O pioneirismo — e o legado complicado — da estreia do Led Zeppelin

Dois músicos de estúdio e dois moleques desconhecidos revolucionaram o rock com álbum que mescla blues, folk, peso e avant-garde

O Led Zeppelin não era para ter dado tão certo. Com todos os elementos que levaram à formação da banda, o fracasso parecia uma inevitabilidade. Daí o nome (“zepelim de chumbo”), escolhido a partir de uma piada feita por Keith Moon (The Who) sobre as chances de sucesso deles.

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Apesar disso tudo, o grupo formado por Jimmy Page, Robert Plant, John Paul Jones e John Bonham se tornou um dos mais bem-sucedidos da história do rock. Ajudaram a criar a identidade do heavy metal como conhecemos. Também foram responsáveis por alguns dos atos mais sem vergonha de roubo intelectual e apropriação cultural em toda música popular na segunda metade do século 20.

E tudo começou porque Page não queria ver sua grande chance passar antes da hora. Essa é a história do álbum de estreia homônimo do Led Zeppelin, lançado em 12 de janeiro de 1969.

Uma carreira nas sombras

Em 1966, Jimmy Page era um dos guitarristas mais bem-sucedidos do Reino Unido. O problema é que o público não tinha a menor ideia.

Um prodígio do instrumento, ele foi um dos rostos mirins da explosão skiffle no país. Apareceu aos 13 anos no programa de talentos “All Your Own”.

Passou a adolescência tocando com bandas de rock iniciantes pela Inglaterra. Aos 15, foi contratado pelo cantor Neil Christian para sua banda de apoio, The Crusaders. Page teve sua primeira experiência num estúdio de gravação nesse período, participando do single “The Road to Love” / “The Big Beat Drum”, produzido por um dos maiores pioneiros da sonoridade rock da Inglaterra, Joe Meek.

Infelizmente, o guitarrista desenvolveu um caso crônico de mononucleose que o impedia de fazer turnês. Por isso, ele deixou a banda e voltou à escola, como contou para Cameron Crowe numa entrevista para a Rolling Stone em 1975:

“Eu estava viajando o tempo inteiro num ônibus. Fiz isso por dois anos após sair da escola, a ponto de estar fazendo uma grana boa. Mas eu estava ficando doente. Então resolvi voltar para a escola de arte. E isso foi uma mudança completa de direção. Por mais dedicado que fosse a tocar guitarra, eu sabia que aquele ritmo estava me matando. A cada dois meses eu tinha mononucleose. Então pelos próximos 18 meses eu vivi com 10 dólares por semana, só recuperando minha força. Mas eu ainda estava tocando.”

Page não estava tocando no quarto sozinho, mas sim em algumas das casas noturnas mais badaladas da cena blues de Londres. Era comum vê-lo se apresentando com duas das bandas mais populares da cidade, Cyril Davies’ All-Stars e a Blues Incorporated, de Alexis Korner. Além disso, ele ficou amigo de outros companheiros das seis cordas: Eric Clapton e Jeff Beck.

Após um desses shows, o músico foi chamado por um integrante do grupo Brian Howard & the Silhouettes para ajudar em uma gravação. Seu trabalho na sessão chamou a atenção de Mike Leander, produtor da Decca Records, que começou a lhe dar trabalhos como guitarrista contratado. Logo, ele se tornou o nome preferido de Shel Talmy, responsável por alguns dos maiores artistas rock da gravadora.

Durante seu período como músico contratado, Jimmy Page apareceu em canções do The Who, The Kinks, Them e até num tema de filme da saga “007”. Ele tocou guitarra em “Goldfinger”, cantada por Shirley Bassey, em 1964.

Entretanto, essa vida começou a cansar, como ele falou à Rolling Stone em 1975:

“Certas sessões eram um prazer de fazer, mas o problema era que você nunca sabia o que iria fazer. Você deve ter ouvido que toquei numa gravação do Burt Bacharach. Verdade. Eu nunca sabia o que ia fazer. Eu era contratado por um estúdio específico entre 14h e 17h30. Às vezes era alguém que dava gosto de ver, outras era tipo: ‘o que estou fazendo aqui?’.

Quando comecei a fazer sessões, a guitarra estava na moda. Eu tocava solos todo dia. Depois, quando rolou o estilo Stax e começaram a chamar naipes de metais, eu acabava mal tocando algo, só um riff aqui e ali… nada de solos. Lembro de uma ocasião específica em que não tocava um solo havia alguns meses. E me pediram pra solar numa canção estilo rock’n’roll. Eu toquei e achei ter mandado super mal. Estava tão enojado comigo mesmo a ponto de decidir sair disso. Estava me destruindo.”

Saída em falso

Ao longo desses anos como músico de estúdio, Jimmy Page teve oportunidades de voltar à estrada. Ele foi oferecido a vaga de Eric Clapton nos Yardbirds múltiplas vezes, mas decidiu não aceitar por temer ficar doente na estrada de novo. Jeff Beck foi recomendado por ele e se tornou o mais novo salvador da guitarra elétrica.

Enquanto isso, em 1966, Page tentou formar um supergrupo contendo ele, Beck, John Entwistle e Keith Moon, os dois últimos do The Who. Entretanto, a ideia nunca saiu dos estágios iniciais por duas questões: não encontraram um vocalista decente e problemas contratuais oriundos do fato que os integrantes estavam assinados com gravadoras concorrentes.

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Felizmente, ele calhou de estar presente justamente no show do Yardbirds no qual o baixista Paul Samwell-Smith anunciou ao resto da banda sua saída. Page estava no camarim e ofereceu seus serviços na hora. Não era a guitarra, mas era uma saída do marasmo de ser músico contratado.

Não demorou muito, contudo, para que Page se tornasse guitarrista da banda junto de Jeff Beck. Isso seria o cenário ideal para qualquer um, especialmente quando essa formação do Yardbirds foi imortalizada numa participação no filme “Blow-Up”, do diretor italiano Michelangelo Antonioni.

Entretanto, o Yardbirds nessa configuração não durou muito tempo. Em novembro de 1966, as tensões causadas por uma rotina de shows incessante, bebedeira de integrantes e insatisfação relacionado ao perfil decadente da banda fizeram Jeff Beck deixar o grupo no meio de uma turnê americana.

Jimmy Page assumiu o posto de guitarrista principal, introduzindo vários elementos que seriam sua marca registrada mais pra frente. Fuzz, wah, tocar guitarra com arco de violino, uso de afinações alternativas. Mas nada disso chamava a atenção do público. Os singles do Yardbirds mal arranhavam as paradas de sucesso. Metade da banda queria seguir um caminho mais folk.

O fato disso acontecer enquanto Cream e Jimi Hendrix revolucionavam como o público rock compreendia a guitarra tornava a piada ainda mais cruel para Page. Após uma turnê americana em 1968, o vocalista Keith Relf e o baterista Jim McCarty deixaram o grupo. No anúncio oficial à Rolling Stone, Page dizia que faria trabalho solo.

O problema era que a banda ainda tinha uma turnê pela Escandinávia para cumprir.

The New Yardbirds

Jimmy Page e Chris Dreja viram essa turnê como uma oportunidade de ensaiar um novo supergrupo, mas esses planos caíram por terra rápido. Eles queriam nomes do calibre de Aynsley Dunbar (Jeff Beck Group) ou B.J. Wilson (Procol Harum) para a bateria, e Steve Marriott (Small Faces) ou Terry Reid. Todos recusaram.

A resposta coletiva era que os Yardbirds estavam fora de moda — e não queriam ser associados a algo démodé. Entretanto, de todas essas recusas, Reid ajudou a apontar um caminho para Page o recomendando um jovem vocalista desconhecido chamado Robert Plant.

O cantor vinha de West Bromwich, localizada na região central da Inglaterra, e fazia parte de uma cena blues até então ignorada pela imprensa e a indústria musical. Seu futuro como músico era tão incerto a ponto de estar trabalhando em pavimentação.

A oferta de Page pareceu como uma passagem para fora dessa vida. Então, Plant aproveitou e indicou um baterista amigo, John “Bonzo” Bonham.

Em entrevista à Classic Rock, Page falou sobre sua impressão inicial dos dois:

“Eu gostei do Robert. Ele obviamente tinha uma grande voz e muito entusiasmo. Mas eu não tinha certeza como ele seria no palco. A pessoa que eu tive certeza desde o começo foi o Bonzo.”

Mac Poole, um dos bateristas cogitados para a banda antes de Bonham, falou sobre o estilo particular do escolhido, para Mick Wall, no livro “Led Zeppelin: Quando os Gigantes Caminhavam Sobre a Terra”:

“John tinha aperfeiçoado seu próprio estilo muito antes do Led. Por isso, quando se juntaram, foi fácil. John sempre foi um baterista eficiente, disposto e determinado a se integrar com a banda. E não havia ninguém que o colocasse no fundo e lhe dissesse para ficar ali como um bom menino, porque ele não era uma pessoa desse tipo. Mesmo nos primeiros dias, ele estava determinado a ser ouvido!”

Mesmo assim, o controle musical do projeto era totalmente concentrado em Jimmy Page. É pouco dizer que seus os planos musicais eram ambiciosos. O guitarrista tinha um gosto onívoro, indo do blues, folk inglês até música clássica. Ele queria combinar tudo isso num pacote só, com guitarras pesadas e influências do avant-garde. Seu tempo como músico de estúdio lhe proporcionou um aprendizado em produção impossível para a maioria dos seus contemporâneos.

Se você não era um Beatle, estava fazendo turnês incessantes. Enquanto isso, Jimmy Page aprendeu sobre as sutilezas de capturar som de guitarra, posicionamento de microfones, como operar uma mesa e manipular fitas. Suas tentativas de incorporar esse conhecimento à música dos Yardbirds não deu certo porque o público só queria ouvir os sucessos. Mas agora, com uma formação nova, ele teria a chance de operar a partir de uma folha em branco.

Enquanto tudo isso ocorria, Chris Dreja deixou o grupo, pois queria se dedicar à fotografia. Seu substituto apareceu rápido. John Paul Jones era para o baixo o que Jimmy Page era para a guitarra no mundo de músicos de estúdio em Londres. E estava passando pela mesma crise existencial com relação à carreira quando sua esposa lhe mostrou um anúncio procurando um novo baixista para o New Yardbirds.

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Ele contou a Mick Wall no livro “Led Zeppelin: Quando os Gigantes Caminhavam Sobre a Terra”:

“Eu estava de saco cheio de tocar em estúdios e minha mulher disse: ‘liga para ele’. Eu disse que não achava muito bom, mas ela repetiu: ‘liga para ele!’. Então liguei e disse: ‘soube que você precisa de um baixista’. Ele disse: ‘Sim, e estou indo me encontrar comum cantor que conhece um baterista’ — eram Robert e John —, ‘eu te ligo quando voltar’.”

Na entrevista à Classic Rock, Page não poupou elogios ao companheiro:

“Eu não hesitei em chamar ele. Musicalmente, ele é o melhor de todos nós. Ele estudou de verdade e tem ideias brilhantes.”

O primeiro ensaio foi o suficiente para perceberem a mágica dessa formação. Page contou à Classic Rock:

“Foi inesquecível. Todo mundo pirou. Éramos quatro indivíduos, mas essa energia coletiva criou um quinto elemento. Foi isso. Tava lá imediatamente – um raio, um clarão de relâmpago – boom! Todo mundo ficou tipo: ‘uau’…”

Roubo intelectual

A turnê do New Yardbirds serviu como ensaio para o quarteto. Nesse período, eles aprimoraram o repertório do primeiro disco. E quando falamos sobre isso, precisamos discutir a atitude laissez-faire de Jimmy Page com relação à propriedade intelectual.

“Babe, I’m Gonna Leave You” foi composta por Anne Bredon nos anos 1950. Jimmy Page ouviu a música em uma versão de Joan Baez e a partir daí criou um arranjo que exemplifica o conceito do Led Zeppelin, casando folk inglês com guitarras pesadas. O problema é: a compositora original não foi creditada.

Ao contrário do ocorrido em álbuns subsequentes, “You Shook Me” e “I Can’t Quit You Baby” foram corretamente creditadas ao músico americano Willie Dixon. Porém, a primeira gerou treta mesmo assim. Jeff Beck gravou uma versão da música no disco de estreia do seu grupo, “Truth”, e depois alegou que o Led Zeppelin copiou seu arranjo sem lhe creditar.

“Dazed and Confused”, que já fazia parte do repertório do Yardbirds desde 1967, foi composta por Jake Holmes. Page só creditou a si mesmo no disco. O caso finalmente teve uma resolução em 2010 e o compositor original recebeu o crédito adequado.

“How Many More Times” incorpora o trabalho de dois lendários bluesman, Howlin’ Wolf e Albert King, sem creditar nenhum dos dois. A banda até hoje não dá o crédito aos compositores originais.

Além de tudo isso, ainda havia suspeitas de que, em “Black Mountain Side”, Jimmy Page teria copiado o arranjo criado por Bert Jansch para a canção tradicional “Blackwaterside”.

Agilidade e sucesso

O disco de estreia do New Yardbirds foi gravado no Olympic Studios, na cidade de Londres, em apenas nove dias. Muito rápido para a época, mas Jimmy Page tinha tudo na cabeça há anos e a banda estava incrivelmente ensaiada após a turnê.

Eles só precisaram encontrar um nome novo após Chris Dreja ameaçar um processo, pois o uso da marca só havia sido permitido durante a turnê pela Escandinávia. A alternativa veio de uma piada antiga.

Lembra do supergrupo que Page tentou formar com Jeff Beck, John Entwistle e Keith Moon? Nessa época, o baixista do The Who brincou sobre as chances de sucesso do projeto, usando a expressão inglesa “lead balloon” (“balão de chumbo”) para indicar o fracasso certo deles. O baterista aumentou o grau da piada ao se referir a eles como um zepelim de chumbo (“lead zeppelin”). Uma catástrofe.

Sob conselho do empresário Peter Grant, eles tiraram o “a” de “lead” para evitar confusões. Eles seriam Led Zeppelin. Mais leves que o ar e mais pesados ao mesmo tempo.

A banda assinou com a Atlantic Records sem a gravadora sequer ouvir o disco. A razão para isso foi uma recomendação de uma velha amiga de John Paul Jones: Dusty Springfield.

“Led Zeppelin”, o álbum, foi lançado no dia 12 de janeiro de 1969. Chegou ao sexto lugar nas paradas inglesas e à 10ª posição na Billboard 200, dos Estados Unidos.

A banda que se batizou em homenagem a uma piada sobre fracasso garantido era um sucesso. E só aumentou dali em diante.

Led Zeppelin — “Led Zeppelin”

  • Lançado em 12 de janeiro de 1969 (Estados Unidos) e 28 ou 31 março de 1969 (Reino Unido) pela Atlantic Records
  • Produzido por Jimmy Page

Faixas:

  1. Good Times Bad Times
  2. Babe I’m Gonna Leave You
  3. You Shook Me
  4. Dazed and Confused
  5. Your Time Is Gonna Come
  6. Black Mountain Side
  7. Communication Breakdown
  8. I Can’t Quit You Baby
  9. How Many More Times

Músicos:

  • Robert Plant (voz, gaita)
  • Jimmy Page (guitarra, violão, backing vocals)
  • John Paul Jones (baixo, teclado, órgão)
  • John Bonham (bateria)

Músico adicional:

  • Viram Jasani (tabla na faixa 6)

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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