“…Like Clockwork”, o disco mais sombrio do Queens of the Stone Age

Experiência de quase morte roubou a música na cabeça de Josh Homme, que precisou de seus companheiros de banda para reavê-la

Ao longo de cinco álbuns lançados entre 1998 e 2007, o Queens of the Stone Age se estabeleceu como um dos maiores nomes do rock americano. A receita? A tradicional mistura entre hedonismo e sensualidade lúrida.

O líder do grupo, Josh Homme, se tornou uma figura tão importante no gênero a ponto de ter seu estilo idiossincrático de compor riffs e solos estudado por guitarristas. Foi responsável até por inspirar a mudança sonora de um dos maiores nomes do rock inglês da era, o Arctic Monkeys.

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Então, em 2010, Homme quase morreu. Complicações em uma cirurgia o deixaram de cama por meses, fazendo-o entrar em depressão e questionar a continuação de sua carreira.

Essa é a história de como o Queens of the Stone Age não necessariamente saiu do abismo, mas pulou junto com seu líder e fez da escuridão sua armadura.

O preço de não parar

Anos de excesso enfraqueceram o sistema imunológico de Josh Homme. Isso não significa apenas hedonismo, apesar de drogas terem um papel enorme nisso. Participar de três bandas, família, trabalho de produção… o músico não parava e isso teve um peso na sua saúde.

Em uma entrevista para o WTF Podcast with Marc Maron, Homme detalhou o ocorrido:

“Acho que me exauri ao ponto de ficar bem doente. E aí precisei de cirurgia porque estava se manifestando… Bem, vou falar pela primeira vez, mas eu peguei MRSA [a sigla inglesa para Staphylococcus Aureus Resistente à Meticilina], uma cepa resistente a antibióticos. Não conseguia melhorar porque meu sistema imunológico estava destruído. Pessoas morrem disso o tempo inteiro. Uma pessoa no meu corredor no hospital morreu enquanto eu estava internado, o que me deixou tipo: ‘oh, não, o que eu fiz?!’. Quando passei por uma cirurgia pra tentar retirar a infecção, eles me perderam enquanto tentavam colocar o tubo de oxigênio garganta abaixo para reoxigenar meu sangue.”

Josh Homme engasgou e teve uma parada cardíaca na mesa operatória. Ele só soube que “morreu” quando acordou e sentiu os efeitos. Na mesma entrevista, ele descreveu a sensação:

“Quando eu acordei, sabia que tinha algo errado. Que algo havia me machucado. Realmente, algo havia sido roubado de mim. Eu perdi algo ali, porque demorou dois anos para… eu sempre escutava música na cabeça, desde pequeno, e tocava a partir disso. E quando acordei disso, não conseguia escutar nada.”

A internação durou três meses, devido a uma quarentena por causa da infecção. O artista não podia ver sua família. Enquanto isso, precisava lidar com a realidade de sua experiência de quase morte.

Mesmo após receber alta, foram quase dois anos sem fazer nada, esperando algo acontecer, como ele descreveu no podcast:

“Eu esperei por muito tempo. Sou meio fatalista, acho que é preciso ficar atento aos sinais me dizendo o que fazer. Acho que esperei tempo demais por algo me apontando o caminho.”

Uma das coisas que ajudou Homme a sair desse estado foi Meditação Transcendental. Ele credita a ausência de dogma da prática e o aprendizado de deixar as coisas acontecerem como responsáveis por colocá-lo na mentalidade transicional do deserto novamente.

Após um período enorme escondendo seu tumulto emocional de quase todo mundo, Homme finalmente decidiu se abrir com seus companheiros de banda. Como ele contou a Marc Maron:

“Esse disco foi bem falar para os meus caras: ‘eu não estou me sentindo muito bem e sei que vocês querem fazer um disco, então isso significa entrar na névoa comigo; é aí que a gente vai começar’. É um pedido enorme pra se fazer a outras pessoas, mas por causa disso, nós agora estamos mais próximos como uma banda e como pessoas. Eu estava no nevoeiro, eles entraram comigo e nós saímos juntos dele.”

Canções de dentro do nevoeiro

O plano inicial do álbum era um sonho para qualquer fã de rock. Josh Homme recrutou Trent Reznor (Nine Inch Nails) para produzir as sessões no seu estúdio próprio, chamado Pink Duck. Infelizmente, as agendas acabaram não batendo o suficiente para ele cumprir essa função, mas rolou uma participação na canção “Kalopsia”.

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Outro contratempo foi a saída do baterista Joey Castillo no meio das sessões, após cerca de 10 anos como parte do grupo. Em entrevista à Spin, Homme não entrou em muitos detalhes sobre a saída de Castillo, mas disse sobre o processo que resultou isso:

“A gente precisava confiar uns nos outros ou íamos nos destruir. Acho que isso teve algo a ver com a gente perdendo Joey e ter que demiti-lo. Ele teve dificuldade em navegar essa incerteza. Apesar disso, foi bem amigável, tipo: ‘p#rra, por que isso teve que acontecer?’.”

Ao contrário do material anterior do QOTSA, as músicas do que viria a ser “…Like Clockwork” carregam uma vulnerabilidade enorme, nascidas desse período turbulento. O ápice é a canção “The Vampyre of Time and Memory”, na qual ele se abre sobre inseguranças e o desejo de morrer oriundo de sua depressão.

Falar sobre tópicos pesados dessa forma era tão longe do esperado desse grupo que Homme não tinha certeza se a faixa deveria ser lançada.

“Compus essa música chamada ‘The Vampyre of Time and Memory’ e pensei: ‘quem diabos quer ouvir isso?’. Falei isso para minha mulher, Brody [Dalle, líder do Distillers]. Daí ela falou: ‘quem se importa com o que as pessoas querem ouvir?’. E eu literalmente falei: ‘verdade’.”

Quanto ao processo de composição do resto do disco, Homme contou à Spin sobre a abordagem do grupo e como “…Like Clockwork” acabou sendo diferente em relação à discografia deles até então:

“No Queens, falamos sobre músicas como se fossem pessoas. A pessoa não é para ser perfeita. Ela tem cicatrizes. Isso precisa ser representado de maneira bem feita. Você começa falando: ‘quem é essa pessoa e pelo que essa pessoa passou?’. Você começa a brincar com isso. E às vezes um de nós fala: ‘tá perto, mas ainda não tá certo’. Você não sabe sempre por que. Então é forçado a deixar coisas de lado, para arejar e pensar a respeito. Por isso demorou tanto tempo para esse disco. Normalmente, todos ouvimos o que o produto final é: deveria soar assim. Quando a gente foi gravar esse disco, eu adoraria ter feito um disco meio blues, repetitivo, naquele transe tipo James Brown, mas não era para acontecer. Se tornou um disco em que a música servia para sustentar os vocais. Visualmente, era um vocal machucado e precisava de uma muleta na forma do mínimo de música possível.”

Mais que amigos, friends

Isso não significa necessariamente que “…Like Clockwork” não tenha amostras do hard rock que o Queens of the Stone Age ficou conhecido por produzir. A primeira música do disco a ser mostrada ao vivo – durante a edição inaugural do Lollapalooza Brasil, em 2013 –, “My God is the Sun”, é um exemplo perfeito do estilo da banda.

“…Like Clockwork” também viu o retorno de diversas figuras do passado do QOTSA. Nick Oliveri, baixista demitido do grupo em 2004, contribuiu backing vocals em “If I Had a Tail”, junto com Mark Lanegan e Alex Turner, líder do Arctic Monkeys.

Em entrevista à Rolling Stone, Homme contou sobre como ele e Oliveri fizeram as pazes poucas semanas após a demissão e como a participação nasceu de uma oportunidade conveniente:

“Nick gravou o disco novo dele no meu estúdio, então ele ia deixar uns discos e falou: ‘ei, precisa de alguém pra cantar backing vocal?’. Eu falei: ‘na real, sim, pode entrar’. Foi tão casual, e isso é legal. Foi fácil. É legal conhecer alguém desde pequeno, e ainda os conhecer.”

Outro amigo das antigas a participar da brincadeira foi Dave Grohl. Após a demissão de Joey Castillo, foi ele quem assumiu as baquetas do QOTSA, retornando pela primeira vez desde “Songs for the Deaf” (2002). Gravou as músicas “If I Had a Tail”, “My God is the Sun”, “Fairweather Friends”, “Smooth Sailing” e “I Appear Missing”.

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Durante uma entrevista (via Rock in the Head), Grohl descreveu o convite:

“Eu estava lendo histórias para a minha filha, quando recebi uma mensagem de Homme… então, o que aconteceu? Novamente, o baterista deles havia saído e eu só respondi: ‘tudo bem, quando você me quer?’.”

A última participação é tão ilustre quanto inusitada. Sir Elton John emprestou seus talentos no piano e backing vocals para a canção “Fairweather Friends”. O convite partiu de Grohl após os dois participarem juntos do programa de TV “Chelsea Lately”, apresentado por Chelsea Handler.

Durante a participação, John reclamou que ninguém o convida para colaborar por medo de ouvirem “não”. Grohl estava no meio das gravações de “…Like Clockwork” e se aproveitou da oportunidade.

Falando com a BBC 5 Live (via Far Out Magazine), Homme descreveu a gravação com Sir Elton:

“Ele veio e a gente gravou uma canção de rock ao vivo juntos, o que foi uma experiência incrível. Isso é o que colaboração tem que ser: aprender algo de outra pessoa e sobre essa pessoa e talvez lembrá-los de algo que eles gostem também. Ter passado por isso com Elton foi ótimo. Tem canções mais suaves, levadas no piano, no disco, mas esse não é o ponto. É sobre química estranha e fazer o que você não devia.”

O resultado dessa química estranha e essa exploração emocional toda acabou sendo um sucesso. “…Like Clockwork” foi lançado dia 3 de junho de 2013, e estreou no topo da Billboard 200, o primeiro disco do grupo a chegar ao número 1 nos Estados Unidos.

Desde então, o Queens lançou apenas um álbum, “Villains” (2017), e Homme passou os últimos anos envolvido numa batalha polêmica com sua agora ex-esposa Brody Dalle por custódia dos filhos, que ele agora possui de forma integral. Em 16 de junho deste ano, o QOTSA irá lançar “In Times New Roman…”, seu primeiro disco em seis anos.

Queens of the Stone Age – “…Like Clockwork”

  • Lançado em 3 de junho de 2013 pela Matador
  • Produzido por Josh Homme, James Lavelle e Queens of the Stone Age

Faixas:

  1. Keep Your Eyes Peeled
  2. I Sat by the Ocean
  3. The Vampyre of Time and Memory”
  4. If I Had a Tail
  5. My God Is the Sun
  6. Kalopsia
  7. Fairweather Friends
  8. Smooth Sailing
  9. I Appear Missing
  10. …Like Clockwork

Músicos:

  • Josh Homme – vocais, guitarra, slide guitar (faixas 2 e 9), piano, sintetizador Moog, Roland SH-201 e bateria (3) percussão (5), guitarra de doze cordas (9, 10), baixo (10)
  • Troy Van Leeuwen – guitarra, backing vocals, sintetizador Moog (3, 4 e 5), shakers (1 e 9), palmas (2 e 8), lap steel guitar (3 e 6), violão de doze cordas (5 e 9), guitarra drone (9 e 10), sintetizador Korg (3), percussão (5), violão e guitarra slide de doze cordas (10)
  • Dean Fertita – guitarra, backing vocals, piano (1, 2, 3 e 6), piano elétrico Wurlitzer (2 e 7), slide guitar (2), sintetizadores Moog e Korg (4), piano Rhodes e Korg MS -10 (6), clavinete (9)
  • Michael Shuman – baixo, backing vocals, pandeiro (2), violão de doze cordas (4), sintetizador Moog (6), violão (7), claves, shakers e palmas (8), mellotron (10)
  • Joey Castillo – bateria e percussão (1, 2, 3 e 6), palmas (1 e 2)

Músicos adicionais:

  • Dave Grohl – bateria e percussão (faixas 4, 5, 7, 8 e 9)
  • Nick Oliveri – backing vocals (4)
  • Mark Lanegan – backing vocals (4)
  • Trent Reznor – vocais principais, bumbo e caixa (6), backing vocals (7)
  • Jake Shears – backing vocals (1)
  • Alex Turner – backing vocals (4)
  • Elton John – backing vocals e piano (7)
  • Jon Theodore – bateria e percussão (10)
  • Charlie May – piano (10)
  • Philip Sheppard – cordas e arranjos (10)
  • James Lavelle – arranjos e produção (10)

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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