Edição 2023 consolida Setembro Negro como principal evento de música extrema do Brasil

Festival de quatro dias reúne headliners de peso e público do país inteiro em São Paulo para conferir bandas de variadas vertentes do heavy metal

Domingo, 10 de setembro

*Textos de Thiago Zuma e Guilherme Gonçalves (Morbus Zine). Fotos de Gustavo Diakov / @xchicanox.

O cenário da rua do Carioca Club na manhã de domingo parecia de um pós-guerra. Era de se prever que o Sodom ter terminado seu show quando não havia mais acesso ao metrô cobrasse seu preço no domingo. Ainda mais porque o último dia do Setembro Negro foi também o que começou mais cedo.

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Não chegava a cinquenta o número de pessoas no Carioca Club para ver o Inferno Nuclear ao meio-dia. Como desgraça pouca é bobagem, o grupo paraense liderado por Wellington Freitas ainda teve duas baixas em sua formação que não puderam vir a São Paulo, e contou com a colaboração do guitarrista Paulo Bigfoot (Uganga) e do baterista Marcos Luz (Trioxine) para conseguir se apresentar no Setembro Negro.

Foto: Gustavo Diakov

Apenas um ensaio foi realizado com a formação que subiu ao palco na recém-terminada manhã de domingo. O thrash metal direto dos paraenses serviu uma celebração do espírito de colaboração, cantado na letra de “Unidos pelo Underground”, que fechou sua apresentação.

Direto do túnel do tempo, o reformado Siegrid Ingrid subiu ao palco na sequência e trouxe seu metal com agressividade grindcore e pitada de groove dos anos 90 para um ainda pequeno público que, mesmo sem ser muito afeito a esse tipo de som, até respondeu bem ao agitado vocalista Punk.

Foto: Gustavo Diakov

Depois de passar a década de 90 na luta, o grupo paulistano encerrou as atividades na virada do milênio para retomá-las há quase dez anos. Nesse meio tempo, o grupo ainda está para lançar seu novo disco, “Back from Hell”, aguardado para este ano e com material representado no Setembro Negro.

O final da apresentação, com a dupla “Enéas”, inspirada no famoso bordão do falecido político de extrema direita, e “Suicide”, despertou até alguns coros de nostalgia de quem viveu a cena paulistana no período.

Cultuado além do som por sua temática aprofundada e que aborda a historiografia de povos pré-colombianos, o Miasthenia tem um séquito de fãs fiéis e que compareceram em bom número para a apresentação no Setembro Negro. A banda, idealizada pela vocalista e tecladista (e Ph.D em História!) Susane Hécate em 1994, se ampara em um black metal que transita entre o viés melódico e o épico, algo pouco comum no Brasil.

Foto: Gustavo Diakov

O grupo de Brasília teve a infelicidade de a guitarra de Thormianak apresentar problemas logo no início do show, mas rapidamente a situação foi contornada e não prejudicou o decorrer da apresentação, recheada por músicas impactantes como “Araka’e”, “Saga ao Xibalbá” e “Antípodas”, cujo refrão foi cantado pelos presentes. Para fechar, o hino “Entronizados na Morte”, do álbum “Legados do Inframundo” (2014), um dos melhores do estilo já lançados em solo nacional.

O Lucifer’s Child manteve a toada black metal ao suceder o Miasthenia e levou ainda mais gente para a frente do palco. Formado em 2013 por George Emmanuel, ex-guitarrista do Rotting Christ, o grupo resgatou os ensinamentos gregos do estilo, algo que o Nightfall já havia feito na sexta-feira, mas desta vez com bem menos encenação e mais peso. Muito peso!

Foto: Gustavo Diakov

A apresentação da banda, baseada nos dois únicos discos que lançaram — “The Wiccan” (2015) e “The Order” (2018) —, fez tremer a estrutura do Carioca Club. Sem dúvida, um dos shows mais opressores do festival. Tal qual diz a letra de “He, Who Punishes and Slays” e “The Order”, dois dos destaques do repertório.

Após os gregos deixarem o palco do Setembro Negro, a pista deu uma boa esvaziada. Quando o Demonical começou sua apresentação, parecia que os escandinavos fariam um show para quase ninguém — e os músicos reclamaram da luz clara projetada sobre eles, impedindo sua visão do público.

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Foi só os riffs de serra elétrica começarem que o público logo se aproximou e aquele death metal típico da geração de Estocolmo já despertou algumas tímidas rodas, incentivadas pelo vocalista Charlie Fryksell.

Foto: Gustavo Diakov

O grupo, formado pelo baixista Martin Schulman quando o cultuado Centinex cessou as atividades, já tem quase duas décadas de atividade e sete discos. Contudo, o repertório foi baseado nos três registros mais recentes, antes de encerrar a apresentação com uma versão para “Somebody put something in my Drink” dos Ramones.

Foto: Gustavo Diakov

Uma das tradições do Setembro Negro após sua retomada em 2018 é a de trazer sempre uma banda que não é tão inserida assim no cenário tradicional de música extrema, muitas vezes relativamente desconhecida do público brasileiro. A missão em 2023 coube ao Mantar.

Foto: Gustavo Diakov

O rock’n’roll bem sujo com pitadas de sludge e black metal executado pela dupla alemã, assim como os paulistas do Test, não tem baixo e é bem difícil de descrever seu som. Mas é fácil de se deixar contagiar pela levada do baterista Erinc em músicas como “Age of the Absurd”, de “The Modern Art of Setting Ablaze”, disco de 2018, ou “Spit”, do trabalho de estreia de 2014.

Apesar da energia da performance do vocalista e guitarrista Hanno, a reação à estreia do grupo no Brasil, que se encerrou com “Era Borealis”, não foi das maiores a um nome que ganha cada vez mais notoriedade fora do país.

Bebendo na psicodelia de sua terra-natal (São Francisco, na Califórnia) e no adensamento de riffs lentos e moloníticos de nomes como Black Sabbath, Electric Wizard e Sleep, o Acid King destoou no último dia de Setembro Negro, mas não de forma negativa. O doom chapado da banda guiada por Lori Steinberg fez a cabeça de vários presentes, sobretudo os mais afeitos a substâncias derivadas do tetra-hidrocarbinol (THC).

Foto: Gustavo Diakov

Enquanto muitos saíram do recinto para pegar a última cerveja antes de Cancer e Triumph of Death, os que ficaram curtiram bastante a brisa. E certamente se espantaram com a desenvoltura do baixista Bryce Shelton, um talento do instrumento. “2 Wheel Nation”, por exemplo, quase pôs a casa abaixo.

Assassin

Apesar de ter vivenciado alguns bons momentos, como no álbum de estreia “The Upcoming Terror” (1987), o Assassin nunca conseguiu adentrar o pelotão de frente do thrash metal. Nem mesmo na Alemanha, seu país. Diante disso, é até natural que o show da banda seja um tanto quanto irregular.

Foto: Gustavo Diakov

“Nemesis” e “Assassin” vão muito bem, mas algumas outras músicas não seguram a onda. Além disso, dentro de um contexto de gosto e estética que rege o metal mais old school, pegou muito mal para o vocalista Ingo Bajonczak o fato de estar trajando uma camisa do Pantera, banda cancelada por 8 a cada 10 fãs de Cancer e Triumph of Death, headliners que viriam a seguir e cujos apreciadores eram maioria no último dia de festival.

Foto: Gustavo Diakov

Repertório — Assassin:

  1. Intro
  2. Fight (To Stop the Tyranny)
  3. Breaking the Silence
  4. The Swamp Thing
  5. Last Man
  6. Baka
  7. Red Alert
  8. Assassin

Cancer

Retornando ao Brasil depois de um celebrado show em São Paulo durante a turnê de sua reunião mais recente, o Cancer não perdeu muito tempo com discursos e já chegou emendando três músicas sem pausa para respirar. As duas primeiras, “Blood Bath” e “Tasteless Incest”, são clássicos de seus dois discos iniciais, os cultuados “To the Gory End” (1990) e “Death Shall Rise” (1991), respectivamente.

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Foto: Gustavo Diakov

A terceira, “Ballcutter”, foi uma das quatro faixas executadas no domingo tiradas de seu celebrado “Shadow Gripped”, de 2018, provando que a reunião não foi apenas para fazer dinheiro fácil. E o grupo inglês ainda arriscou uma música inédita chamada “Enter the Gates”.

Um novo trio de músicos deu suporte entrosadíssimo ao vocalista e guitarrista John Walker desde o ano passado. O modo como o público respondeu impressionado a um repertório equilibrado entre essas canções mais recentes e clássicos de seus primeiros discos. Esta formação do Cancer só tende a crescer.

Repertório — Cancer:

  1. Blood Bath
  2. Tasteless Incest
  3. Ballcutter
  4. Into the Acid
  5. The Infocidal
  6. Enter the Gates
  7. Death Shall Rise
  8. Garrotte
  9. Meat Train
  10. Down the Steps
  11. Hung, Drawn and Quartered

Triumph of Death

Voivod, Sadistic Intent, Bulldozer, Vulcano, Sodom… O Setembro Negro foi repleto de shows acachapantes. Qualquer um desses — e alguns outros — poderia se candidatar como “o melhor” da 15ª edição do festival, de acordo com o gosto do cliente. E para muitos, certamente o trono pertence ao Hellhammer, de Thomas Gabriel Fischer, sob a alcunha de Triumph of Death.

Foto: Gustavo Diakov

O demônio criado em 1982 por Tom G. Warrior — Toninho Guerreiro para os íntimos — fechou o evento e estabeleceu seu ápice no quesito encanto e veneração. De todo o cast do festival em 2023, talvez o único ser humano que entraria no rol de deuses (caídos!) do metal seria ele, um suíço de 60 anos e muitos traumas na infância tóxica em Zurique.

Sob olhares atentos e emocionados de headbangers de todos os cantos do Brasil e também de outros países, a lenda destilou 12 músicas, todas elas primordiais para o surgimento do que se convencionou a chamar de metal extremo. Durante cerca de uma hora, foi possível presenciar a execução de canções que pavimentaram a gênese do black, do death e do speed/thrash metal.

Foto: Gustavo Diakov

Acompanhado de seus atuais fiéis escudeiros – o guitarrista André Mathieu, a baixista Jamie Lee Cussigh e o baterista Tim Wey -, Tom G. Warrior se mostrou lisonjeado pela calor e carinho do público, que não parava de entoar “Hellhammer” entre uma música e outra e a cantar a plenos pulmões o refrão de clássicos como “Massacra”, “The Third of the Storms”, “Agressor” e “Messiah”.

“Maniac”, “Reaper” e “Bloody Insanity” também foram sublimes, essa última com André Mathieu fazendo de forma brilhante o vocal, que na época foi gravado por Steve “Savage Damage”. “Visions of Mortality” foi a única do repertório do Celtic Frost a dar o ar da graça, e “Triumph of Death” conjurou a catarse final. Trata-se de música impressionante e assustadora até hoje, ainda que os berros de Warrior soem mais contidos a essa altura do campeonato.

Foto: Gustavo Diakov

Inclusive, foi com uma voz calma e mansa que ele agradeceu: “É por causa de vocês que estou aqui até hoje. Muito obrigado!”. A recíproca é verdadeira, Tom.

Repertório — Triumph of Death:

  1. The Third of the Storms (Evoked Damnation)
  2. Massacra
  3. Maniac
  4. Blood Insanity
  5. Decapitator
  6. Crucifixion
  7. Reaper
  8. Horus
  9. Revelations of Doom
  10. Messiah
  11. Visions of Mortality (Celtic Frost)
  12. Triumph of Death

Índice:

Página 1: Introdução
Página 2: Pré-festa de quinta-feira, 7 de setembro (Sodom, In the Woods, Leviaethan etc)
Página 3: Sexta-feira, 8 de setembro (Picture, Immolation, Nightfall etc)
Página 4: Sábado, 9 de setembro (Sodom, Bulldozer, Sacramentum etc)
Página 5: Domingo, 10 de setembro (Triumph of Death, Cancer, Assassin etc)

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Thiago Zuma
Thiago Zuma
Formado em Direito na PUC-SP e Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, Thiago Zuma, 43, abandonou a vida de profissional liberal e a faculdade de História na USP para entrar no serviço público, mas nunca largou o heavy metal desde 1991, viajando o mundo para ver suas bandas favoritas, novas ou velhas, e ocasionalmente colaborando com sites de música.

2 COMENTÁRIOS

  1. Fui sabado exclusivamente pra ver BULLDOZER, os vi no Guaru/ 18 e pretendia agora, pq pretendia? Estou cadeirante e me dirigi direto aquele espaço entre publico e palco, fui retirado de la por 3x, duas pelo chefe de segurança da casa. A casa lotou e só via bunda na minha frente, antes de ir embora, pedi novamente ao chefão e nada de liberar. Eu contei apenas 3 pessoas ali tirando fotos. Fogo no parquinho agora. Ao menos consegui comprar o lovro sobre BULLDOZER que queria a anos. Os caraa ficaram indignados.

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