Primeiro volume de “Stranger Things 4” perde grande chance de ser o terror do ano

Parte inicial da nova temporada apresenta vilão assustador, mas ancora-se em arcos fracos e protagonista sem carisma

Atenção: o texto a seguir não contém spoilers da quarta temporada de “Stranger Things”, mas pode apresentar spoilers de anos anteriores.

Meses atrás, foi noticiado que a Netflix, responsável por “Stranger Things” e tantas outras produções, perdeu assinantes pela primeira vez em uma década. Ao todo 200 mil clientes deixaram o serviço de streaming no primeiro trimestre de 2022.

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Muito se debateu sobre os motivos de tal debandada. Falou-se bastante sobre os preços mais altos ou a forte concorrência, mas o problema pode ser, simplesmente, qualidade. O público está mais exigente depois de consumir tantos produtos rivais. E tal hipótese volta a se reforçar após a estreia do primeiro volume da quarta (e penúltima) temporada de “Stranger Things”.

https://www.youtube.com/watch?v=yTX0HxTq9wo

Lançada em 2016, a série precisou de poucos dias para se tornar um fenômeno global com sua primeira temporada. Com um roteiro primoroso, uniu terror, mistério, personagens carismáticos e muita nostalgia, já que se passa na década de 1980.

Os anos dois e três foram lançados na sequência. Diante disso, a Netflix demonstrou estar consciente de que não dava para a produção ser duradoura e anunciou que a quinta temporada seria a última. E prometeu um final emocionante.

O caminho até a conclusão, porém, não tem sido dos melhores. Os sete primeiros episódios da temporada que antecede o fim de “Stranger Things” apresentam decisões ruins que afastam o seriado de sua ideia original.

Aqui, distancia-se do terror e mistério em prol de uma trama bagunçada, com três enredos desnecessários – e uma quarta história, digna de aplausos, é tratada de forma qualquer.

Protagonismo mal direcionado

A quarta temporada de “Stranger Things” começa nos apresentando seu novo vilão, o assustador Vecna. Trata-se de uma clara homenagem a Freddy Krueger (Robert Englund), uma vez que o antagonista tem como fonte principal de ataque as mesmas características do bom e velho Freddy –os sonhos.

Todas as cenas envolvendo a nova ameaça são ótimas. São perturbadoras e trazem todo o suspense e mistério típicos da série. Não há medo de chocar também nas mortes, ao melhor estilo de filmes como “O Chamado” (2002).

A trama, obviamente, acontece na fictícia cidade de Hawkins. E tudo fica ainda melhor quando a turma começa a agir. O time da vez traz como destaques os ótimos Lucas (Caleb Mclaughlin) e Max (Sadie Sink), Nancy (Natalia Dyer) em sua melhor participação e desempenho até agora, a divertida Robin (Maya Hawke), o novato e surpreendente Eddie Munson (Joseph Quinn) e a já conhecida dupla Steve (Joe Keery) e Dustin (Gaten Matarazzo), novamente demonstrando sua química.

Mas quando Eleven (Millie Bobby Brown) volta a surgir novamente como protagonista, há problemas. Sem carisma e sem seus poderes, a personagem nos oferece uma história de bullying no passado e presente. Há apenas muito choro e vários gritos durante as tentativas de recuperar tais poderes em meio a um arco arrastado, que deixa o público exausto demais para curtir o bom “plot twist” ao fim do volume um. Culpa dos criadores, diretores e roteiristas, não da atriz, embora a performance da colega Sadie Sink (Max) nos faça questionar por que ela não tem os mesmos holofotes.

E não dá nem para alegar que faltou tempo para desenvolver o arco. Os episódios deste novo ano são enormes. Cada um deles ultrapassa a marca de uma hora e 10 minutos. O segundo volume, que estreia em julho, ainda trará um último episódio com duas horas e 19 minutos. Dá para dizer que faltou mais coragem para pensar fora da “caixinha” e colocar todo o protagonismo em apenas uma personagem.

A volta de Jim Hopper

Muitos seriados têm feito sucesso nos últimos anos devido à coragem de se matar personagens queridos. A comoção sempre é prolongada.

É o caso do valente policial Jim Hopper (David Harbour), melhor personagem de “Stranger Things”. Após seu emocionante falecimento, o personagem é trazido de volta das cinzas – o que já era sabido, mas a pergunta “como ele sobreviveu àquilo?” permaneceu por dois anos.

A resposta, infelizmente, é bastante simplória. Em mais uma trama da série, somos obrigados a acompanhar Jim Hopper sendo capturado e levado preso em uma espécie de “Alcatraz Russa”. A situação piora quando Joyce Byers (Winona Ryder), extremamente caricata nesta temporada, embarca em uma missão surreal pela Rússia para resgatar o amado policial.

O núcleo em si não é ruim. David Harbour é um grande ator até calado. Mas há exageros na trama, como aviões que caem e todos sobrevivem, invasão a locais secretos, corridas com um pé totalmente destroçado, entre outros pontos.

E o final?

A quarta temporada de “Stranger Things” apresenta quatro histórias separadas que precisam – e vão – se juntar de alguma forma para o grand finale. Ainda há Mike (Finn Wolfhard), Jonathan (Charlie Heaton) e Will (Noah Schnapp) em busca de motivos de estarem na série nesta temporada – com destaque às cenas sobre a sexualidade do último citado – e uma sequência de dramas pseudoadolescentes que foram inventados para o novo ano e agora precisam ser resolvidos, novamente rebaixando o carismático Steve de Joe Keery após ele parecer ter encontrado seu lugar ao sol.

https://www.youtube.com/watch?v=IJH_q5k1HZA

Faltam mais dois episódios e pouco mais de três horas de conteúdo. Infelizmente, a série não soube aproveitar seu pote de ouro e decidiu dar atenção a elementos descartáveis. Dispensaram a máxima “menos é mais”. Agora, resta-nos torcer para que os próximos episódios encontrem seu caminho de volta às origens ou que seja tomada uma decisão: “Stranger Things” é uma série para crianças, adolescentes ou para todos? Porque começou sendo para todos.

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Raphael Christensen
Raphael Christensenhttp://www.igormiranda.com.br
Ator, Diretor, Editor e Roteirista Formado após passagem pelo Teatro Escola Macunaíma e Escola de Atores Wolf Maya em SP. Formado em especialização de Teatro Russo com foco no autor Anton Tchekhov pelo Núcleo Experimental em SP. Há 10 anos na profissão, principalmente no teatro e internet com projetos próprios.

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