Ghost atinge outro patamar em seu novo álbum “Impera”

Quinto trabalho de estúdio do grupo liderado por Tobias Forge amplia uso de diferentes influências sem deixar de caprichar no conceito

O Ghost voltou a aumentar sua aposta em “Impera”. O quinto álbum de estúdio da banda, lançado nesta sexta-feira (11) pelas gravadoras Loma Vista e Spinefarm, não só estabelece de vez a banda como uma das maiores da música pesada a surgir no século 21 como também retoma experimentos e chega a testar seus próprios limites artísticos.

A situação acima descrita não é exatamente novidade para o Ghost. Desde seu terceiro disco, “Meliora” (2015), o grupo liderado pelo vocalista Tobias Forge tem buscado se afastar da estética que eles próprios criaram nos dois trabalhos anteriores e transcender o heavy metal. É som pesado, mas melódico. É heavy, mas tem refrão forte, tecladinho grudento e groove (meio) dançante. E ao mesmo tempo em que o som gruda na mente, as letras são reflexivas e vão além da vibe meramente antirreligião propagada em seus primeiros registros.

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Mas há algo diferente em “Impera” que chama atenção: os climas diferentes explorados pelas composições. “Prequelle” (2018), álbum anterior, não era exatamente metal, mas tinha uma aura densa e obscura – muito em função de sua temática, a pandemia de Peste Bubônica na Idade Média. Já nesse novo disco, que elucida de forma bem amarrada sobre os impérios e seu caráter cíclico na sociedade, há momentos de positividade que por vezes soam debochados, mas também podem parecer otimistas em alguns momentos.

Para atingir tal objetivo, o caldeirão de influências exploradas se tornou mais amplo. Há mais referências ao AOR (ou “rock de divórcio” conforme o próprio Forge define o segmento), ao hard rock e heavy metal dos anos 1980, ao rock clássico da década de 1970 e mesmo ao pop legitimamente sueco, criado não apenas por artistas como também por produtores da terra natal do grupo. Tudo isso apareceu nas obras passadas, mas não com essa frequência – o que chega a testar a banda, pois é um desafio manter sua identidade enquanto se mexe com tanto som diferente.

Se é um teste, dá para dizer que Forge e seus parceiros foram aprovados. Todos os envolvidos têm méritos: frontman, músicos (em um line-up que incluiu o competente Fredrik Åkesson, do Opeth, nas guitarras) e o produtor Klas Åhlund, que tem bagagem na música pop e trabalhou tão bem em “Meliora”. Aliás, esta é a primeira vez que a banda repete o mesmo nome para a produção, o que mostra os méritos do profissional em questão.

Ouça “Impera” abaixo, via Spotify, ou clique aqui para conferir em outras plataformas digitais. Em seguida, confira resenha faixa-a-faixa.

“Impera”, faixa a faixa

A vinheta instrumental “Imperium” deixa o ouvinte na expectativa até a entrada triunfal com “Kaisarion”, uma música que foge muito dos padrões do Ghost. Transitando por harmonia em tom maior, a canção tem uma melodia que pode ser definida como “feliz”. Os arranjos com dobras de guitarra, bateria acelerada e vocais mais agudos confirmam essa impressão – mantida só na parte musical, já que a letra é repleta de referências a Hipátia de Alexandria, filósofa e primeira matemática da história morta no século 5 por acreditar na ciência em vez da religião.

“Spillways”, na sequência, é um AOR dark que funcionaria perfeitamente como single. O teclado canastrão na abertura e a entrada gradual de instrumentos cria o clima ideal para a sequência da faixa, uma das melhores do trabalho. Grudenta até o osso.

Por falar em single, duas das três músicas divulgadas no formato promocional aparecem em seguida: “Call Me Little Sunshine” e “Hunter’s Moon”. A primeira, soturna e com claras referências à obra de Aleister Crowley, remete ao Ghost dos dois primeiros álbuns; a segunda, por sua vez, lembra os momentos mais radiofônicos dos dois últimos discos e parece avulsa ao conceito do trabalho, visto que foi composta para a trilha sonora do filme “Halloween Kills”. Ambas as faixas são boas, mas não estão entre as melhores do play, nem resumem sua sonoridade.

Clara crítica a quem contesta a ciência em pleno século 21, “Watcher in the Sky” pesa o clima do álbum em vários sentidos. Ainda soa grudenta como as músicas anteriores, mas em roupagem heavy e performance instrumental bem intensa. Por soar um pouco repetitiva em suas estruturas, a faixa é do tipo que funciona melhor no contexto do álbum do que separadamente, mas ainda é um bom momento.

Segunda das três vinhetas do disco, “Dominion” preserva o clima dark para a chegada da canção seguinte: “Twenties”, uma das mais pesadas da tracklist. Não à toa: Tobias Forge admitiu que, aqui, ritmo e melodia são inspirados pela música que rola nas festas em favelas do Brasil (hip hop ou funk ­– ele não soube especificar). Como não poderia deixar de ser, o groove irregular da bateria é um dos grandes destaques, assim como os detalhes orquestrais incluídos em certas transições e a dinâmica entre versos, que, diferentemente de “Watcher in the Sky”, praticamente não se repete. Excelente.

Os momentos finais de “Impera” são relativamente inusitados. Há uma balada (“Darkness at the Heart of My Love”), um hard rock grudento (“Griftwood”) e, além da vinheta “Bite of Passage”, uma faixa meio prog com timbres que remetem ao som da década de 1980 (“Respite On the Spitalfields”).

“Darkness at the Heart of My Love” não é só uma balada. É uma balada com estalo de dedos e vários outros clichês radiofônicos que soam até debochados nas mãos do Ghost – o que torna tudo bem divertido. Não é o caso, mas sua estrutura realmente parece ter sido elaborada por algum dos vários grandes produtores de música pop da Suécia, país que exporta bons profissionais nesse sentido.

“Griftwood”, com claras críticas a políticos que se valem da religião para chegar ao poder e cometer atrocidades (sendo Mike Pence, vice-presidente da era Trump nos Estados Unidos, a principal inspiração), também faz uso de clichês, mas do hard rock oitentista. Trechos de letra com poucas palavras, gritos de “u-uh”, transições com dobras de guitarra, versos com instrumental econômico, refrão facilmente cantarolável… está tudo ali. E funciona. Como na faixa anterior, parece adquirir certo tom irônico, já que tudo isso é executado em torno de uma letra altamente crítica.

A vinheta mais tensa entre as três, “Bite of Passage”, cria o ambiente para o encerramento definitivo com “Respite On the Spitalfields”. O tom alarmista da letra reflete sobre o movimento cíclico dos impérios de nossa sociedade ao fazer referências a Jack, o Estripador, assassino jamais capturado. Quase progressiva, a faixa de quase 7 minutos é repleta de contrastes: verso e solos apostam em timbres e construções tipicamente oitentistas, cheios de reverberação e elementos que deixam o som cheio; refrão e outras passagens instrumentais são pesadas a ponto de Tobias Forge cantar usando um tipo de gutural. Mais uma boa canção que parece funcionar melhor no contexto do disco do que isoladamente.

O império do Ghost cresce

Ao aumentar a aposta – e sair com êxitos –, o Ghost conseguiu se mostrar uma banda e tanto. Naturalmente, o projeto pode subir ainda mais de patamar. Eles já tocam em grandes arenas em todo o mundo, mas parecem não estar conformados. Querem conquistar mais público. E não abdicam da qualidade musical ou de sua identidade para chegar a tal objetivo.

Um dos grandes méritos de “Impera” é trazer um Ghost soando cada vez mais como banda. Guitarras, baixo, bateria e até mesmo teclados apareceram mais por aqui. Ainda não há muitos solos de guitarra – Tobias Forge parece dar preferência a licks estendidos em vez de solos propriamente ditos –, mas a pegada de cada músico, desta vez, está mais aparente.

Outro acerto, já citado, é conseguir apresentar letras aprofundadas mesmo em músicas de roupagem mais acessível. No passado, faixas grudentas como “Square Hammer” e “Dance Macabre” fizeram muita gente mexer os quadris enquanto a voz principal versava sobre maçonaria ou dançar no meio de uma pandemia. Aqui, você tem uma balada pop sobre quem usa a religião para se promover e um som animado e feliz sobre morte de uma pagã em prol da fé.

Não dá para dizer ainda se “Impera” é o melhor trabalho do Ghost. Sequer seria justo tecer qualquer comparação nesse sentido. Mas dá para cravar que esse álbum posiciona a banda em outro escalão.

Ghost – “Impera”

  1. Imperium
  2. Kaisarion
  3. Spillways
  4. Call Me Little Sunshine
  5. Hunter’s Moon
  6. Watcher In The Sky
  7. Dominion
  8. Twenties
  9. Darkness At The Heart Of My Love
  10. Griftwood
  11. Bite Of Passage
  12. Respite On The Spitalfields

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

2 COMENTÁRIOS

  1. Muito boa sua resenha, Igor. Como sempre!

    Adorei esse álbum. Deu vontade de abrir uma cerveja às 8 da manhã e encerrar o expediente só para ficar ouvindo e curtindo. O Ghost se consolidou mesmo como um dos maiores nomes do heavy metal mainstream.

  2. Excelente resenha!
    Estava contando as horas para o lançamento de Impera e é impressionante como álbum após álbum, Tobias não decepciona. Como fã que sou, é prazeroso ver a evolução da banda, a ousadia em que transitam por vários gêneros, e ainda sustentando (ao meu ver) uma narrativa desse “universo Ghost B.C.”. Agora, depois dessa referência ao Brasil em Twenties, uma tour de verdade pelos lados de cá deveria ser uma parada mais que obrigatória. Oremos.

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