Tesseract retorna triunfante ao Brasil e empolga público por dois dias em SP

Apesar de engessados, shows de uma das principais bandas do prog-metal contemporâneo um ano após estreia no país atraíram plateia fanática

A fila enorme para o merchandising foi a primeira indicação de que, se não teríamos casa cheia no Carioca Club para a primeira noite do rápido retorno do Tesseract ao Brasil, no último sábado (14), pelo menos o público seria composto por fanáticos pela banda.

De fato, a casa na região de Pinheiros na zona oeste paulistana nem chegou a abrir seu corredor lateral, com os presentes espalhados confortavelmente por cerca de dois terços de sua pista. E, ao longo da primeira apresentação, o público fanático cantou quase todas as músicas junto com o vocalista Dan Tompkins.

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Foto: Gabriel Ramos @gabrieluizramos

No dia seguinte, na Fabrique, ainda na zona oeste, em uma região mais central da mesma cidade, não houve um cenário de maior lotação numa casa que comporta menos da metade do público (o local de domingo recebe até 467 pessoas, enquanto o Carioca tem capacidade para 1,2 mil). Os fãs, porém, estavam ainda mais empolgados para uma apresentação prometida como mais intimista, mas com pouca diferença em relação à do sábado (14).

Foto: Gabriel Ramos @gabrieluizramos

Se não um sucesso estrondoso de público, o Tesseract se firmou com uma das mais sólidas bandas da geração mais recente das vertentes mais progressivas da música pesada com audiência cativa no Brasil.

*Todas as fotos são apenas de sábado (14).

Foto: Gabriel Ramos @gabrieluizramos

Bandas de abertura diferentes, mas nem tanto

Cada noite teve uma banda de abertura se apresentando por meia hora. Curiosamente, tanto o There’s no Face, que tocou sábado no Carioca Club, quanto o Sea Smile, iniciando os trabalhos do domingo na Fabrique, subiram ao palco minutos antes do horário combinado das 19h. Ansiedade define?

Quarteto de Jacareí, distante cerca de 100km da capital paulista, o There’s no Face não nega a influência de artistas consagrados do metalcore como The Devil Wears Prada e August Burns Red desde o seu próprio nome como uma frase. Quando subiu ao palco do Carioca Club, o público ainda mal chegava na metade da pista.

Foto: Gabriel Ramos @gabrieluizramos

O contraste dos vocais estridentes de um empolgado Rafael Morales com linhas mais melodiosas cantadas por Thiago Silva, também baixista, funcionou principalmente devido aos versos mais emotivos bem encaixados em português.  O instrumental, completado por Rodrigo Kusayama na bateria Matheus Silvério na guitarra, por vezes transitava em polirritmos, alternando-se com riffs e velocidades típicas de death metal, em uma abordagem que privilegiava a melodia, principalmente nos refrãos.

Por mais que Morales pedisse uma participação maior do público, fosse com rodas ou ao menos para “sair do chão”, a resposta era de contemplação curiosa. A exceção foi quando pediu para acenderem as luzes dos celulares em “Motivo”, última do show.

Foto: Gabriel Ramos @gabrieluizramos

No dia seguinte, o Sea Smile, banda da capital paulista, obteve uma reação um pouco mais entusiasmada de um público também mais receptivo. Dinho Simitan, que cantou de forma mais suja e menos gritada em relação ao vocalista da noite anterior, ainda se portou mais sereno ao se relacionar com a plateia bem espalhada pela pista na Fabrique.

Tendendo mais ao hardcore do que ao death metal da noite anterior em sua mistura com riffs metálicos, o quarteto paulistano também alternava os vocais agressivos com outros melódicos, dessa vez feitos pelo guitarrista Henrique Baptista, de novo em português.

O som do grupo apresentou um foco maior em grooves sólidos da seção rítmica formada pelo baixista Raul Guerreiro e Guilherme Souza Alves, escanteado em sua bateria ao lado do palco já preenchido pelo kit da atração principal. Ainda assim, a banda fazia uso de bases pré-gravadas de guitarra e até alguns vocais de apoio, como em “Aura”, música final de sua apresentação, acompanhada por palmas do público.

Se nenhuma das duas bandas caiu ao gosto pleno dos fãs de tendência mais progressiva da atração principal, também não deixaram má impressão e tiveram reações respeitosas à tradicional foto no palco ao fim de seus respectivos shows.

Tesseract, dia 1: o “show normal” da turnê

Quando o Tesseract estreou no Brasil em março do ano passado, em apresentações em São Paulo e Curitiba, nem dava para dizer que o grupo ainda divulgava o disco “Sonder”, lançado em 2018.

Foto: Gabriel Ramos @gabrieluizramos

A turnê pela América Latina montada em torno de uma apresentação no evento chileno CLProg, no entanto, já continha uma música nova: “Natural Disaster”, que vinha sendo executada ao vivo desde um giro por festivais europeus no verão de 2022.

Um ano depois, a mesma música abriu a primeira apresentação em São Paulo, praxe ao longo da atual turnê de divulgação de “War of Being”, lançado em setembro de 2023.

O quinto álbum de estúdio do Tesseract já é aclamado por boa parte da mídia especializada como seu melhor trabalho. A reação efusiva às suas cinco faixas executadas nos dois shows brasileiros um ano depois mostrou que o público acompanhou tal empolgação.

Foto: Gabriel Ramos @gabrieluizramos

Apesar da ideia despertada pelo rótulo “prog-metal”, o quinteto inglês de Milton Keynes, região tradicional de mega-shows um pouco ao norte de Londres, não prima pelo exibicionismo técnico. Não à toa, a iluminação do show mantém os músicos na penumbra a maior parte dos oitenta minutos em que ficaram sobre o palco.

A técnica tradicional do estilo se concentra mais nos ritmos intrincados em tempos incomuns aliados à construção minuciosa de texturas com o uso de duas guitarras e vários efeitos.

Foto: Gabriel Ramos @gabrieluizramos

A reprodução minimalista dos arranjos utiliza muito bases pré-gravadas e, aliada à precisão na sua execução ao vivo, deixou um pouco engessada a apresentação. Os músicos poucas vezes saíram de suas respectivas posições no palco, ainda que houvesse uma pequena plataforma central no seu limite à frente. A base era utilizada quase exclusivamente por Dan Tompkins e pelo baixista Amos Williams.

Não que tenha sido um problema para quem esteve no Carioca Club. “Natural Disaster” já trouxe o público cantando junto partes das músicas e o início de “Echoes”, outra faixa do disco novo tocada na sequência inicial, pôs os fãs para pular junto à batida inicial.

Foto: Gabriel Ramos @gabrieluizramos

Tompkins canta sozinho com extrema competência tanto as partes melódicas quanto as mais agressivas, às vezes auxiliado por alguns efeitos nos gritos. Ele despertava reações mais efusivas do público quando reproduzia os tons melódicos mais agudos, como “Of Mind – Nocturne”, única faixa da executada do disco “Altered State” (2013).

O segundo álbum do Tesseract é também o único cantado por outro vocalista, Ashe O’Hara, numa época quando o grupo britânico aparecia mais nos sites especializados pela porta giratória de cantores que se tornara antes de Tompkins retornar definitivamente ao posto em 2014.

Do primeiro trabalho lançado após sua volta, “Polaris” (2015), veio a balada “Tourniquet”, executada na sequência. Terminada sua parte final, com o ritmo ditado pelo baixo de Williams em cima da plataforma no palco, pela primeira vez o vocalista se dirigiu ao público para uma saudação básica.

A comunicação com o público na noite de sábado no Carioca não foi das mais efusivas. Seu auge foi atingido com o uso de uma lanterninha por Tompkins para incentivar as pessoas a fazerem o mesmo com seus celulares em “King”, primeira das quatro músicas do disco anterior, “Sonder”.

Foto: Gabriel Ramos @gabrieluizramos

Ainda assim, o grupo claramente se mostrava satisfeito no palco com a reação empolgada da plateia de fanáticos ao longo de toda a apresentação, fosse cantando junto músicas como a curta “The Arrow”, outra de “Sonder”, ou o início da longa faixa-título do trabalho mais recente, “War of Being”.

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A parte convencional da apresentação se encerrou com o público cantando efusivamente e por vezes se sobrepondo à voz de Tompkins para os principais singles dos dois trabalhos mais recentes: “Legion”, do último disco, e “Juno”, do seu antecessor.

A curta espera pelo bis foi dominada pelo público gritando sincronizado o nome da banda. Quando começou a introdução pré-gravada de “Deception”, a segunda parte de “Concealing Fate”, a ansiedade era latente — e foi liberada assim que Tompkins a dedicou aos fãs da “velha escola” e o baterista Jay Postones disparou o pedal duplo com as pessoas cantando sozinhas os versos iniciais da música.

E assim ocorreu também na primeira parte de “Concealing Fate”. “Acceptance” encerrou o show no Carioca Club quando Tompkins anunciou a pesada faixa com o uso de efeitos distorcendo sua voz. Os versos da primeira estrofe serviram para pedir ao público que levantasse as mãos, seguidos por uma mistura de gente pulando e cabeças chacoalhando ao groove da canção de abertura do EP de mesmo nome, primeiro lançamento da banda, em 2010.

As luzes iluminando a pista se acenderam erroneamente um pouco antes de o Tesseract encerrar sua apresentação de uma hora e vinte minutos. O público pedia por mais uma música quando a banda deixou o palco do Carioca Club, mas teria que esperar até a noite seguinte para ser atendido.

Foto: Gabriel Ramos @gabrieluizramos

Tesseract dia 2: o “show intimista”

Fazer duas apresentações na mesma cidade não tem sido o costume das últimas turnês que passam pelo Brasil de bandas de porte similar ao do Tesseract. Caberia à promotora do show explicar a escolha por ter acontecido o show em outra cidade. Mas não é como se os fãs paulistanos tivessem reclamado pela chance de conferir os ingleses de novo e com a promessa de um repertório especial num show intimista.

Exceto por ser em uma casa com pouco mais de um terço da capacidade da noite anterior, não dá para dizer que o show do Tesseract no domingo teve uma atmosfera diversa em comparação com o sábado. Até mesmo na quantidade de pessoas, pois o Fabrique parecia mais próximo de encher em comparação ao Carioca Club, dando a impressão de não ter sido tão menos público assim.

Ok, o público de domingo parecia mais fanático, ou estava mais à vontade, ou talvez menos desgastado pelo calor paulistano após a queda brutal de temperatura na cidade de um dia para o outro. Quem sabe, ouvisse melhor o show, com a qualidade do som na Fabrique parecendo melhor equalizada em relação à da noite anterior.

De resto, exceto pela alternância de lados entre o guitarrista Acle Kahney, principal compositor da banda, e seu parceiro grandalhão no instrumento James Monteith, a principal diferença foi no repertório. Para começar o domingo, o Tesseract executou na íntegra seu EP de estreia, “Concealing Fate”, lançado em 2010 — e posteriormente reincluído no primeiro disco “cheio”, “One”, de 2011.

Começar o show com uma pegada mais metálica, seja no groove de metal moderno da primeira parte, ou em seu riff mais cavalgado, já despertou reações mais efusivas do público, que pulava e cantava alto junto como no sábado. Logo foram abertas as primeiras rodas pela pista — e assim se repetiria ao longo da hora e meia de show no domingo.

No palco, Tompkins estava mais falante em relação ao dia anterior, talvez convencido por dar um tom mais intimista ao show de domingo. Revelou ser aquele o último show do Tesseract neste ano e queria voltar para a casa com a imagem do público empolgado.

Quando toda a suíte “Concealing Fate” terminou de ser executada do início ao fim na primeira meia hora da apresentação, o público já reagiu gritando o nome da banda, talvez receoso de um repertório mais curto. O que se viu a partir de então foi quase um repeteco do show de sábado.

Inclusive, quase na mesma sequência. Ainda assim, Kahney, responsável por disparar as bases pré-gravadas em seu computador ao lado do palco, sofreu um pouco mais com problemas técnicos, talvez por ter mudado um pouco a ordem do repertório.

A gritaria mais empolgada do domingo deixou Tompkins mais à vontade para se comunicar com o público, como quando os elogiou dizendo serem os melhores cantores ao final de “Natural Disaster”. Ou ao confessar que a balada “Tourniquet” é sua canção favorita do Tesseract. Enquanto isso, os demais músicos executavam suas partes compenetrados da mesma forma em relação ao sábado.

Todavia, exceto pelas partes não executadas de “Concealing Fate” no dia anterior, o público do domingo viu reproduzidas as mesmas cinco músicas do disco mais recente. Diferente, apenas que as duas faixas de aproximadamente dez minutos, “Sacrifice” e “War of Being”, vieram na sequência. Sem qualquer sinal de cansaço na plateia, que recebeu a presença do empolgado Tompkins cantando parte final da faixa-título do último álbum no meio da galera, a banda deixou o palco.

Gritos de “eu não vou embora”, em português mesmo, no ritmo de estádio de futebol, dominaram a espera de pouco mais de três minutos até o retorno dos músicos ao palco. Para encerrar a segunda apresentação, vieram “Legion” e “Juno”, que tinham recebido as maiores cantorias do público ao serem as últimas tocadas no sábado antes do bis. Não foi muito diferente no domingo, salvo por ser difícil mensurar se a reação foi mais intensa em relação à do resto da noite.

A julgar pela escassa quantidade de camisetas na esvaziada banquinha de merchandising ao final da apresentação de domingo, não há motivos para acreditar que o Brasil não siga na rota habitual das próximas turnês do Tesseract.

Tesseract — ao vivo em São Paulo

  • Local: Carioca Club (14/09) e Fabrique (15/09)
  • Datas: 14 e 15 de setembro de 2024
  • Turnê: War of Being World Tour
  • Produção: Liberation MC

Repertório — Carioca Club, 14/09:

  1. Natural Disaster
  2. Echoes
  3. Of Mind – Nocturne
  4. Tourniquet
  5. Sacrifice
  6. King
  7. Smile
  8. The Arrow
  9. War of Being
  10. Legion
  11. Juno

Bis:

  1. Concealing Fate, Part 2: Deception
  2. Concealing Fate, Part 1: Acceptance

Repertório — Fabrique, 15/09:

  1. Concealing Fate, Part 1: Acceptance
  2. Concealing Fate, Part 2: Deception
  3. Concealing Fate, Part 3: The Impossible
  4. Concealing Fate, Part 4: Perfection
  5. Concealing Fate, Part 5: Epiphany
  6. Concealing Fate, Part 6: Origin
  7. Natural Disaster
  8. Echoes
  9. Of Mind – Nocturne
  10. Tourniquet
  11. Sacrifice
  12. War of Being

Bis:

  1. Legion
  2. Juno
Foto: Gabriel Ramos @gabrieluizramos

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Thiago Zuma
Thiago Zuma
Formado em Direito na PUC-SP e Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, Thiago Zuma, 43, abandonou a vida de profissional liberal e a faculdade de História na USP para entrar no serviço público, mas nunca largou o heavy metal desde 1991, viajando o mundo para ver suas bandas favoritas, novas ou velhas, e ocasionalmente colaborando com sites de música.

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