Entrevista: Phil Lanzon fala sobre novo álbum do Uriah Heep, Brasil e cachaça

Integrante desde 1986, tecladista também relembra experiências musicais pregressas e elege seus prediletos na discografia da banda

Não é sempre que os entrevistados desenvolvem as respostas ou aprofundam os assuntos como os entrevistadores gostariam. Recente exemplo disso foi o bate-papo com Phil Lanzon, tecladista do Uriah Heep, cuja brevidade de algumas respostas fez com que a conversa prevista para durar meia hora tenha se encerrado com em torno de dezoito minutos.

Coube a Lanzon ser o porta-voz na divulgação para o Brasil de “Chaos & Colour”, vigésimo quinto álbum do veterano grupo britânico. Mas sua disposição ao falar sobre o lançamento foi pouca se comparada a empolgação que demonstrou na abordagem de outros assuntos, como fica evidente logo abaixo.

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Caos, cor, chegadas e partidas

“Chaos & Colour” — ou seja, “caos e cor” — tem um porquê. Segundo Lanzon, ainda que não amarre todas as canções sob um mesmo fundo temático, o título do recém-lançado álbum tem relação com a circunstância na qual foi concebido: a pandemia. Ele explica:

“O ‘caos’ faz alusão à situação da Covid-19, quando estivemos trancados [em casa] feito prisioneiros e a única coisa que tínhamos para nos divertir era a música, a ‘cor’. Daí vem ‘caos e cor’.”

Relembro Lanzon de uma entrevista dada pelo guitarrista Mick Box na qual afirma que sempre que a dupla entra em alguma sala para trabalhar, dificilmente sai sem algo novo composto. Essa dinâmica teve de ser alterada em razão da pandemia, tornando “Chaos & Colour” o primeiro disco do Uriah Heep composto de maneira cem por cento remota. Mas a distância, de acordo com o tecladista, não impactou na produtividade.

“[Mick e eu] sempre nos reuníamos [pessoalmente] para compor. Ele levava as ideias dele, eu as minhas, e decidíamos por qual delas começar e qual caminho seguir. Isso data de meados dos anos 1980, quando ainda não nos conhecíamos tão bem. Mas com o tempo nos demos conta do quão bem trabalhávamos juntos. Às vezes as coisas simplesmente funcionam sem que você tenha de suar a camisa. Tiramos de letra compor músicas e continuamos tirando mesmo sob situações adversas.”

Capa de “Chaos & Colour”, novo álbum do Uriah Heep

“Chaos & Colour” tem por marcas adicionais a continuidade e a descontinuidade. A primeira, por manter o produtor de “Living the Dream” (2018), Jay Ruston, a bordo. A segunda, por tirar o Uriah Heep da gravadora italiana Frontiers Records, seu lar por aproximadamente uma década, e levá-lo para a inglesa Silver Lining Music. Lanzon comenta:

“Na época do ‘Living the Dream’, quando estávamos à procura de um produtor, demos de cara com o Jay e nos pareceu uma boa ideia trabalhar com um nome da nova geração. Também sabíamos que nem sempre um produtor de renome será aquele de que você precisa. Jay amou nossas músicas desde o começo, e estabelecemos uma parceria muito bacana. Gostamos do modo como ele trabalha e é por isso que o usamos novamente em ‘Chaos & Colour’. Quanto à Frontiers, sentimos que eles não estavam nos promovendo da maneira certa; e eles tiveram uns bons anos para melhorar isso! Sendo assim, decidimos tentar algo novo e assinamos com a Silver Lining.”

O mais sortudo dos fãs de Uriah Heep

Phil Lanzon se juntou ao Uriah Heep em 1986, o que o torna o tecladista mais longevo a integrar a banda. Mas ele já era fã antes de assumir a vaga outrora pertencente a Ken Hensley (1945-2020), conforme revela:

“Eu ouvia de tudo e tocava de tudo que estivesse ligado ao rock. Conhecia o Uriah Heep e curtia o som. Curtia pra valer. Foi um golpe de sorte ter sido convidado a me juntar ao grupo justo quando as coisas estavam começando a degringolar no Sweet.”

Além de ter tocado com o Sweet na pouco comentada fase oitentista dos pioneiros do glam rock, Lanzon fez parte do Grand Prix. A banda ligada à New Wave of British Heavy Metal (NWOBHM) gravou três álbuns de estúdio entre 1980 e 1983 e revelou o futuro vocalista do Heep, Bernie Shaw, além do cantor Robin McAuley (McAuley-Schenker Group).

“Canso de ver comentários no YouTube ou em sites de gente que acha um absurdo o Grand Prix não ter sido gigante, a banda ter se separado depois de três álbuns. Bem, nossas músicas eram muito boas, nos divertimos bastante, mas, infelizmente, tivemos problemas que levaram à separação. A vida tem dessas.”

Os preferidos de Phil Lanzon

É indiscutível que os principais trabalhos do Uriah Heep datam da década de 1970, com destaque para “Demons and Wizards” e “The Magician’s Birthday”, lançados num intervalo de seis meses em 1972. O próprio Phil Lanzon reconhece a importância inconteste da dobradinha responsável por definir a identidade sonora da banda.

“Sem dúvida [foram os álbuns responsáveis por definir a identidade sonora da banda]. Ambos estão repletos de ótimas músicas, de músicas que sobreviveram ao teste do tempo. E ambos carregam o espírito da banda nos anos 1970, a genialidade daqueles cinco caras que se reuniram para dar forma a tantas canções maravilhosas. Esses álbuns são para sempre.”

Quando pedido para apontar os favoritos dentre os álbuns que gravou com o grupo e também aqueles que gostaria que tivessem repercutido mais ou vendido mais cópias, Lanzon é mais econômico e até mesmo óbvio:

“Meus dois favoritos são o ‘Sea of Light’ (1995) e o novo, ‘Chaos & Colour’. E não tem nenhum disco que me faça lamentar por não ter sido mais bem-sucedido do que foi. Acredito que cada álbum tem seu ciclo. Lógico, se dependesse só de mim, todos os nossos álbuns teriam vendido mais de um milhão de cópias, mas prefiro ser realista.”

Cachaça, Brasília e a tour que nunca rolou

O supracitado “Sea of Light” tem cadeira cativa no coração dos fãs brasileiros, já que a turnê incluiu cinco datas por aqui. Mas foi “Raging Silence” (1989) que trouxe o Uriah Heep ao Brasil pela primeira e até hoje mais extensa vez: sete shows ao todo. Embora isso faça mais de trinta anos, a lembrança permanece viva e vívida em Lanzon, muito em razão de um de nossos orgulhos nacionais:

“Aquela bebida [provavelmente referindo-se à caipirinha], sabe? Esqueci o nome agora. Bebemos todas! Mas independentemente disso amei o país. Não queria ir embora de jeito nenhum. A atmosfera daqueles shows foi única. As pessoas, o país em si, todas as boas vibrações… voltar ao Brasil sempre que possível virou meio que um compromisso.”

Tendo conhecido tantas cidades brasileiras, uma em especial chamou a atenção do tecladista:

“Por mais que eu tenha me divertido bastante ‘turistando’ pelo Rio [de Janeiro], toda aquela loucura… sei lá. Amei o Rio, mas tocar em Brasília foi simplesmente fantástico. É a capital do seu país, né? Então tem toda aquela coisa. Espero voltar [para lá] em breve.”

A volta não só a Brasília, mas ao Brasil como um todo poderia ter ocorrido em 2019, mas por razões até hoje não suficientemente esclarecidas, a etapa brasileira da turnê de “Living the Dream” caiu… e o próprio Lanzon não sabe o porquê, mas palpita:

“Não me lembro [o motivo do cancelamento da tour]. Normalmente as turnês caem por questões relacionadas a grana, aos promoters locais ou a quaisquer políticas vigentes no país em questão. O problema [desses cancelamentos] é que afeta diretamente os fãs e a banda. Acreditem: nunca é a banda que decide não ir a algum país. É sempre algum fator externo.”

Fincando bandeiras em solo desconhecido

Detalhe curioso em relação ao Uriah Heep é o vínculo que possui com dois países de pouca tradição roqueira: Rússia e Coreia do Sul.

Em dezembro de 1987, o grupo rompeu a chamada Cortina de Ferro e fez dez shows na capital Moscou. Um LP ao vivo intitulado “Live in Moscow” foi lançado no ano seguinte. Por mais que o Heep tenha voltado à Rússia em diversas ocasiões, Lanzon garante que o país, atualmente em guerra, está riscado de qualquer itinerário futuro da banda.

“Para mim, [a Rússia] é uma terra erma a qual nunca mais ir.”

Seis anos mais tarde, foi a vez de desbravarem outro território. Nos dias 17 e 18 de julho de 1993, o Uriah Heep sagrou-se a primeira banda do Ocidente a se apresentar na Coreia do Sul. Às apresentações lotadas no Ginásio Olímpico de Esgrima, em Seul, seguiu-se um convite inesperado do promoter local:

“O promoter, um sujeito muito gente boa, veio nos pedir para compor uma música que equivalesse a um acordo de paz entre as Coreias do Sul e do Norte. ‘Vocês fariam uma música com essa finalidade?’, perguntou ele. ‘Lógico que sim, adoraríamos fazer’. A música nunca saiu do papel. Mas mesmo que tivesse saído, eu duvido que teria servido de alguma coisa.”

Sonhar é de graça

O ano de 2023 promete ser dos mais movimentados para o Uriah Heep. Começando por shows nos principais festivais do verão europeu, “Chaos & Colour” manterá o grupo na estrada por meses a fio.

Será que os fãs brasileiros podem sonhar com uma vinda para cá até dezembro? Em sua derradeira resposta a este jornalista, Lanzon deixa meio que em aberto.

“A partir de setembro agendaremos datas em outros continentes [além da Europa]. Espero que as negociações incluam shows no Brasil e na América do Sul, mas ainda é cedo para cravar. Acho que tudo vai depender de o quão bem a turnê [europeia] se desenrolar. Se houver demanda, certamente esticaremos a tour por esses lados.”

*Ouça “Chaos & Colour”, o novo álbum do Uriah Heep, nas plataformas digitais. O CD em edição nacional é um lançamento da parceria entre Heavy Metal Rock e Rock Brigade Records.

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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