Nenhum músico em sã consciência – ou com poder de escolha – entra em estúdio para gravar uma música que considera ruim. Ao mesmo tempo, ninguém consegue desempenhar um bom trabalho quando não está bem ou quando está em um ambiente ruim. Essa dualidade ajuda a explicar um pouco o que ocorreu com o Kiss nos álbuns lançados antes de “Creatures of the Night” (1982).
Para entender tal cenário, é preciso voltar à série de decisões erradas tomadas por Paul Stanley (voz e guitarra), Gene Simmons (voz e baixo), Ace Frehley (guitarra) e Peter Criss (bateria), bem como sua equipe de gerenciamento, a partir de “Alive II” (1977) – ou seja, retornar em cinco anos.
O caminho até “Creatures of the Night”
Por um lado, havia enorme empolgação em torno do Kiss. A banda havia se tornado um fenômeno de popularidade na segunda metade da década de 70. O apelo era forte especialmente entre a molecada: aquele hard rock cativante aliado a um visual de super-heróis era irresistível. Era, inclusive, um cenário propício para o desenvolvimento de merchandising inédito no mundo do rock. Foi aqui que o grupo passou a vender todo tipo de produto relacionado, inclusive HQs em parceria com a Marvel onde o sangue dos próprios músicos foi usado junto à tinta.
Por outro lado… bem, havia enorme empolgação em torno do Kiss. E isso atrapalhou muitos processos que deveriam ser considerados naturais para a evolução de uma banda após a conquista do estrelato. Exaustão, abuso de drogas por dois integrantes (Ace Frehley e Peter Criss), brigas e uma megalomania inexplicável deram origem a uma série de projetos equivocados a partir de 1978.
O primeiro deles foi o lançamento simultâneo de quatro álbuns solo. A ideia era apaziguar os ânimos e dar holofotes aos quatro integrantes; o resultado foi uma rachadura ainda maior, movida pela competição entre os trabalhos e o inesperado sucesso do material de Frehley. Em seguida, saiu o filme “Kiss Meets the Phantom of the Park”, feito por pessoas que até poderiam gostar de cinema, mas não entendiam nada do assunto.
“Dynasty” (1979) e “Unmasked” (1980), álbuns que vieram na sequência, retratam uma banda que buscava desesperadamente a manutenção de seu sucesso ao absorver a influência da disco music, em alta no período. Para manter a roda girando, deixaram o próprio baterista de lado e trouxeram um músico de estúdio, Anton Fig, para tocar em seu lugar.
De ambos os trabalhos, saiu apenas um hit incontestável: “I Was Made for Lovin’ You”, que fez o Kiss ser adorado por todos os públicos. Mas ser unanimidade deveria mesmo ser o objetivo de uma jovem banda de rock?
Infelizmente, Paul Stanley e Gene Simmons não fizeram tal reflexão a tempo de evitar o álbum “Music from The Elder” (1981), maior fiasco de sua carreira e resultado da ambição de serem reconhecidos pela crítica. Eric Carr já havia assumido a vaga de Peter Criss, mas aquele disco custaria a permanência de Ace Frehley. Ao livro “Kiss por trás das máscaras”, o guitarrista garantiu que ao menos ele havia feito autocrítica àquela altura:
“Meus sentidos me diziam que devíamos fazer um disco heavy metal e voltar às origens, mas Paul e Gene não concordavam comigo. Eles queriam fazer um álbum-conceito com (o produtor Bob) Ezrin e eu estava sempre contra o projeto inteiro, mas meu voto foi vencido. Aqui estou eu numa das maiores bandas do mundo e me sinto como se tivessem me castrado porque não podiam ter ignorado o meu voto.”
Kiss procurando na escuridão
Quando o Kiss enfim começou a construir as bases para lançar um álbum pesado e obscuro, como desejado por Ace Frehley, o próprio guitarrista já estava fora. Frustrado com a banda e com a saída de Peter Criss, o músico acertou seu rompimento em junho de 1982 – um mês antes de “Creatures of the Night” começar a ser gravado.
Curiosamente, Ace – que àquela altura era apenas um alcoólatra funcional – seguiu em uma espécie de “cabide de emprego”. Sua saída só foi oficializada em dezembro daquele ano, quando a turnê do disco foi iniciada. É por isso que ele aparece na capa e em fotos e vídeos promocionais do trabalho, ainda que não tenha tocado uma nota sequer nas gravações. O mesmo ocorreu na coletânea “Killers” (1982), que tem quatro faixas inéditas e traz o músico na arte da capa, mas guitarras assinadas por Bob Kulick. Por seis meses, o Spaceman fingiu estar no grupo que o consagrara.
Se isso já não é bizarro por si só, os demais acontecimentos daqueles seis meses beiram o inacreditável para uma banda de rock como o Kiss: vários nomes de uma lista ainda maior de músicos que tentaram ocupar a vaga de Frehley acabaram tocando em “Creatures of the Night”. A ficha técnica do disco é imensa e envolve uma série de instrumentistas obscuros, mais notórios por atuações em estúdio do que no palco. Teve até baixista secreto no lugar de Gene Simmons em determinados momentos.
Havia instabilidade enquanto grupo e também enquanto indivíduos. Paul Stanley enfrentava uma depressão após sua então namorada, a atriz Donna Dixon, trocá-lo pelo colega de profissão Dan Aykroyd, de “Os Caça-Fantasmas”. Gene também lutava contra a tristeza de um término com Diana Ross, mas havia outro problema: fascinado pela fama, ele contemplava cada vez mais a ideia de se tornar um ator de Hollywood mesmo sem o menor talento para isso. Some tudo isso ao fato de que o dono da gravadora Casablanca e ferrenho apoiador da banda desde seu início, Neil Bogart, morreu de câncer em maio de 1982, pouco antes das gravações começarem.
Aquele era, de longe, o pior momento para se trabalhar em um álbum de canções inéditas. Surpreende que, no fim das contas, tenha dado tão certo.
Eu gosto é do barulho
Praticamente todo músico de rock que residisse nos Estados Unidos pareceu ter ficado sabendo que o Kiss procurava um novo guitarrista. De um jovem Slash à época com 18 anos ao recém-imigrado Yngwie Malmsteen, passando por Doug Aldrich (futuramente Whitesnake), Richie Sambora (futuramente Bon Jovi), Punky Meadows (Angel) e Steve Farris (Mr. Mister) foram alguns dos vários nomes considerados.
Mas o guitarrista que provocou as especulações mais duradouras foi Eddie Van Halen. Gene Simmons jura de pés juntos que, à época, o músico queria abandonar a banda que levava seu sobrenome, o Van Halen, devido às constantes brigas com o vocalista David Lee Roth. Por sua vez, Paul Stanley nega que essa possibilidade tenha sequer existido. Fato é que Eddie tinha uma ligação com Gene, creditado como o “descobridor” de sua banda, mas as chances dessa possibilidade absurda terem sido reais são muito baixas.
No fim das contas, a vaga ficou com Vinnie Vincent. Ou melhor: Vinnie Cusano / Vincent Cusano, como era conhecido à época. O guitarrista americano nascido em Bridgeport, Connecticut, já tinha uma produtiva carreira como músico de estúdio quando recebeu a oportunidade. Trabalhara com Dan Hartman, Laura Nyro e Felix Cavaliere, além de ter tentado a sorte com bandas como Treasure e Warrior. Além da habilidade na guitarra, diferenciava-se por ser um compositor prolífico – não à toa, coassina as músicas “I Love It Loud”, “I Still Love You” e “Killer”.
O guitarrista relembra:
“Tudo ainda era muito novo para mim. Eles ainda estavam selecionando vários guitarristas. A maneira como selecionavam era simplesmente pedir que viessem no estúdio e tocassem algumas músicas. Acho que isso fazia parte do processo de seleção e, num determinado momento, me pediram para tocar. Toquei e, como compúnhamos realmente bem juntos, acabei terminando o disco e no fim me juntei ao grupo.”
Guitarras e composições eram os dois campos onde o Kiss mais precisava de ajuda naquele momento. O produtor Michael James Jackson foi certeiro ao detectar especialmente o segundo ponto e conduzir as buscas em ambos os campos.
Quanto ao instrumento, houve participação de pelo menos quatro nomes: o próprio Vincent (em “Saint and Sinner”, “Keep Me Comin’”, “Danger”, “I Love It Loud”, “Killer” e “War Machine”), Robben Ford (“I Still Love You” e “Rock and Roll Hell”), Steve Farris e Adam Mitchell (ambos na faixa-título). Bob Kulick também colaborou com as gravações, mas nenhum de seus trabalhos foi usado na versão final do disco. Como extra, dois baixistas também atuaram: Mike Porcaro (na faixa-título) e Jimmy Haslip (em “Danger”).
Ao livro “Kiss por trás das máscaras”, Michael James Jackson comentou:
“Ace não participou do disco e por isso tivemos muitos outros guitarristas que fizeram testes e, na verdade, vários deles participaram em solos no disco. […] Eu me lembro que trouxemos aproximadamente oito guitarristas diferentes e rejeitamos cerca de seis deles. Foi um processo longo e tedioso para achar o cara certo com o toque adequado. […] Aqueles dias eram muito loucos, mas nós estávamos motivados a fazer algo especial, algo que realmente valesse a pena, algo que durasse para sempre. A tecnologia também estava a todo o vapor naquele momento. […] Em geral, os solos de guitarra eram um problema sério porque estava claro que Ace não estava muito a fim de tocar naquele disco.”
Já no departamento criativo, foram trazidos compositores como Adam Mitchell, Mikel Japp e uma dupla canadense até então desconhecida: Bryan Adams e Jim Vallance. Mitchell coassina “Keep Me Comin’”, “Danger” e faixa-título; Japp coescreveu “Saint and Sinner” e Adams & Japp são parcialmente responsáveis por “Rock and Rol Hell” (gravada anos antes pelo Bachman-Turner Overdrive) e “War Machine”. Todos eles, com exceção de Vallance, já haviam colaborado com as canções inéditas da compilação “Killers”.
Quando entrevistei Bryan Adams, não pude deixar de perguntar a ele sobre Kiss. Na ocasião, ele contou que “War Machine” surgiu de um riff de Gene Simmons, sendo lapidada por ele e Jim Vallance em seguida:
“Fiz sozinho uma gravação dela na minha máquina de cassetes e toquei para Jim Vallance. Depois criamos a música em torno do riff de Gene. Eu criei o título da música, pois queria criar uma música sobre um dos tópicos mais pesados que eu poderia pensar: guerra.”
A história de “Rock and Roll Hell” é um pouco mais extensa, já que se trata de uma regravação.
“‘Rock and Roll Hell’ foi originalmente composta por Jim Vallance e lançada pelo BTO alguns anos antes desta versão (em 1979). Sempre adorei o refrão e quando surgiu o projeto do Kiss, sugeri ao Jim que reescrevêssemos os versos para contar uma história melhor. Reduzimos o ritmo para encaixar com outras músicas que estávamos escrevendo na época, como ‘Fits Ya Good’. Enviamos para Gene, que gostou tanto da música que escreveu um terceiro verso para ela. Nem Jim nem eu achávamos que a música precisava de um terceiro verso, mas o ultimato era: um terceiro verso entra ou o Kiss não gravaria a música. Optamos pelo terceiro verso.”
“Creatures of the Night”, faixa a faixa
Mesmo com tanta gente envolvida, várias indefinições quanto ao futuro do Kiss e problemas pessoais acometendo os líderes, “Creatures of the Night” é um grande disco. Mostrou que, no fim das contas, não importava tanto quem tocasse: bastaria ter Paul Stanley e Gene Simmons conscientes do caminho que deveriam seguir para atingir um bom resultado.
A faixa que dá nome ao álbum foi uma das grandes responsáveis por isso. Claramente influenciada pelo heavy metal que começava a tomar espaço nas rádios, a canção tornou-se figurinha carimbada nos repertórios de shows nas décadas de 1980 e 1990. Paul Stanley relembra ao livro “Kiss por trás das máscaras” que se o disco representa “uma retomada do desejo e interesse de ser a banda do início e um retorno ao essencial”, a música que o abre é fortemente responsável por dar a identidade e o tom de tudo aquilo. E isso foi conquistado com uma formação alternativa: Paul Stanley nos vocais e guitarra base, Steve Farris na guitarra solo (com contribuições de Adam Mitchell), Mike Porcaro no baixo e Eric Carr na bateria.
“Saint and Sinner”, por sua vez, é a melhor contribuição de Gene Simmons a um álbum do Kiss desde seus momentos mais grandiosos de “Love Gun”. É consenso: faltou um pouco mais do Demon tanto antes quanto depois deste álbum. Também serve como um legítimo cartão de visitas de Vinnie Vincent, que gravou solos grandiosos aqui – aliás, ele também gravou a guitarra base, configurando uma sessão em trio, já que Paul Stanley não participou.
Para “Keep Me Comin’” – cujo refrão é ouvido como “e o cara que me come” entre bem-humorados fãs brasileiros –, Paul Stanley resgatou a influência máxima do Led Zeppelin, que tanto o guiou nos primórdios do Kiss. Agora, porém, eles contavam com um baterista que realmente se inspirava muito em John Bonham. Aliás, todo esse disco reflete o amor de Eric Carr por Bonzo, o que só engrandeceu sua performance. Vale destacar ainda que, de acordo com o Starchild, esta música foi a última a ser editada para se juntar ao álbum. Resume bem a estética musical do registro, mas até por ter entrado nos momentos finais, soa um pouco dispersa se comparada às duas faixas anteriores.
Em “Rock and Roll Hell”, Gene Simmons volta a vencer qualquer desconfiança. O Demon está em território conhecido, mesmo se considerarmos que se trata de uma música para a qual ele diz ter “contribuições mínimas”. Também é um dos grandes momentos guitarrísticos do trabalho, visto que Robben Ford gravou tanto solos quanto bases. O homem sabe o que faz. Méritos também de Michael James Jackson, que não só gerenciou bem a presença de vários guitarristas em estúdio, como também ajudou a desenvolver o som forte da bateria de Eric que tanto marcou esta e outras faixas.
“Danger” volta a ter Paul Stanley no comando e Vinnie Vincent na guitarra solo. Pelas batidas mais rápidas, talvez seja a canção que mais antecipe o que seria apresentado pelo Kiss nos álbuns anteriores, especialmente “Lick It Up” (1983). Novamente, outra formação alternativa: Stanley, Vincent, Carr e… Jimmy Haslip no baixo. Não foi por preguiça de Gene: Michael James Jackson destaca que o integrante original estava com problemas para gravar o que se esperava dele ali, então, Haslip foi trazido. O próprio baixista comenta:
“Eu tinha trabalhado com o produtor do Kiss, Michael James Jackson, em uma sessão anterior com Robben Ford, que também tocou em ‘Creatures of the Night’. Michael me chamou e pediu que eu fosse até a Record Plant e tocasse baixo em várias músicas para o novo disco do Kiss. Acho que a banda estava com alguns problemas de agenda e precisava terminar as faixas com rapidez. Uma das músicas que toquei foi ‘Danger’. Gene estava lá comigo no estúdio e me ensinou os arranjos. Eu me sentia bastante desconfortável por estar lá, já que ele era o baixista. Mas Gene me deixou à vontade e gostou do que fiz.”
Talvez o grande hit do álbum (ainda que não tenha feito tanto sucesso fora da América do Sul), “I Love It Loud” mostra por que Vinnie Vincent se deu tão bem com Paul Stanley e especialmente Gene Simmons na parte de composição. Em sua primeira colaboração, Vincent e Simmons fizeram desta faixa um hino hard rock que remetia aos primórdios da banda, mas sem abdicar do peso exigido para aquele momento. Além dos refrães facilmente cantaroláveis, a bateria pulsante de Eric Carr deve ser destacada. De acordo com Gene, a ideia era compor algo na mesma pegada de “My Generation”, do The Who.
“Se você prestar atenção na guitarra, é na realidade ‘My Generation’ sem ser um plágio. A percussão eu tirei de uma antiga batida que Eric Carr fez. Gravei numa fita em loop e eu fiz uma demo em quatro canais. […] Gosto de algumas músicas que fazem sucesso com o público, mas outras não têm o mesmo impacto em mim. Parece que as pessoas adoram “I Love It Loud”, mas, quando eu estava ocupado em escrevê-la, era só mais uma outra música. Nunca se sabe quando algo vai pegar.”
A já mencionada bateria de Eric Carr ficou com aquele som porque, de acordo com Vinnie Vincent, todo o estúdio era revestido de azulejos, o que gerava um grande eco. Outros detalhes sobre a bateria de Carr no álbum podem ser conferidos clicando aqui, mas Michael James Jackson relembra:
“Eu tinha uma técnica particular e usava um tipo de microfone especial para conseguir os sons da bateria. Trouxe um conjunto de bateria especial que não era de Eric e microfones de ótima qualidade, que foram usados para criar um grande som. Dispendeu-se muito trabalho para captar aquele som de bateria. Gene estava muito determinado a tentar recapturar o melhor do Kiss.”
Talvez a primeira grande balada hard rock do Kiss cantada por Paul Stanley, “I Still Love You” provoca uma associação fácil: há quem diga que tenha sido composta como reação ao término com Donna Dixon. O Starchild nega.
“Odeio dizer, mas, quando escrevi ‘I Still Love You’, eu estava em uma relação muito boa. Era mais Vinnie Vincent e eu inspirados no Zeppelin, que adoramos, e nas bandas que conseguiam tocar uma música com um ritmo único com grandes baterias, poderosas e majestosas, que poderiam destacar a voz de alguém.”
O objetivo foi alcançado; agora, recorrendo novamente ao formato de trio, já que Eric Carr gravou o baixo no lugar de Gene Simmons. Além da letra bem escrita, “I Still Love You” tem um instrumental forte e, mais uma vez, bons solos de Vinnie Vincent – que conseguia ser um ótimo guitarrista quando havia um bom produtor o conduzindo e pronto para cortar exageros.
Ainda que divertida, “Killer” é talvez a música que soa mais deslocada em “Creatures of the Night”. Em um disco onde tudo soa pesado, esta faixa tem abordagem mais básica e remete ao Kiss setentista. Vincent, responsável pela ideia inicial da canção, gravou todas as guitarras – ou seja, nada de Paul Stanley por aqui.
O Starchild também não aparece na pesada “War Machine”, música que demorou a ter reconhecimento pelo próprio grupo, já que esteve mais tempo fora do que dentro dos repertórios de shows em turnês seguintes. É como a sucessora natural de “God of Thunder”, mas novamente sem envolvimento de Stanley, que compôs a faixa de 1976. Aqui, Gene Simmons cuida da guitarra base, enquanto Vinnie Vincent apresenta outro solo icônico e Eric Carr oferece uma de suas performances definitivas em sua passagem do Kiss.
Curiosamente, a história de criação desta música nas palavras de Simmons não envolve guitarras pesadas ou temáticas de guerra.
“Eu tive um desses sintetizadores computadorizados de brinquedo que só tinha cinco notas. Comecei tocando nele e criei o riff no teclado. Se você tentar tocá-lo em uma guitarra, fica muito esquisito. Bryan Adams e Jim Vallance criaram os versos da música. ‘War Machine’ foi o nome de Bryan, que agora é meu amigo, mas no começo, quando ele me conheceu, achou que eu era um saco. Lembro que, enquanto estávamos trabalhando na Record Plant, eu estava sempre ocupado no estacionamento com alguma garota que vinha me procurar, e houve um momento em que Bryan entrou no seu carro alugado e disse: ‘bem, te vejo por aí’. Ele começou a andar em volta do quarteirão e parava e dizia: ‘o que você está fazendo?’ Eu estava ocupado transando com a garota no carro dela e ele dava a volta no quarteirão e parava a toda hora. Eu disse para ele: ‘P#rra, quer dar o fora daqui? Sai daqui!’”
O começo de algo novo
“Creatures of the Night” foi lançado em 13 de outubro de 1982 e marcou o começo de muitas novidades. Era o último álbum do Kiss pela Casablanca Records, o primeiro trabalho lançado sob outro gerenciamento (eles romperam com o empresário Bill Aucoin na época), o registro inaugural sem Ace Frehley (ainda que muitos não soubessem), o material que representava uma estética sonora bem mais pesada e alinhada com o rock daquele momento.
Infelizmente, a história parcial de recomeço não caiu tanto nas graças dos fãs. Desconfiado em função dos lançamentos anteriores, o público não deu a devida atenção para “Creatures of the Night”. Como resultado, o álbum vendeu abaixo do esperado e só conquistou disco de ouro nos Estados Unidos, pela marca de 500 mil cópias comercializadas, em 1994. O videoclipe de “I Love It Loud” pouco tocou na MTV e seu single atingiu apenas a 102ª posição nas paradas.
A turnê de divulgação do álbum, anunciada também como a celebração dos 10 anos de Kiss, foi iniciada em dezembro na América do Norte já com Vinnie Vincent na vaga de Ace Frehley – e adotando o personagem Egypt Warrior, com maquiagem e fantasia diferentes. Em vez de ajustar os locais à demanda, tocando em casas menores, a banda agendou toda a turnê em grandes arenas. Como resultado, os músicos se apresentaram em espaços vazios ou semicheios por meses. A lista de atrações de abertura incluiu Night Ranger, Plasmatics, Zebra, Molly Hatchet e Mötley Crüe.
Mesmo com um disco grandioso em mãos, a aposta nos shows foi focada em quatro músicas: “I Love It Loud”, “I Still Love You”, “War Machine” e a faixa-título. “Keep Me Comin’” e “Rock and Roll Hell” foram tocadas respectivamente em dois e três datas, mas logo abandonadas. “Saint and Sinner”, “Danger” e “Killer” sequer receberam uma chance. Enquanto isso, clássicos da fase setentista como “Detroit Rock City”, “Cold Gin”, “Calling Dr. Love”, “Love Gun”, “Strutter” e “Rock and Roll All Nite” ganharam versões aceleradas, em tons mais agudos e com solos devidamente modificados por Vinnie Vincent.
Aliás, logo durante a tour começaram a surgir problemas entre Vincent e os chefes. Gene Simmons e Paul Stanley talvez demoraram tempo demais para perceber que o guitarrista disputaria bastante atenção com eles em vez de agir como funcionário. Vinnie também não se ajudava: começaram já nesta turnê os relatos de que ele estendia seus solos e precisava ser orientado a parar.
Todos os problemas citados, desde shows vazios até as tretas com o novo guitarrista, foram superados graças ao Brasil. Em suas datas finais, nos dias 18, 23 e 25 de junho de 1983, a turnê de “Creatures of the Night” trouxe o Kiss ao nosso país pela primeira vez, para apresentações em estádios no Rio de Janeiro (Maracanã), Belo Horizonte (Mineirão) e São Paulo (Morumbi).
Na capital carioca, bateram recorde de público em sua história e na do país: reuniram cerca de 137 mil fãs. Conquistaram disco de ouro pelas vendas de “Creatures” por aqui, batendo 120 mil cópias. Com algum atraso, a Kissmania chegou ao Brasil – e reenergizou o grupo de modo a tomar as decisões de continuar com aquela formação e, enfim, abandonar as máscaras e figurinos.
Em coletiva de imprensa de 2021 acompanhada por mim, Gene Simmons foi perguntado sobre o momento que gostaria de viver novamente se fosse capaz de fazer isso. Sem titubear, citou o show no Maracanã.
“Tocamos no estádio do Maracanã, no Brasil. Depois, tocamos em São Paulo e Belo Horizonte. Na época estávamos sem Ace Frehley, que havia saído da banda. Lembro de olhar para o estádio, o maior estádio do mundo, e não entender quantas pessoas estavam ali. Era quatro vezes maior que qualquer estádio do mundo. Se eu quisesse reviver algum momento da vida, eu queria tocar de novo naquele estádio, todas as noites, em todos os shows. Foi a coisa mais incrível que fizemos. Sentia como se estivesse tocando para o mundo inteiro”.
Sem um álbum como “Creatures of the Night”, Simmons não teria o momento favorito de sua vida.
Kiss – “Creatures of the Night”
- Lançado em 13 de outubro de 1982 pela Casablanca Records
- Produzido por Michael James Jackson, Paul Stanley e Gene Simmons
Faixas:
- Creatures of the Night
- Saint and Sinner
- Keep Me Comin’
- Rock and Roll Hell
- Danger
- I Love It Loud
- I Still Love You
- Killer
- War Machine
Músicos:
- Paul Stanley (vocal, guitarra)
- Gene Simmons (vocal, baixo, guitarra na faixa 9)
- Eric Carr (bateria, percussão, baixo na faixa 7)
*Ace Frehley é creditado, mas não toca.
Músicos adicionais:
- Vinnie Vincent (guitarra nas faixas 2, 3, 6, 8 e 9)
- Bob Kulick (guitarra na faixa 5)
- Robben Ford (guitarra nas faixas 4 e 7)
- Steve Farris (guitarra na faixa 1)
- Mike Porcaro (baixo na faixa 1)
- Jimmy Haslip (baixo na faixa 5)
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