Black Crowes faz show afiado com álbum de estreia na íntegra em São Paulo

Devidamente reunidos e acompanhados de vários novos músicos, Chris e Rich Robinson mostraram que envelheceram como vinho assim como as canções que executam

Em 2023, pode soar um tanto genérico ouvir uma banda de rock com veia mais revivalista, orientada ao chamado rock clássico das décadas de 1960 e 1970. Não era esse o cenário encontrado pelo Black Crowes entre o fim dos anos 1980 e início dos 1990. Em tempos onde toda a indústria musical queria olhar só para frente, o grupo liderado pelos irmãos Chris (voz) e Rich Robinson (guitarra) mostrou já em seu primeiro álbum, “Shake Your Money Maker” (1990), que não há problema em revisitar o que já foi feito, pois não há futuro sem passado.

Foi este disco o homenageado no show único daquela que representou apenas a segunda passagem do Black Crowes pelo Brasil – até então o grupo só tinha vindo em 1996, para apresentações no festival Hollywood Rock junto do Page & Plant, Bush, entre outros. Se há 27 anos rolaram performances em São Paulo e Rio de Janeiro, desta vez o itinerário ficou restrito à capital paulista, que recebeu no Espaço Unimed os irmãos Robinson, Nico Bereciartua (guitarra), Sven Pipien (baixo), Brian Griffin (bateria), Erik Deutsch (teclados), Mackenzie Adams e Leslie Grant (ambas backing vocals).

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Foto: Jeff Marques

Aliás, a formação repleta de músicos contratados pode gerar alguma estranheza em um momento inicial. Além de Chris e Rich, apenas Sven Pipien fez parte do grupo antes do retorno anunciado em 2019, após 4 anos de atividades interrompidas e muitas farpas trocadas. É fato, porém, que o Crowes sempre teve alta rotatividade de músicos; exceção feita a Steve Gorman, que foi baterista durante quase toda a existência inicial do grupo, do fim dos anos 1980 até 2015.

E, com todo o respeito, dá para dizer que quem esteve no cheio, mas não lotado Espaço Unimed na amena noite de terça-feira (14) não sentiu tanta falta de quem não está mais na banda.

*Fotos de Jeff Marques / @mulekedoidomemo. Caso as imagens apareçam pequenas, atualize a página.

Furacão previsível também faz estrago

Para a ocasião na capital paulista, a abertura ficou a cargo da nacional Hurricanes, banda criada no sul do país por Rodrigo Cezimbra (voz) e Leo Mayer (guitarra), mas que tomou forma após ambos se mudarem para São Paulo, onde conheceram Henrique Cezarino (baixo – em vaga anteriormente ocupada pelo ator Gabriel Braga Nunes) e Guilherme Moraes (bateria). Com alguns singles e uma live session no estúdio Family Mob já lançados, o grupo – completo naquela noite por Jimmy Diniz Pappon nos teclados e Lucille Berce e Julia Danesi nos backing vocals – deve lançar seu primeiro álbum ainda em 2023.

Os trajes dos músicos entregavam que suas influências vinham do mesmo blues rock dos anos 1960 e 1970 que moldou o próprio Black Crowes. Para além disso, contudo, as roupas e a estética geral (com direito a deixar duas backing vocals no cantinho do palco tal qual a atração principal) anteciparam que em muitos momentos o Hurricanes se limitou a replicar o que outras bandas, sejam da época ou contemporâneos revivalistas, já fizeram. O grupo ainda não conseguiu estabelecer uma direção musical própria.

E isso não significa que sejam ruins. Pelo contrário: ao que se propõe, a banda gaúcho-paulista é extremamente competente. Quando resolve soar mais melódica, como o fez na segunda parte de seu curto show de 7 músicas distribuídas em 30 minutos de duração, mostra que poderá ter um futuro brilhante assim que desenvolver uma personalidade autoral.

Tamanha a competência, foram surpreendentemente abraçados pelo público presente, que curtiu e aplaudiu bastante cada canção performada. Afinal de contas, a fórmula estava sendo executada com maestria. Como ainda falta um pouco de traquejo ao vocalista Rodrigo Cezimba tanto em performance (onde faltou mais suavidade e variação) quanto em comunicação (em dado momento, chegou a admitir que não sabia o que falar ao público), a musicalidade do grupo pareceu girar bastante em torno da guitarra de Leo Mayer, que acertou em seus timbres e demonstrou precisão na execução – objetivo que notadamente não conseguiria atingir sem um apoio sólido dos demais colegas, portanto, mérito coletivo.

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Ainda há pontos a serem amadurecidos, o que é natural para um grupo que ainda nem lançou seu primeiro álbum. No entanto, o show de abertura para o Black Crowes serviu como um ótimo cartão de visitas. Em meio a tantos eventos onde atrações introdutórias são escolhidas de forma “aleatória” (você entendeu as aspas), o Hurricanes foi uma escolha acertada para esquentar as turbinas daquela noite.

Corvos de bico afiado

O Black Crowes meio que realiza duas turnês diferentes no momento atual. Antes de embarcar para a América do Sul – onde também tocou no Chile e fará shows na Argentina e México –, o grupo se apresentou na Austrália e fez datas isoladas nos Estados Unidos, onde já não executa mais “Shake Your Money Maker” na íntegra, embora seu material siga dominante nos setlists.

Foto: Jeff Marques

É evidente que o álbum de estreia tem grande apelo – é um dos discos que mais ouvi na vida – e provavelmente o show foi vendido ao Brasil dessa forma, quando a intenção ainda era celebrar o 30º aniversário do trabalho de 1990. Contudo, ficou a impressão de que poderia ter sido mais efetivo apostar em um set mais heterogêneo, com mais faixas de destaque dos outros trabalhos em vez de uma ou outra canção menos chamativa do debut.

Esse foi o único dilema encontrado além dos já conhecidos relatos de qualidade de som ruim para quem ficou mais distante ou nas extremidades do Espaço Unimed – experiência que não tive, por ter ficado mais ao centro da pista premium, espaço para onde fui credenciado. De resto, tudo perfeito.

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O Black Crowes subiu ao palco pontualmente às 21h30, ao som da gravação de “Are You Ready”, do Grand Funk Railroad. Nada de glamour, queda de cortinas, suspense de integrantes ou qualquer coisa do tipo: os caras entraram como se estivessem prestes a fazer um ensaio aberto. O riff pegajoso de “Twice as Hard” logo abriu o que seria uma noite especial e apresentou alguns dos grandes méritos do grupo atual: execução instrumental perfeita inclusive em timbragens – soando diferente apenas para um ótimo improviso ao fim – e batida um pouquinho mais lenta para que Chris Robinson, cantando muito no alto de seus 56 anos, não se complicasse à toa.

Enquanto a música de abertura fez todo mundo vibrar e cantar o refrão a plenos pulmões, “Jealous Again” botou até os fãs mais cintura-dura para dançar. A atmosfera sing-along, ainda assim, seguiu: no trecho em que a banda “cai”, a galera não fez feio e cantou bem alto. A sequência com a bela “Sister Luck”, a classic rocker “Could I’ve Been So Blind” e soulzíssima “Seeing Things” colocaram em evidência os vocais de Chris, que, embora cante muitos versos de forma um pouco diferente para acomodar usa voz atual, impressionou ao atingir os altíssimos tons registrados quando ele era um garoto de 23 anos.

A versão de “Hard to Handle” (Otis Redding) voltou a colocar o público para dançar e, veja só, gritar após as três canções anteriores terem contado com reações menos intensas dos fãs – o que não significou reprovação, já que boa parte desse show era para se contemplar. A agitada “Thick n’ Thin” manteve a empolgação nas alturas antes da incrível “She Talks to Angels”, maior hit do grupo, aqui em versão mais próxima da original ao trazer Rich Robinson no violão – em outras turnês, especialmente nos anos 2000, ele a tocava na guitarra mesmo.

Foto: Jeff Marques

Rich, aliás, merece menção à parte tal como Chris. Mesmo fazendo poucos solos (a função é desempenhada de forma irretocável por Nico Bereciartua), há um magnetismo na forma em que o guitarrista toca seu instrumento. Em tipos de sons onde é importante ter certo molejo, base é tão importante quanto (ou até mais que) o solo; nesse sentido, nosso Keith Richards americano se sai muito bem – assim como toda a banda, que se mostrou na ponta dos cascos e pôde ser ouvida com clareza, ao menos do ponto onde acompanhei a performance. Até mesmo os teclados de Erik Deutsch, que poderiam estar soterrados em uma mix menos cuidadosa, surgiu nos momentos certos.

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Final porreta e recomeço coerente

“Struttin’ Blues”, com seu final porreta, e “Stare it Could”, o número mais Stones da noite, encerraram a execução integral de “Shake Your Money Maker” divertindo um público também ansioso para ver o que rolaria a seguir. A segunda etapa foi introduzida na sequência e logo na primeira canção, uma surpresa: “Sometimes Salvation”, uma das quatro representantes do álbum “The Southern Harmony and Musical Companion” (1992) naquela noite, ocupou a vaga que no Chile havia sido de “No Speak No Slave”. Excelente troca.

Foto: Jeff Marques

Com o desenrolar dessa nova parte do repertório, ficou nítido como o Black Crowes ficou diferente após “Shake Your Money Maker” – um disco que os próprios integrantes dizem ser mais do produtor, George Drakoulias, do que deles mesmos. “Wiser Time”, com seu refrão curiosamente noventista num entorno totalmente retrô, é talvez um dos grandes exemplos de como a maturidade levou o grupo a caminhos mais diversos nos trabalhos posteriores à estreia.

Foto: Jeff Marques

Introduzida na guitarra mesmo em vez do violão, “Thorn in My Pride” gerou reações mais vocais da plateia e ganhou uma versão estendida robusta, incluindo até mesmo um solo de gaita e a primeira ocasião onde Chris Robinson realmente foi às extremidades no palco. Nela, porém, rolou a única falha técnica: o som rachou nos segundos finais, sabe-se lá por que. Ainda bem que durou pouco e tudo voltou a soar perfeito para “Sting Me”, outra surpresa em comparação ao set do Chile. Do raro solo de Rich às backing vocals que apareceram mais, tudo aqui fio um deleite.

Foto: Jeff Marques

O encerramento foi bem 8 ou 80 – ou melhor, foi de 80 a 8. “Remedy”, um dos grandes hits do grupo, rendeu talvez o momento de maior interação do público, além de bater recorde de celulares levantados no alto para filmar. Em uma noite onde “Shake Your Money Maker” foi tocado na íntegra, justo o single principal de “The Southern Harmony and Musical Companion” representou o melhor momento. Pena que a canção do bis, “Virtue and Vice”, ofereceu um final bem anticlímax. Servindo mais como trilha para fãs deixarem o local aos poucos do que um atrativo para os segurar, foi a única substituição negativa em comparação ao show em território chileno, visto que “Rocks Off”, cover dos Rolling Stones, concluiu os trabalhos por lá.

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Felizmente, isso não tirou em nada o brilho da noite. Entre alguns fãs mais velhos, foi recorrente o comentário de que o show da última terça (14) superou o de 1996. Para uma banda que olhou bastante para trás ao moldar sua sonoridade, impressiona que o presente seja melhor que o passado. Quem presenciou a apresentação no Espaço Unimed provavelmente não duvida disso. O Black Crowes envelheceu como um bom vinho.

*Fotos de Jeff Marques / @mulekedoidomemo. Caso as imagens apareçam pequenas, atualize a página.

Black Crowes – ao vivo em São Paulo

  • Local: Espaço Unimed
  • Data: 14 de março de 2023
  • Turnê: The Black Crowes Present: Shake Your Money Maker

Repertório

  • Intro gravada: Are You Ready (Grand Funk Railroad)

Shake Your Money Maker:

  1. Twice as Hard
  2. Jealous Again
  3. Sister Luck
  4. Could I’ve Been So Blind
  5. Seeing Things
  6. Hard to Handle (cover de Otis Redding)
  7. Thick n’ Thin
  8. She Talks to Angels
  9. Struttin’ Blues
  10. Stare It Cold

Segunda parte:

  1. Sometimes Salvation
  2. Wiser Time
  3. Thorn in My Pride
  4. Sting Me
  5. Remedy

Bis:

  1. Virtue and Vice

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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