Como o AC/DC quase rachou, mas reverteu situação em “Let There Be Rock”

Raivoso quarto disco da banda dos irmãos Young serve como resposta a problemas como queda de popularidade e dispensa da gravadora

Em seus primeiros anos, o AC/DC trabalhou duro para construir uma reputação em sua terra natal, a Austrália, e alçar voos maiores. Contudo, em 1976, mesmo o sucesso caseiro estava em risco. A resposta da banda foi um disco furioso, lembrado como seu primeiro grande trabalho: o clássico “Let There Be Rock”.

Entre 1975 e 1976, o AC/DC mudou suas operações de Sydney para Londres, na Inglaterra. Após uma bem-sucedida turnê pelo Reino Unido, era hora de colher os louros do sucesso em mais apresentações na volta à Austrália, certo? Errado: apenas os fãs mais ferrenhos compareciam aos shows, que simplesmente não lotavam.

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O sentimento geral era de que o AC/DC havia “se vendido” ao se mudar para a Europa. O álbum mais recente até então, “Dirty Deeds Done Dirt Cheap” (1975), havia alcançado “apenas” o 5º lugar nas paradas da Austrália, o que foi encarado como fracasso pelos irmãos guitarristas Malcolm e Angus Young.

Nada é tão ruim que não possa piorar

Em meio a uma turnê exaustiva e baixa popularidade, uma notícia quase rachou o AC/DC. Em entrevista à Classic Rock, o então empresário do grupo, Michael Browning, relembrou o telefonema que recebeu do escritório centra da gravadora Atlantic Records, nos Estados Unidos.

“No meio da turnê, eu recebo uma ligação dizendo que a Atlantic Records na América não gostou do álbum ‘Dirty Deeds’. E que, na verdade, eles iam tirar a banda do selo. Foi aí que as coisas ficaram realmente ruins.”

O clima interno piorou drasticamente com a notícia. Felizmente, o AC/DC tinha fãs também entre os homens de negócios que cercavam o grupo: Phil Carlson, chefe da divisão britânica da Atlantic e responsável por assinar com a banda inicialmente, conversou com quem pôde para reverter a decisão – incluindo Neshui Ertegun, irmão do lendário dono do selo, Ahmet Ertegun, que tratou de recontratar os caras.

O problema é que o estrago já estava feito. Se os americanos não haviam gostado de “Dirty Deeds”, o grupo não se dobraria ao que a gravadora esperava em seu próximo álbum. Browning relembrou o pensamento de Malcolm, o integrante que era de fato o líder da banda.

“A atitude de Malcolm foi o oposto: total desdém pelo que os americanos pensavam. Essa foi a atitude deles o tempo todo, que foi o que os tornou tão sustentáveis e gigantes: nunca ceder em situações como essa.”

Cansados, desiludidos e furiosos, os músicos entraram no Albert Studios, em Sydney, onde gravaram todos os seus discos até aquela época. O resultado foi uma explosão sonora.

Que haja guitarras!

Trazendo novamente para a produção o irmão mais velho de Angus e Malcolm, George Young, e seu parceiro Harry Vanda, o AC/DC entrou em estúdio armado até os dentes. O então baixista Mark Evans, em entrevista à Classic Rock, resumiu bem o sentimento da banda pela rejeição doméstica e também da gravadora naquele momento – o primeiro grande “tombo” de sua história.

“Quando descobrimos que a Atlantic tinha nos derrubado, nossa atitude foi ‘F#dam-se eles! Quem diabos eles pensam que são?’ Então daquele ponto em diante foi ‘f#da-se, vamos mostrar a eles’. Estávamos muito bravos com isso. Não havia o que discutir. Nós íamos entrar e fazer aquele álbum e enfiar no rabo deles.”

George Young comprou a briga dos irmãos e estava disposto a fazer um álbum poderoso. Sua produção, que ajudou a moldar o som do AC/DC tanto quanto qualquer músico que já passou pela banda, teve um papel definitivo aqui. Angus Young, falando ao Rock Backpages, relembrou um pedido que fez ao mais velho dos irmãos.

“Nosso irmão George perguntou que tipo de álbum queríamos fazer e nós dissemos que seria ótimo se pudéssemos fazer com um monte de riffs de guitarra, porque estávamos todos empolgados depois de fazer toda essa turnê.”

A “empolgação” da turnê não era a única razão pela qual os irmãos Young queriam guitarras pesadas, é claro, mas é inegável que o resultado foi atingido. As gravações foram rápidas e certeiras, com no máximo dois ou três takes por faixa. Alguns erros acabavam passando caso todos decidissem que a vibe era boa e o deslize não fosse muito comprometedor.

Na época, o AC/DC gravava basicamente ao vivo em estúdio – e isso significava ao vivo “de verdade”. Angus, durante seus solos, se jogava no chão e escalava caixas e amplificadores da mesma forma que fazia nos palcos, o que só colaborava para a atmosfera intensa.

Não havia nem mesmo um metrônomo: a banda apenas seguia o baterista Phil Rudd e se entregava totalmente ao que estava sendo feito.

Quase lá

Hoje lembrado como o primeiro álbum digno de nota lançado pelo AC/DC, a verdade é que “Let There Be Rock” não representou o “renascimento” esperado. De volta à Inglaterra, o grupo foi engolido pelo punk rock que acabava de surgir – e do qual os irmãos Young inicialmente desdenharam bastante.

A turnê de divulgação do álbum incluiu doze datas abrindo para os veteranos do Black Sabbath. A convivência era tão difícil que as datas foram interrompidas após uma briga envolvendo Malcolm Young e o baixista do Sabbath, Geezer Butler, que teria puxado uma faca para o guitarrista – e apanhado dele.

A crítica especializada não foi lá muito gentil com “Let There Be Rock”, embora as avaliações não fossem tão negativas. As vendas também não empolgaram: o trabalho chegou ao 17º lugar nas paradas do Reino Unido e 19º na Austrália, o que resultou em uma “mágoa” ainda maior do grupo com sua terra natal, para onde voltariam só muito tempo depois.

Até mesmo o clima interno entre os músicos piorou um pouco. Ainda em 1977 foi demitido o baixista Mark Evans, que acabou substituído por Cliff Williams. O álbum seguinte, “Powerage”, teria resultados ainda mais modestos. O sucesso só viria mesmo com “Highway to Hell” (1979), logo antes da trágica morte de Bon Scott.

Mesmo não tendo feito sucesso na época de seu lançamento, “Let The Be Rock” mostrou pela primeira vez o real poder de fogo do AC/DC. Músicas como a faixa-título, “Whole Lotta Rosie” e “Hell Ain’t a Bad Place To Be” se tornaram clássicos instantâneos, ocupando local de destaque no setlist da banda até hoje. Além disso, o trabalho ajudou a moldar a sonoridade que a banda passou a seguir em seus registros seguintes.

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André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes é jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Interessado em música desde a infância, teve um blog sobre discos de hard rock/metal antes da graduação e é considerado o melhor baixista do prédio onde mora. Tem passagens por Ei Nerd e Estadão.

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