Como o Guns N’ Roses abraçou o grandioso (e implodiu) nos álbuns “Use Your Illusion”

Lançados em conjunto em 17 de setembro de 1991, discos revelaram grande potencial da banda, que nunca mais foi a mesma após o trabalho

É difícil explicar, com palavras, a grandiosidade que o Guns N’ Roses atingiu entre o fim da década de 80 e o início dos anos 90. A compreensão facilita quando se ouve os álbuns “Use Your Illusion I” e “Use Your Illusion II”, ambos lançados em 1991.

Mesmo antes do Guns estourar, todos sabiam que a banda era boa. E demorou a engrenar. Somente um ano após o lançamento de seu disco de estreia, “Appetite for Destruction” (1987), o grupo formado por Axl Rose (voz), Slash (guitarra solo), Izzy Stradlin (guitarra rítmica), Duff McKagan (baixo) e Steven Adler (bateria) começou a desfrutar da merecida popularidade.

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A fama veio de forma tão intensa que os planos dos caras tiveram de ser alterados no meio do caminho. Algo que certamente não estava previsto era o lançamento do álbum “GN’R Lies” (1988), feito às pressas com quatro faixas acústicas e outras quatro gravações antigas que estavam no EP “Live Like a Suicide” (1986).

“Lies”, que apresenta o hit “Patience”, até amenizou um pouco a espera dos fãs do Guns N’ Roses por novas músicas. Porém, a vontade não seria saciada até 17 de setembro de 1991, quando os dois “Illusion” foram lançados de uma vez só.

Novas armas

A formação do Guns N’ Roses que gravou “Use Your Illusion”; da esquerda para a direita: Duff McKagan, Axl Rose (em pé), Dizzy Reed, Matt Sorum (em pé), Izzy Stradlin e Slash

Antes mesmo de “Use Your Illusion” começar a ser gravado, o Guns N’ Roses passou por algumas mudanças. Além da entrada do tecladista Dizzy Reed, o grupo perdeu o baterista Steven Adler, demitido após uma série de problemas com seus vícios.

A vaga foi assumida pelo já experiente Matt Sorum, que, antes, havia tocado com o The Cult. Curiosamente, o próprio Sorum admite, em recente entrevista ao Drum for the Song, que sua passagem pelo grupo seria, inicialmente, temporária.

“Eu vim do The Cult e, por sorte, Slash e Duff viram meu último show com eles. Na época, o Cult estava muito bem, no auge. Então, Slash e Duff me viram e eu acabei entrando. Originalmente, eu substituiria Steven Adler e só faria o álbum, e ele voltaria depois.”

Apenas a versão de Adler para “Civil War” foi mantida no disco. De resto, tudo foi gravado por Sorum, que, ao lado de Reed, fez seu primeiro show com a banda justamente no Brasil – mais especificamente, no palco do festival Rock in Rio, em janeiro de 1991, sete meses antes dos álbuns serem lançados. O baterista relembra:

“Nem tínhamos terminado de gravar os discos. Fizemos uns três meses de turnê onde tocávamos músicas que ninguém nunca tinha ouvido até então. […] Se você assistir ao vídeo do show do Rock in Rio 1991, abrimos com uma música que ninguém conhece, mas os fãs piraram mesmo assim. Abrimos com ‘Pretty Tied Up’ (que entraria em ‘Use Your Illusion I’), uma música bem legal.”

https://www.youtube.com/watch?v=oQCU9jaBJVI

Como de costume, gravações tumultuadas

Naqueles tempos, trabalhar com o Guns N’ Roses era, no sentido social da coisa, sinônimo de dor de cabeça. Os caras causaram problema até mesmo para terminar de gravar esses dois álbuns. A expectativa era que o processo levasse pouco menos de um ano, mas arrastou-se de janeiro de 1990 até agosto de 1991.

O atraso, claro, era atribuído a Axl Rose. Em entrevista, Matt Sorum relembra que o álbum de covers “The Spaghetti Incident?” (1993) foi gravado enquanto a banda esperava Rose concluir sua parte nos “Illusions”.

“Colocaram a banda na estrada. (em janeiro de 1991) Antes disso, Axl teve que finalizar todos os vocais, teve que cantar as 30 músicas. Começamos a gravar ‘The Spaghetti Incident?’ enquanto esperávamos Axl. O disco de covers foi feito antes mesmo da turnê dos ‘Illusion’. Daí, saímos naquela enorme turnê sendo que nem tínhamos terminado de gravar os álbuns.”

https://www.youtube.com/watch?v=6j0HfZCP-og

Apesar disso, o resultado artístico, como habitual, ficou acima da média. Há músicas excelentes nos dois álbuns, embora muitos fãs – como eu – concordem que dava para aglutinar as melhores faixas em um só disco.

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Don’t Cry“, “November Rain“, “Estranged“, “You Could Be Mine”, “Civil War”, “Yesterdays” e os covers de “Live and Let Die” (Wings) e “Knockin’ on Heaven’s Door” (Bob Dylan) são os grandes hits do trabalho. O destaque a essas faixas é compreensível, pois elas são, de fato, ótimas.

Porém, ao mergulhar nesse repertório total de 30 músicas, dá para encontrar verdadeiras pérolas. Alguns de meus destaques pessoais nesse sentido são “Dust N’ Bones” e “14 Years”, ambas com vocal principal de Izzy Stradlin; “Bad Obsession”, com gaita e sax de Michael Monroe (Hanoi Rocks); “Double Talkin’ Jive”, incrível na versão ao vivo; “The Garden“, com a incrível participação de Alice Cooper; “Pretty Tied Up”, que Matt Sorum também adora; e “Locomotive”, uma paulada quase progressiva.

Diferenças

“Use Your Illusion I” e “Use Your Illusion II” são, sobretudo, discos separados. Obviamente, eles se complementam, pois têm capas semelhantes (inspiradas na obra “Escola de Atenas“, do pintor renascentista Raphael), foram produzidos em conjunto e chegaram a público na mesma data. Ainda assim, são trabalhos distintos.

Por mais que existam momentos explosivos, épicos, baladescos e acelerados em ambos os discos, “Use Your Illusion I” soa como o álbum que o Guns N’ Roses faria no fim da década de 80 se tivesse que gravar um sucessor imediato para “Appetite for Destruction”. Não à toa, tem músicas que foram criadas entre 1985 e 1986, como “Don’t Cry”, “Back Off Bitch” e “November Rain”.

Por sua vez, “Use Your Illusion II” mostrava alguns caminhos que a banda poderia ter seguido após a saída de Izzy Stradlin, confirmada ao fim de 1991. Há mais faixas longas – somente duas não passam dos 4 minutos de duração – e experimentais, com mais pianos, violões, entre outros instrumentos diferentes. Soa mais elaborado e até mesmo ousado.

Os momentos mais experimentais dos dois álbuns foram, justamente, os mais difíceis de se trabalhar, na visão de Slash. Em entrevista ao Music Radar, o guitarrista comentou:

“Foi difícil criar arranjos para ‘November Rain’ e ‘Estranged’ porque elas eram muito abertas. Tivemos que cortar ‘November Rain’. Mas essas eram as composições épicas de piano de Axl e tiveram solos revolucionários para mim. Solos realmente melódicos, sabe? Consegui alguns sons legais, muito espontâneos melodicamente.

Compus ‘Coma’ em meu delírio de heroína. É uma música da qual ainda tenho orgulho. Não há muita ‘técnica’ – é uma abordagem bem direta, meio Slash. […] Tem a mesma progressão de acordes o tempo todo, mas seguia mudando de tom. Foi minha descoberta matemática musical.”

Passo maior que a perna?

Os dois volumes de “Use Your Illusion” podem ter sido, talvez, sido um passo maior do que as pernas do Guns N’ Roses. Não em vendas, é claro: a banda colocou os dois discos no topo das paradas de vários países, incluindo Estados Unidos e Reino Unido. Hoje, estima-se que ambos os álbuns tenham vendido, juntos, mais de 15 milhões de cópias em todo o mundo.

Não dá para negar que eles se tornaram, com méritos, a maior banda do mundo naquele período. Mesmo com a explosão do grunge e do rock alternativo, pouco tempo depois, o Guns se manteve em alto patamar.

O problema é que, depois de dois discos com 30 faixas ao total e uma turnê de quase 200 shows, distribuídos em dois anos e meio de duração, os envolvidos sequer se aguentavam mais. O grupo implodiu. Em entrevista à Rolling Stone, Matt Sorum destaca:

“Quando entrei, havia os quatro caras originais. Quando ficamos tão grandes (após os ‘Illusion’), a máquina meio que assumiu o controle. Tomamos decisões que não estavam completamente claras em nossas mentes, com base no álcool e nas drogas. Se havia alguém sóbrio, era Axl. Ele sempre foi acusado de ser o pior viciado em drogas, mas estava apenas tentando conduzir o navio.

[…] Algumas vezes, eu perdi o controle e comecei a ferrar tudo também. Havia muita loucura rolando. Fazia parte daqueles tempos, da maquiagem da banda e de tudo no entorno. Quando Izzy saiu, acho que ele não conseguia mais estar por perto naquele nível. Virou aquela montanha-russa maluca da qual você não consegue sair. Era quase incontrolável.”

Como já adiantado, o primeiro a deixar toda aquela baderna foi Izzy Stradlin. Ao fim de 1991, o guitarrista alegou estar cansado de tudo aquilo e pediu as contas.

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Slash, inclusive, acredita que Stradlin dava sinais de que deixaria o Guns mesmo durante as gravações dos “Illusion”. Ao Music Radar, ele comentou que, às vezes, ninguém achava o guitarrista para concluir suas funções em estúdio.

“Havia um problema com com Izzy. O álbum alcançou proporções tão gigantescas em termos de complexidade e produção, além da expectativa massiva, que Izzy começou a sair daquilo. Era cada vez mais difícil de encontrá-lo. Aquilo tudo ia contra a filosofia rock and roll dele – com a qual eu concordo totalmente.

Gravamos as pistas básicas das músicas e acho que foi isso que deu aos álbuns uma sensação tão natural. Mas quando começamos a entrar naquele tempo que levava para gravar vocais e overdubs, ele meio que desapareceu.”

Izzy foi substituído por Gilby Clarke no restante da gigante turnê que promovia aqueles discos, que seguiu até a metade do ano de 1993 e foi retratada nos vídeos “Use Your Illusion World Tour – 1992”. A estadia de Clarke pela formação não durou muito: acabou demitido em 1994, após o lançamento do álbum de covers “The Spaghetti Incident?” (1993).

A situação, inclusive, estremeceu a relação entre Axl Rose e Slash, que já não vinha boa. O guitarrista solo diz que o cantor sequer o consultou sobre a dispensa do colega.

Um a um, os integrantes do Guns abandonaram o barco: Slash, em 1996; e Duff McKagan e Matt Sorum, ambos em 1997. Em determinado momento, restaram apenas Axl, Dizzy Reed e o substituto de Gilby, Paul Tobias.

O grupo foi reformulado diversas vezes até os recentes retornos de Slash e Duff, já em 2016. A fase atual é boa para os caras, mas dá para assegurar que nunca mais a magia dos tempos de “Use Your Illusion” foram repetidas. A ilusão não se perpetuou.

Guns N’ Roses – “Use Your Illusion I”

  1. Right Next Door to Hell
  2. Dust N’ Bones
  3. Live and Let Die
  4. Don’t Cry (Original)
  5. Perfect Crime
  6. You Ain’t the First
  7. Bad Obsession
  8. Back Off Bitch
  9. Double Talkin’ Jive
  10. November Rain
  11. The Garden
  12. Garden of Eden
  13. Don’t Damn Me
  14. Bad Apples
  15. Dead Horse
  16. Coma

Guns N’ Roses – “Use Your Illusion II”

  1. Civil War
  2. 14 Years
  3. Yesterdays
  4. Knockin’ on Heaven’s Door
  5. Get in the Ring
  6. Shotgun Blues
  7. Breakdown
  8. Pretty Tied Up (The Perils of Rock n’ Roll Decadence)
  9. Locomotive (Complicity)
  10. So Fine
  11. Estranged
  12. You Could Be Mine
  13. Don’t Cry (Alternate Lyrics)
  14. My World

Músicos de ambos os álbuns

  • Axl Rose (vocal, piano, sintetizadores, programação, violão, guitarra em “Shotgun Blues”, bateria programada, backing vocals)
  • Slash (guitarra, slide guitar, violão, banjo, dobro, violão erudito, talkbox, baixo de seis cordas, backing vocals)
  • Izzy Stradlin (guitarra, violão, backing vocals, voz principal em “Dust N’ Bones”, “You Ain’t the First”, “Double Talkin’ Jive” e “14 Years”)
  • Duff McKagan (baixo, violão, backing vocals, voz principal em “So Fine”)
  • Matt Sorum (bateria, percussão, backing vocals)
  • Dizzy Reed (teclados, backing vocals)

Músicos adicionais em ambos os álbuns

  • Steven Adler (bateria em “Civil War”)
  • Shannon Hoon (backing vocals em “Live and Let Die”, “November Rain”, “You Ain’t the First” e “The Garden”; co-vocais em “Don’t Cry”)
  • Johann Langlie (programação em “Live and Let Die”, “November Rain” e “Garden of Eden”; efeitos em “Coma” e “My World”)
  • Michael Monroe (gaita e saxofone em “Bad Obsession”)
  • The Waters (backing vocals em “Knockin’ on Heaven’s Door”)
  • Howard Teman (piano em “So Fine”)
  • Reba Shaw e Stuart Bailey (backing vocals em “November Rain”)
  • Jon Thautwein, Matthew McKagan, Rachel West e Robert Clark (trompa em “Live and Let Die”)
  • Tim Doyle (percussão em “You Ain’t the First”)
  • Alice Cooper (co-vocal em “The Garden”)
  • West Arkeen (violão em “The Garden”)
  • Bruce Foster (efeitos em “Coma”)
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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

3 COMENTÁRIOS

  1. Parabéns pela ótima matéria. Bons detalhes e ótimo texto, com informações completas. Difícil de ver isso hoje em dia, onde o pessoal tem preguiça de pesquisar e escrever. Não existem textos grandes, existem textos chatos. E esse está excelente pra ler de uma vez só. Show de bola!

  2. Excelente resenha! Concordo que o I Illusion seria uma continuação da abordagem de Appetite enquanto o II dava sinais de qual caminho a banda iria seguir. Sempre vi como um único album, divido em duas partes, mas se tivesse que escolher um seria o I, ele me parece mais coeso. Era uma era de ouro, e ambos são clássicos do Rock. Parabéns pelo texto, principalmente por ao mesmo tempo que opina traz uma retrospectiva dos momentos (antes, durante e depois) dos lançamentos dos registros, o que ajuda demais a entender o contexto de criação deles. E Locomotive é a canção mais injustiçada da história do Guns.
    Igor, você escreve muito bem, seu Site é incrivel, um abrigo para os amantes do Rock. Mais uma vez, parabéns!

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