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Como o álbum de estreia do Roxy Music se tornou um marco do art rock

Banda britânica ajudou a popularizar e depois redefinir o conceito de glam rock; trabalho lançado em 1972 foi o início de tudo

Entre todas as bandas que foram enormes no Reino Unido, mas nunca conseguiram conquistar a América, o Roxy Music talvez seja a mais importante na história do rock.

Formada por um apanhado de estudantes de arte, músicos avant-garde e expatriados de outras bandas semi-populares da época, o Roxy Music ajudou a popularizar e depois redefinir o conceito de glam rock, transicionando entre sons e visuais espalhafatosos no início da carreira para o pop sofisticado e sedutor dos seus discos finais.

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Além disso, o grupo foi o portal de entrada ao mundo da música de uma das figuras mais influentes de sua história, Brian Eno.

Entretanto, antes de tudo isso, precisamos começar com um estudante de arte de Newcastle.

O professor de cerâmica

Bryan Ferry pode ser reconhecido historicamente como um dos homens mais elegantes da história do rock, uma figura quase aristocrática em seu visual. Porém, o cantor nasceu numa família de classe trabalhadora no norte da Inglaterra.

Filho de um mineiro, ele cresceu obcecado com a cultura americana. Quando foi para a escola de arte, teve a oportunidade de estudar por um ano sob Richard Hamilton, um dos precursores de pop art no Reino Unido.

Após a universidade, arranjou um emprego dando aulas de arte e cerâmica numa escola particular para garotas. O trabalho lhe dava a possibilidade ainda de explorar uma carreira musical, que começou quando ainda estava na escola.

Ferry chegou a fazer testes para substituir Greg Lake como vocalista do King Crimson, mas Robert Fripp e cia não o consideraram apropriado para a posição. Aimda assim, ficaram tão impressionados com seu talento que o recomendaram mais tarde para sua agência, a E.G. Records.

O Roxy Music ganha forma

Quando foi demitido de sua posição por organizar festas onde as alunas poderiam ouvir discos, Bryan Ferry resolveu investir na carreira musical. O grupo, ainda sem nome, trazia nessa época ele e o baixista Graham Simpson, seu amigo desde os tempos de universidade. Procurando mais membros, os dois colocaram um anúncio procurando por um tecladista para colaborar.

Andy Mackay, quem responde, não tocava teclado. Contudo, trazia possibilidades musicais interessantes, sabendo tocar saxofone e oboé, além de ter um sintetizador VCS3. Ele trouxe consigo um amigo próprio dos tempos de universidade: Brian Eno, que não era músico, mas sabia operar o sintetizador e um gravador de fita graças a uma fascinação por música avant-garde que o aproximou de Mackay na escola.

O nome Roxy Music veio de uma lista de nomes de cinemas antigos, para passar uma ideia de glamour decadente. A banda passou por algumas mudanças de formação inicial enquanto ganhava cada vez mais apoio de figuras como John Peel e o jornalista Richard Williams, da Melody Maker.

Numa entrevista ao jornal The Guardian, Ferry falou como a relação dele com Williams começou:

“Eu sempre parecia concordar com seu gosto. Então pensei que se alguém iria gostar da minha música seria esse cara, então lhe mandei a fita demo da banda. E ele me ligou no mesmo dia pra falar o quanto ele tinha gostado dela.”

O hype se forma

O Roxy Music gravou uma sessão para a BBC logo após Richard Williams escrever a primeira matéria sobre eles. O hype estava se criando.

No que seria o maior momento até então da banda, um problema também passou a existir. Uma briga entre o então guitarrista David O’List e o baterista Paul Thompson durante o teste para a E.G. Records arranjado pelos membros do King Crimson resultou na saída do guitarrista. Seu lugar foi ocupado por Phil Manzanera, o roadie do grupo.

Filho de pai inglês e mãe colombiana, Manzanera não tinha o mesmo currículo de escola de arte dos outros membros, mas suas experiências crescendo na América do Sul o ajudaram a trazer conceitos diferentes, influenciados pela música latina. Ele havia sido parte da rodada de testes em que O’List havia sido selecionado, mas continuou perto do grupo por acreditar em seu potencial, como falou à revista Prog:

“Eu simplesmente sabia que eles seriam absolutamente enormes no primeiro momento que os escutei. Eles eram pessoas especiais. Eles eram todos muito estilosos e inteligentes. Eu tinha só uns 20 anos e aqui estavam esses caras de 25 anos com cara de adultos. Eles tinham ido à universidade, eles tinham contas bancárias, dois deles eram professores, eles tinham um carro; eles conseguiram um empréstimo no banco pra comprar um PA! Eles eram gente muito legal.”

Com a entrada de Manzanera, o grupo estava solidificado. Duas semanas depois, os músicos assinaram com a E.G. Records, que iria financiar a gravação do primeiro disco.

Repensando o rock

Em março de 1972, o Roxy Music entrou no Command Studios em Londres pronto para gravar seu álbum de estreia. O escolhido pela E.G. para a produção foi um nome inusitado: Peter Sinfield, mais conhecido como o letrista do King Crimson.

Manzanera falou à revista Prog sobre a escolha:

“A E.G. gerenciava a carreira dele, então eles mantiveram na família. Eu não sei por que ele foi escolhido, mas a coisa boa foi que Pete nos deixou fazer o que queríamos.”

E o que eles queriam era ambicioso. O Roxy Music não se inspirava apenas em Velvet Underground, David Bowie e música eletrônica: existia uma influência dos conceitos de pop art concebidos por Andy Warhol e Richard Hamilton – o professor de Ferry na faculdade – guiando as sensibilidades gerais do grupo.

Em seu livro “Re-Make/Re-Model: Becoming Roxy Music”, Michael Bracewell descreveu essa sensibilidade do seguinte jeito:

“Eles escolheram habitar o ponto em que belas artes e avant garde encontravam a vivacidade do pop e moda como quase uma força elemental na sociedade moderna.”

A sonoridade de “Roxy Music”, o álbum homônimo de estreia, refletia essa posição do grupo no olho do furacão cultural. Essencial para essa aglomeração musical era Brian Eno, listado como conselheiro técnico da banda. Ele pegava instrumentos e os passava pelo sintetizador VCS3, transformando o que poderia ser convencional em algo completamente novo.

Falando com o The Guardian, Bryan Ferry descreveu as gravações da seguinte forma:

“Muito do disco é o primeiro ou segundo take. Pensando sobre as canções, algumas delas são quase colagens, com diferentes sons e climas dentro delas – elas mudam de repente para algo diferente. Por exemplo, ‘Sea Breezes’ é uma canção lenta, e do nada vira um clima angular, quase oposto ao que era. Eu achava isso interessante, e essa banda era perfeita pra isso, eles eram abertos a tudo. Estávamos constantemente mexendo, mudando coisas. Eu ainda estava tentando encontrar a minha voz. Eu [agora] acho às vezes que estou cantando muito agudo, ou que deveria ter tentado outra vez.”

Quanto às influências temáticas das letras, o cinema era uma obsessão clara de Ferry, como Phil Manzanera contou à Prog:

“Essa era uma das coisas que nós dois tínhamos em comum – nós amávamos filmes. E ouvir algo como ‘2HB’, com sua homenagem a Humphrey Bogart, ou ‘Chance Meeting’ [inspirada pelo clássico de David Lean ‘Desencanto’] foi simplesmente incrível. Bryan tinha tantas ideias, e eu sempre achei que o resto de nós providenciava a música para suas palavras.”

Uma foto no corredor

Com o disco pronto e a capa icônica fotografada por Karl Stoecker no lugar, o Roxy Music só estava à espera de assinar com uma gravadora. A melhor aposta era a Island, mas um aparente desinteresse por parte do presidente e dono do selo, Chris Blackwell, estava empatando os planos.

Tudo mudou graças a um encontro corriqueiro. Um representante da Island, Tim Clark, estava olhando imagens da arte do disco (cuja capa é estampada pela modelo Kari-Ann Muller) junto a David Enthoven, empresário do Roxy Music, num dos corredores da sede da gravadora. Blackwell passou por eles, deu uma olhada no que estavam examinando e, segundo Michael Bracewell em “Roxy: The band that invented an era”, falou:

“Parece ótimo! Já assinamos com eles?”

O disco de estreia homônimo do Roxy Music saiu dia 16 de junho de 1972, e chegou ao top 10 das paradas britânicas em setembro daquele ano. Procurando promover o álbum, o grupo resolveu gravar um single novo. “Virginia Plain” chegou ao número 4 e garantiu ao grupo uma aparição no programa musical mais popular do país, “Top of The Pops”, onde o Reino Unido foi apresentado ao espetáculo visual que acompanhava as músicas.

Topetes comicamente grandes, maquiagem espalhafatosa, fantasias futuristas com estampa de leopardo e penas coloridas. Lantejoulas por todo o lado. O visual do Roxy Music era um confronto entre o passado e o futuro, o fino e o vulgar. Em entrevista ao Guardian, Bryan Ferry falou sobre as influências para a identidade visual do grupo:

“O que eu gostava sobre bandas americanas, os selos Stax e Motown, eles eram ligados em apresentação em show business, ternos de angorá, super estilosos. E a capa, eu pensei em todos os ícones da cultura pop americana, Marilyn Monroe: vendendo cigarros ou cerveja com uma imagem glamourosa. Mas tinha algo peculiar também; tinha algo meio estranho a respeito, futurista assim como retrô. Tudo isso, ao invés de uma foto da banda, numa rua sem graça, com cara de bunda. O que era o normal.”

Nada seria mais o mesmo

O álbum “Roxy Music” deu início a uma carreira ilustre à banda, em que ajudaram a revolucionar o pop subsequente. O disco seguinte, “For Your Pleasure” (1973), já não contava mais com Graham Simpson no baixo, que havia saído após as gravações da estreia. 

Logo após a turnê promovendo “For Your Pleasure”, Brian Eno deixou o Roxy Music em meio a brigas com Bryan Ferry. Eno seguiu em carreira solo, se tornando um dos nomes mais revolucionários da música eletrônica contemporânea e o maior nome a ser procurado por artistas em busca de inovação e inspiração. Ele produziu David Bowie, Talking Heads, Peter Gabriel, Devo, U2 e Coldplay.

Enquanto isso, Bryan Ferry continuou com o Roxy Music, mantendo o nível de sucesso comercial e criativo até o fim da banda em 1982, com o disco “Avalon”. O último lançamento do grupo se mostrou tão inovador quanto sua estreia, apontando o caminho pelo qual o pop seguiria naquela década.

Do início ao fim, o Roxy Music tinha a capacidade não só de ver o futuro, mas de moldá-lo também.

Roxy Music – “Roxy Music”

  • Lançado em 16 de junho de 1972 pela Island / Reprise Records
  • Produzido por Peter Sinfield

Faixas:

  1. Re-Make/Re-Model
  2. Ladytron
  3. If There Is Something
  4. 2HB
  5. The Bob (Medley)
  6. Chance Meeting
  7. Would You Believe?
  8. Sea Breezes
  9. Bitters End

(O tracklist acima é da edição britânica; a versão americana contém 10 faixas, incluindo “Virginia Plain” como a quarta)

Músicos:

  • Bryan Ferry (vocal, piano, pianet, mellotron)
  • Brian Eno (sintetizador VCS3, efeitos de fita, backing vocals)
  • Andy Mackay (oboé, saxofone, backing vocals)
  • Phil Manzanera (guitarra)
  • Paul Thompson (bateria)
  • Graham Simpson (baixo)
  • Rik Kenton (baixo em “Virginia Plain”)

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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