sem computadores. Nenhum computador. Nada’. Pessoalmente, sempre preferi usar fitas, porque eu gosto do som da performance humana. Não gosto de atitudes mecânicas, perfeccionistas, para fazer música. Ele disse: ‘sabe, vou ter que pegar minha lâmina de barbear para editar’. E eu falei: ‘já vi você fazer isso antes, eu sei que pode fazer’.”

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Definido o modo como “Wasting Light” seria feito, Grohl e Vig convocaram o engenheiro de som James R. Brown para a garagem. Ali, eles começaram a montar um estúdio analógico com o pouco espaço disponível e equipamentos trazidos do 606 Studios, o estúdio da banda em Los Angeles (sim, eles têm um estúdio próprio, mas preferiram gravar em uma garagem).

Apesar do tamanho do local, eles conseguiram otimizar o espaço da melhor maneira possível, com direito a uma sala de controle no andar de cima e até uma cabine isolada para gravar vocais e alguns amplificadores.

Etapas

Com tudo montado, o Foo Fighters e Butch Vig definiram o cronograma de gravações. Eles optaram por trabalhar em uma música por semana, começando sempre pela bateria na segunda-feira e terminando com uma mixagem básica na sexta-feira a noite.

O produtor afirma que essa agenda de trabalho foi essencial para o resultado final, já que permitiu que todos focassem em uma só faixa por vez, com dedicação exclusiva a cada uma delas:

“A gente se fixou nisso e foi bom, porque cada música meio que teve sua própria vida. Como estávamos focados em uma música por semana, isso era basicamente tudo o que fazíamos. De certa forma, você tinha uma sensação de completude.”

Butch Vig admite que estava apreensivo no começo dos trabalhos. O maior desafio era a edição, feita com cortes de navalha direto na fita, o que impede que correções sejam feitas em alguns momentos. Ou seja: os caras precisariam tocar cada instrumento perfeitamente. Sem erros!

A qualidade das fitas de gravação também foi um obstáculo que teve que ser superado. Ainda assim, tudo andou da melhor forma possível – pelo menos até a mixagem, função assumida por Alan Moulder. Ele iria executar o trabalho no Chalice Studios, em Hollywood, mas não deu certo, mesmo com a boa qualidade das fitas brutas.

Para a felicidade de Dave Grohl, Moulder precisou ir até a garagem dele para mixar tudo de forma analógica. Butch Vig classificou essa etapa como uma verdadeira “força-tarefa”.

“Existem vários engenheiros de mixagem que eu conheço que não iriam querer fazer isso, que não iriam querer mixar manualmente em uma sala sem tratamento acústico. Mas ele fez isso. Em alguns pontos, Alan, James (Brown, engenheiro), Dave e eu ficávamos espremidos no console porque precisávamos de oito mãos na mesa para fazer uma mix. Cada mixagem virou uma performance.”

Resultado e frutos

O esforço em colocar em prática a ideia ambiciosa de Dave Grohl foi recompensado. “Wasting Light” é considerado, de forma quase unânime, o melhor trabalho da carreira do Foo Fighters. E a sonoridade analógica desempenhou grande função nisso.

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Como apontado anteriormente, os músicos precisavam estar afiadíssimos para tocar seus instrumentos. Não dava para corrigir nada e se algo passasse errado, teria de ser refeito. Não à toa, durante a pré-produção, eles passaram três semanas ensaiando todas as canções para que tudo ficasse perfeitinho.

Além disso, o método analógico deu uma nova vida ao som do Foo Fighters, que vinha de álbuns com sonoridades mais leves. “Wasting Light” é um disco legítimo de rock, do início ao fim.

Músicas como “Bridge Burning”, “Rope”, “Dear Rosemary” (com participação de Bob Mould) e “Arlandria” mostravam um dos grandes êxitos da gravação analógica: o som de guitarra. Os três guitarristas – Grohl, Chris Shiflett e Pat Smear, que acabava de voltar à banda – criaram camadas incríveis e muito bem entrelaçadas do instrumento.

Os ensaios prévios também serviram para desenvolver bem a cozinha do discreto baixista Nate Mendel e do “aparecido” Taylor Hawkins – este último trouxe, aqui, algumas das melhores performances de sua carreira.

Até mesmo as baladas de “Wasting Light” ganharam um tom mais visceral devido ao método de gravação. “Walk” e “These Days”, os grandes hits do disco, soam como clássicos do rock do início dos anos 1990 – justamente por terem guitarras na linha de frente.

Por tudo isso, o Foo Fighters colheu frutos desse álbum. “Wasting Light” estreou em primeiro lugar nas paradas de 13 países, incluindo Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Conquistou algo raro para uma banda de rock nesses tempos: disco de platina em território americano, além de ouros e platinas pelo mundo afora.

No que diz respeito a premiações, o trabalho foi indicado a 5 categorias do Grammy, vencendo como Melhor Álbum de Rock. O single “White Limo” venceu a categoria Melhor Performance de Rock/Metal, enquanto “Walk” foi a vencedora como Melhor Performance de Rock e Melhor Música de Rock.

Após “Wasting Light”, o Foo Fighters partiu para projetos mais ambiciosos. O seguinte “Sonic Highways” (2014) buscou homenagear a cena musical de oito cidades americanas, sendo lançado junto de um documentário. “Concrete and Gold” (2017), por sua vez, tem uma sonoridade mais experimental e, em alguns momentos, quase pop. O mais recente, “Medicine at Midnight” (2021), tem forte influência da disco music e é descrito como um trabalho dançante.

Todos esses álbuns têm seu charme. Mas nenhum chega ao nível de “Wasting Light”.

* Texto desenvolvido em parceria por Igor Miranda e André Luiz Fernandes. Pauta, edição geral e conteúdo do último tópico por Igor Miranda; redação geral e apuração aprofundada, especialmente dos tópicos de estúdio, por André Luiz Fernandes.

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André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes é jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Interessado em música desde a infância, teve um blog sobre discos de hard rock/metal antes da graduação e é considerado o melhor baixista do prédio onde mora. Tem passagens por Ei Nerd e Estadão.

2 COMENTÁRIOS

  1. grandíssimo disco, em minha opinião o melhor dessa banda, na verdade o album que me fez realmente atentar e mergulhar na obra deles, adquirindo meu respeito e atenção de forma mais profunda

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