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Como Plant e Jones tomaram as rédeas do Led Zeppelin em “In Through the Out Door”

Oitavo e derradeiro álbum de estúdio do grupo veio na sequência de uma tragédia; sonoridade resultante desagradou Jimmy Page, John Bonham e parte da crítica

“Experimental, mas nem tanto” sempre foi o mantra pelo qual operou o Led Zeppelin sob a batuta do guitarrista e mandachuva Jimmy Page. Nunca em sua história o grupo que eletrificou o blues dando origem ao hard rock se distanciou tanto das origens quanto em “In Through the Out Door”, seu oitavo álbum de estúdio.

Repleto de sintetizadores — descoberta que virou a cabeça do baixista e tecladista John Paul Jones —, o disco lançado em 15 de agosto de 1979 foi onde o vocalista Robert Plant encontrou plataforma para externar sua frustração com a banda e seu luto após a perda de um filho. O álbum foi também o último gravado pelo baterista John Bonham.

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O remédio mais amargo

Como se o desgaste físico e emocional resultante de anos a fio gravando discos e caindo na estrada para promovê-los não fosse o bastante, a bruxa resolveu dar as caras no Led Zeppelin.

Em julho de 1977, a banda estava prestes a tocar para 80 mil pessoas no estádio Superdome em Nova Orleans quando Robert Plant recebeu um telefonema da esposa, Maureen: Karac, o filho de 5 anos do casal, estava muito doente e não reagia à medicação prescrita. Duas horas mais tarde, o menino veio a óbito, em decorrência de um raro vírus estomacal.

“All My Love”, música que Robert Plant compôs em homenagem a Karac e que será comentada mais adiante no texto

Quase trinta anos após a morte de Karac, Plant contou à revista Uncut que a vida nunca mais foi a mesma:

“A perspectiva de perder um filho é o remédio mais amargo que se pode tomar. Hoje, tenho mais dois garotos, duas joias raras. Naquela época, porém, nada estava a meu favor. Naquele dia, parei de usar drogas.”

Acompanhado por John Bonham e pelo tour manager Richard Cole, Plant voou de volta para o Reino Unido, enquanto Jimmy Page, John Paul Jones e o empresário Peter Grant ficaram nos Estados Unidos para formalizar o cancelamento da que acabaria sendo a última turnê do Led pelo país.

Modus operandi nada funcional

Em outubro de 1978, quinze meses após a morte de Karac, o Led Zeppelin iniciou os trabalhos em seu novo álbum. Devido ao exílio fiscal que os impedia de gravar no Reino Unido, a banda, valendo-se de um contrato recém-assinado pelo Abba com a Atlantic Records, decidiu usar o estúdio dos suecos em Estocolmo.

Com Jimmy Page e John Bonham entregues aos — ou talvez reféns dos — excessos da vida de rock star, Robert Plant e John Paul Jones, ambos sóbrios, tomaram as rédeas da situação. A dupla passava o dia estabelecendo as bases utilizando um sintetizador Yamaha GX-1 que pertencia a Benny Andersson, integrante do Abba, e uma bateria eletrônica para que os colegas, tarde da noite, se em condições para tal, fizessem seus acréscimos.

Não obstante esse modus operandi aparentemente nada funcional, bastaram três semanas para que dez músicas novas fossem gravadas. Dessas, a trinca “Ozone Baby”, “Darlene” e “Wearing and Tearing” só veria a luz do dia na coletânea “Coda”, de 1982.

Daqui não saio, daqui ninguém me tira

“In Through the Out Door” foi lançado na esteira de duas apresentações históricas do Led Zeppelin em Knebworth, uma área rural a cerca de 70 km ao norte de Londres. Mais de 100 mil fãs assistiram aos primeiros shows da banda no Reino Unido em quase quatro anos.

Embalado em papel pardo, com uma entre seis opções de capa dentro, o LP chegou ao topo das paradas tanto nos Estados Unidos — onde permaneceu por sete semanas, mesmo período que “Led Zeppelin II” (1969) — quanto na Inglaterra. Estima-se que as vendas tenham ultrapassado a marca de seis milhões de cópias, não obstante parte da crítica tenha descido a lenha no material.  

Quanto à promoção, a ideia de Peter Grant era fazer o grupo embarcar numa nova turnê norte-americana, mas isso nunca saiu do papel: Maureen Plant havia acabado de dar à luz outro filho, e Robert não queria sair de perto da família.

O vocalista topou, porém, um breve giro de catorze datas pela Europa. A chamada Tour Over Europe teve início em 17 de junho de 1980 na Alemanha e abrangeu Bélgica, Holanda, Áustria e Suíça. Nos setlists, apenas três músicas do recém-lançado álbum: “In the Evening”, “Hot Dog” e “All My Love”.

“In Through the Out Door” faixa a faixa

Depois de uma introdução que dá calafrios — aparentemente tirada da trilha sonora em que Jimmy Page estava trabalhando para o filme “Lucifer Rising”, de Kenneth Anger —, “In the Evening” traz guitarra e teclado quase que em pé de igualdade na mix. Mesmo o riff alavancado que conduz a faixa de abertura de “In Through the Out Door” sendo um dos mais criativos de Page, na letra Robert Plant denuncia o crescente vício em heroína do colega que, de acordo com o vocalista, vinha fazendo seu desempenho nas seis cordas, sobretudo ao vivo, cair drasticamente.

Na sequência, “South Bound Saurez” chama mais atenção pelo erro de grafia em seu título — o correto seria “Suarez”, um equivalente a “festa” em espanhol — do que pela construção erguida sobre o piano de John Paul Jones somada aos versos desprovidos de qualquer conteúdo de Plant.

Enquanto assistia à Copa do Mundo de 1978, realizada na Argentina, Page foi exposto a batidas típicas da música brasileira e deu um jeito de incorporar isso à música do Led Zeppelin, com direito a apito e tudo. Última música do grupo a entrar nas paradas estadunidenses, a tragicômica “Fool in the Rain” conta a história de um malfadado encontro em tempos pré-Tinder. Nela, é John Bonham que brilha, não só na supracitada parte em que ele parece reproduzir o vigor de uma bateria de escola de samba inteira, mas principalmente no shuffle comparativamente delicado que conduz os versos da canção.

Talvez o momento mais norte-americano da carreira do Led vem a seguir, uma vez que “Hot Dog” é 1) inspirada no rockabilly, um estilo que é a cara dos Estados Unidos e do qual Plant é fã; 2) tem em sua letra, obviamente escrita pelo vocalista, uma homenagem ao estado do Texas e; 3) o título é o nome de um dos lanches mais tradicionais daquele país. Precisa de mais?

Num caso raro de complementação narrativa dentro de um mesmo álbum da banda, “Carouselambra” traz outra letra de Plant a respeito do vício de Page em heroína, só que agora com uma abordagem mais ampla, na qual descreve quão incômoda era a situação dentro da banda; ou, como disse à Mojo em 2003: “A história completa dos últimos anos do Led Zeppelin é contada nessa letra.” Musicalmente, a faixa gira em torno de uma frase de teclado de Jones até Page assumir o protagonismo nos momentos em que o carrossel parece estacionar — ou enguiçar —, levando à reflexão.

O nome pode ludibriar, mas “All My Love” não é uma canção de amor; pelo menos não do tipo declaração de amor de um homem para uma mulher. Trata-se de uma homenagem a Karac e, segundo Plant, “à alegria que ele nos trouxe enquanto esteve entre nós”. Juntamente com “South Bound Saurez”, a penúltima faixa de “In Through the Out Door” é uma das únicas do Led nas quais Page não assina ou coassina a composição.

A exemplo do antecessor “Presence” (1976), “In Through the Out Door” encerra emotivo, desesperado, com “I’m Gonna Crawl”, na qual Plant se traveste de cantor de soul numa interpretação fantástica e Page oferece um solo de guitarra capaz de nos fazer pensar que o gênio de outrora poderia estar despertando.

“Isso não é o Led”

Lá pelas tantas, com o LP lançado e vendendo bem, deu um estalo em Jimmy Page. Deixar a direção artística e musical sob responsabilidade de John Paul Jones resultou em um álbum esmorecido, diferente de tudo o que o Led Zeppelin havia produzido desde então. John Bonham comungava do mesmo pensamento, tanto que os dois haviam começado a discutir os planos para um sucessor bem mais pesado.

Em entrevista a Brad Tolinski, da revista Guitar World, reproduzida em “Luz e Sombra” (Globo, 2012), o guitarrista revela:

“Bonzo e eu achamos ‘In Through the Out Door’ meio mole. Eu não estava convencido quanto a ‘All My Love’. Estava meio preocupado com o refrão. Fiquei imaginando as pessoas fazendo a onda, aquelas coisas. E aí pensei: ‘isso não é o Led’. Naquele momento, tudo bem, mas eu não queria seguir esse mesmo rumo no futuro.”

Quis o destino que esse sucessor nunca se concretizasse. Na madrugada de 25 de setembro de 1980, depois de um dia de ensaio e muita bebedeira, o coração de Bonham, então com 32 anos, parou de bater. Pouco mais de dois meses depois, os membros remanescentes resolveram dissolver a banda.

Led Zeppelin – “In Through the Out Door”

  • Lançado em 15 de agosto de 1979 pela Swan Song
  • Produzido por Jimmy Page

Faixas:

  1. In the Evening
  2. South Bound Saurez
  3. Fool in the Rain
  4. Hot Dog
  5. Carouselambra
  6. All My Love
  7. I’m Gonna Crawl

Músicos:

  • Robert Plant (vocal)
  • Jimmy Page (guitarra, gizmotron)
  • John Paul Jones (baixo, teclados)
  • John Bonham (bateria)

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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