O incêndio em show que inspirou “Smoke on the Water”, do Deep Purple

Clássico do Deep Purple tem origem inusitada em evento que não terminou em tragédia, mas causou danos patrimoniais

“Smoke on the Water” é a mais famosa da carreira do Deep Purple e provavelmente tem o riff de guitarra mais célebre da história do rock. Sua letra aborda um incêndio real, ocorrido em um show de Frank Zappa, na Suíça, em 4 de dezembro de 1971.

Na época, o Purple começava a trabalhar no que seria o álbum Machine Head (1972), em Genebra. Utilizavam, inclusive, um estúdio móvel emprestado pelos Rolling Stones enquanto procurava um local para gravar.

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O ambiente em si havia sido definido poucos dias antes: o Cassino de Montreux, que já ficaria fechado ao público por alguns meses devido a reformas. O show de despedida do lugar aconteceu, como já citado, em 4 de dezembro daquele ano: Frank Zappa & The Mothers of Invention no Festival de Jazz de Montreux.

Estava tudo encaminhado para uma noite agradável às margens do Lago de Genebra. Mas terminou com “fumaça na água” por culpa de “algum estúpido com um sinalizador”, conforme narrado na letra de “Smoke on the Water”.

No “melhor lugar da região”

O show de Frank Zappa & The Mothers of Invention não havia começado bem. A bateria de Aynsley Dunbar tinha algum problema com os microfones, o que tornava o som ruim.

Parte considerável da plateia até havia deixado o local. Porém, a banda seguia adiante.

Don Preston começava seu solo de sintetizador na música “King Kong”, cerca de uma hora após o início da apresentação do grupo, quando um sinalizador foi disparado do público em direção ao palco. O teto de madeira logo acima foi atingido.

Inicialmente, a banda levou o susto na brincadeira. O backing vocal Howard Kaylan chegou a citar o cantor britânico Arthur Brown e seu hit: Fire!”.

Rapidamente, porém, as chamas começaram a se espalhar e o público passou a buscar por saídas do local, embora a retirada tenha sido relativamente organizada. Com a ajuda de bombeiros e de Claude Nobbs, organizador do Montreux Jazz Festival (citado pelo Purple como “Funky Claude” na letra), janelas foram quebradas.

Todos conseguiram sair sem ferimentos sérios, algo que o próprio Zappa comemorou em entrevista dada na época.

“Eles foram muito organizados. Tive sorte de que muitos (fãs) falavam inglês, porque eu não sabia o que dizer a eles em francês.”

Apesar de todo mundo ter fugido bem do incêndio, o dano em termos de patrimônio foi grande. Todo o equipamento de Frank Zappa & The Mothers of Invention acabou destruído, bem como o Cassino de Montreux, que ardeu em chamas por um bom tempo em uma cena assustadora.

Na época do incêndio, Zappa e sua banda continuaram a turnê com equipamento alugado. No próximo show, seis dias depois, na Inglaterra, um azar maior ainda: o músico foi empurrado do palco por um fã e acabou sofrendo vários ferimentos, passando vários meses em recuperação, em uma cadeira de rodas.

Deep Purple viu tudo de hotel

Num hotel, à beira do lago, os músicos do Deep Purple assistiam enquanto o imenso prédio queimava, num espetáculo de “smoke on the water”. Foi assim que nasceu a inspiração para a música.

O acidente no cassino acabou atrasando a produção de “Machine Head”, com o Purple tendo que seguir para um novo local de trabalho: o Grand Hôtel de Territet. Eles se beneficiaram da situação de certa forma, já que deu para finalizar a nova composição com calma.

Aqui, os próprios integrantes contam:

IAN GILLAN (vocalista): “Terminamos a noite num bar-restaurante a cerca de 400 metros do Casino, e estava um calor de matar. O vento descia das montanhas e levava a fumaça e as chamas por sobre o lago, e a fumaça pendia feito uma cortina sobre o lago”.

RITCHIE BLACKMORE (guitarrista): “‘Smoke on the Water’ foi gravada em um grande auditório na Suíça usando a unidade móvel dos Rolling Stones. Escolhemos um auditório porque queríamos um som grande e ecoante para a base. Até que a polícia começou a bater na porta. Sabíamos que era a polícia, e sabíamos que eles iam dizer ‘Parem de gravar!’ porque tinham recebido queixas dos vizinhos sobre o barulho que estávamos fazendo. Não abrimos a porta. Perguntamos ao Martin ‘Valeu essa tomada?’ e ele disse ‘Não sei, preciso ouvi-la por completo para saber se valeu’. A polícia, que a essa altura já tinha até viaturas do lado de fora, continuava batendo na porta. Nós não iríamos abrir até que soubéssemos que tínhamos feito a tomada certa. Finalmente Martin deu o sinal verde: ‘Sem erros, pessoal. Valeu’. Depois que abrimos a porta, a polícia nos expulsou: ‘Vocês têm que parar, têm que ir para outro lugar’”.

ROGER GLOVER (baixista): “Foi provavelmente o maior incêndio que eu já vi até aquele momento e provavelmente já vi na minha vida. Era um prédio enorme. Lembro-me de que não havia muito pânico saindo, porque não parecia muito fogo no início. Mas quando pegou fogo, explodiu como uma exibição de fogos de artifício.”

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JON LORD (tecladista): “É difícil escrever um hard rock convincente em um piano. Eu desafio qualquer um a criar um riff como o de ‘Smoke On The Water’ em um piano de cauda. Em razão disso, Ritchie [Blackmore] é inestimável, sempre foi e sempre será. Ele é a faísca que acende o Deep Purple. Não posso competir com ele nesse quesito”.

RITCHIE BLACKMORE: “Simplicidade é a palavra. E é uma música simples – você pode ouvir as pessoas tocando nas lojas de instrumentos musicais. Nunca tive coragem de escrever algo tão simples até ouvir ‘I Can’t Explain’ e “My Generation’ [do The Who]. Esses riffs eram tão diretos que pensei comigo mesmo: ‘Certo, se Pete Townshend [guitarrista do The Who] pode se dar bem com tão pouco, então eu também posso!’”.

IAN GILLAN: “O lance sobre ‘Smoke on the Water’ é que não sei quantas milhares de vezes eu a cantei, mas nunca pensei ‘Oh não, de novo não’. Todas as vezes foi fantástico. É uma música simples, tem uma estrutura simples, tem uma letra narrativa, conta uma história, e acho que isso faz com que ‘Smoke On The Water’ tenha seu próprio espírito, sua vida própria. Não consigo me imaginar fazendo um show sem cantá-la”.

“Smoke on the Water” se tornou um clássico por diversos fatores. O riff envolvente, os solos de se tirar o fôlego, o instrumental bem bolado como um todo e a voz sempre poderosa de Ian Gillan dando uma aula de storytelling… tudo ali faz a diferença.

Não à toa, a faixa foi divulgada como single e chegou ao quarto lugar das paradas dos Estados Unidos, além de atingiu resultados expressivos em outros países, como Reino Unido, Canadá, Áustria e África do Sul. Tudo isso acelerou as vendas de “Machine Head” e colocou o Purple em outro patamar.

Frank Zappa e “Smoke on the Water”

Em entrevista para a revista Madhouse, em 1988, Frank Zappa relembrou o ocorrido e brincou com a popularidade de “Smoke on the Water”. Ele declarou:

“Aquilo foi selvagem. Era você correndo, gritando e empurrando senhoras e crianças pequenas no chão para escapar? Foi uma cena ruim, mas pelo menos o Deep Purple conseguiu um hit do problema. Aqueles filhos da p**a me devem algum dinheiro.”

Provavelmente ironizando fala de Zappa, o guitarrista Ritchie Blackmore disse em várias oportunidades que o riff da música foi inspirado em um movimento da 5ª Sinfonia de Beethoven – e que ele deve uma grana ao compositor.

Em uma ironia típica de sua trajetória, Frank Zappa morreu em um 4 de dezembro, mas no ano de 1993, exatos 22 anos depois do incêndio no Cassino de Montreux. O Deep Purple segue na ativa, contando a história em todos os seus shows.

A letra de “Smoke on the Water”, do Deep Purple

Confira, a seguir, a letra completa de “Smoke on the Water” traduzida para o português (via Letras.mus.br):

“Fomos todos para Montreux
Às margens do lago Genebra
Para gravarmos um disco com um estúdio móvel
Não tínhamos muito tempo

Frank Zappa e o The Mothers
Estavam no melhor lugar por lá
Mas algum idiota com um sinalizador
Reduziu o lugar a cinzas

Fumaça sobre a água, fogo no céu
Fumaça sobre a água

Eles incendiaram o cassino
A casa ruiu com um som terrível
Funky & Claude estava correndo pra todo lado
Tirando as crianças do local

Quando tudo terminou
Tivemos que procurar outro lugar
Mas o tempo estava se esgotando
Parecia que perderíamos a corrida

Fumaça sobre a água, fogo no céu
Fumaça sobre a água

Terminamos no Grand Hotel
Estava vazio, frio e desocupado
Mas com o caminhão de gravação dos Rolling Stones
Nós fazíamos a nossa música

Com algumas luzes vermelhas e algumas camas velhas
Botamos pra quebrar
Não importa o que ganharemos com isso
Eu sei, eu sei que nunca esqueceremos

Fumaça sobre a água, fogo no céu
Fumaça sobre a água”

* Texto por André Luiz Fernandes e Igor Miranda.

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Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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