Os anos 1980 foram uma viagem e tanto para Ozzy Osbourne e para todos os que se relacionaram com ele de alguma forma. O fim desse passeio selvagem ocorreu no álbum “No More Tears”, lançado em 17 de setembro de 1991.
Do acidente que tirou a vida do guitarrista Randy Rhoads até a prisão por urinar no Álamo, passando pela insana turnê com o Mötley Crüe e o mergulho total no “hard rock farofa” que dominava a cena da época, a década de 1980 terminou de forma complicada para o Madman. Bem complicada.
O abuso de álcool e drogas tinha chegado ao ponto máximo durante a turnê de “No Rest for the Wicked”, onde em um acesso de raiva (e sabe-se lá mais o que), Ozzy tentou estrangular Sharon Osbourne, sua esposa e empresária. Como consta em sua autobiografia, o vocalista só se lembra de acordar preso e dali em diante, ele realmente teria que entrar na linha.
No livro, o vocalista contou que soube da tentativa de homicídio apenas dentro da prisão – ele passou 36 horas detido antes de ir a julgamento e a própria Sharon retirar as queixas. O policial leu o boletim de ocorrência para o Madman:
“Aqui diz que depois de voltar de um restaurante chinês, onde vocês tinham ido para comemorar o sexto aniversário de sua filha Aimee, você ficou bastante intoxicado com vodca russa, entrou no quarto pelado e disse: ‘tivemos uma conversinha e está claro que você precisa morrer’. […] Segundo consta, você passou a noite toda reclamando por trabalhar demais, porque tinha acabado de voltar do Moscow Music Peace Festival… isso está certo, não? E aí precisava ir para a Califórnia. Parece mais férias do que trabalho, para mim.”
Não era só uma opção: Ozzy precisava entrar na linha. Ele só foi liberado sob fiança após aceitar, diante do tribunal, a entrar em uma clínica de reabilitação.
“Em Los Angeles, esses encontros eram como convenções de estrelas do rock. Uma vez, nessa clínica em LA, estava sentado em uma sala com um monte de outros alcoólatras sorridentes e vi Eric Clapton. Foi um momento terrível, na verdade, porque na época estava convencido de que Clapton me odiava.”
Eric, claro, não odiava Ozzy. E odiaria menos ainda o “novo Ozzy”, que nasceu ao longo de “No More Tears”, sexto álbum solo do vocalista e considerado um dos mais marcantes de sua carreira.
Para fazer aquele disco, o “novo Ozzy” teria que se adaptar a um novo cenário musical, uma forma diferente de trabalhar, outras parcerias e – por que não? – uma outra vida.
“No More Beers”
A virada da nova década realmente trouxe um novo Ozzy Osbourne. Pela primeira vez em muito tempo, o Madman tentava se cuidar mais a sério, cortando o álcool e as substâncias ilícitas de sua vida, fazendo exercícios físicos e mantendo uma vida equilibrada.
Além de ter feito total diferença para ele, isso também tornou o trabalho de todos os envolvidos no disco muito mais fácil.
As gravações aconteceram de forma tranquila, com as tradicionais brincadeiras entre Ozzy e sua banda, na época composta por Zakk Wylde (guitarra), Bob Daisley (baixo), Randy Castillo (bateria) e John Sinclair (teclados). O baixista Mike Inez, que viria a integrar o Alice in Chains, também participou das gravações – ele não tocou, mas é um dos compositores da faixa-título.
Ozzy sabia do que precisava para aquele disco: músicas boas. Parece óbvio, mas é muito difícil.
“Muitas pessoas pensam que é preciso estar muito f*dido para fazer boas músicas, mas acho que o disco que fiz depois de sair da reabilitação, ‘No More Tears’, foi um dos melhores em anos. Uma parte disso pode ser porque eu falei para a banda antes de começarmos: ‘vejam, devemos tratar cada música como se fosse um hit, mas sem ser muito afetado ou exagerado’.
E funcionou bastante bem. Meu novo guitarrista, Zakk Wylde, era um gênio. Meus produtores foram incríveis. E Sharon produziu uma bela capa. Ela é uma ótima artista, embora muita gente não saiba disso.”
Enterrando os anos 80
Com o fim da década de 1980, os exageros visuais e artísticos deixavam o rock aos poucos. O álbum anterior de Ozzy, “No Rest For The Wicked”, já caminhava para algo mais enxuto, mas a música pesada ainda não havia conhecido o grunge em larga escala.
“No More Tears” saiu no mesmo ano de discos como “Nevermind”, do Nirvana; “Ten”, do Pearl Jam; e “Badmotorfinger”, do Soundgarden. Embora Ozzy não soe exatamente grunge, é inegável que a postura mais sóbria do movimento foi trazida, resultando em um álbum bem mais maduro do que os anteriores do vocalista.
Também percebe-se uma maior liberdade nas guitarras de Zakk Wylde, que, pela primeira vez com Ozzy, deixou transparecer suas raízes de blues e southern rock em alguns dos melhores solos de sua carreira. O guitarrista havia chegado à banda de Ozzy no meio de um turbilhão, mas, enfim, encontrava sua identidade própria – o que fez toda a diferença.
Em entrevista à Guitar World, Wylde refletiu sobre essa busca por identidade própria:
“Quando entrei para a banda de Ozzy, pensei: ‘que legal, mas agora como diabos vou soar?’ (risos). Como me tornaria Zakk Wylde? A primeira coisa foi fazer uma lista do que não poderia fazer. Não poderia fazer tappings ou usar a alavanca porque isso é de Eddie Van Halen. Não iria fazer solos de palhetada alternada, porque Yngwie Malmsteen domina isso. Também sentia que não poderia explorar a música clássica, pois era algo de Randy Rhoads, assim como algumas escalas menores e diminutas.
Eu já era um cara loiro com uma guitarra branca, então, coloquei a pintura Bullseye nela – o que não foi esperto de minha parte, pois me tornou um alvo fácil para que atirassem coisas no palco (risos). Mas daí eu tentei descobrir o que sobrava em termos de estilo e só restaram as escalas de blues, as pentatônicas. Tive que pensar e trazer algo diferente usando uma escala limitada.”
O fator Lemmy
Para soar da forma que pretendia, Ozzy Osbourne precisou organizar algumas mudanças no processo de composição das músicas. Embora toque em todas as músicas, o baixista Bob Daisley foi afastado do processo de composição.
Assim, novas parcerias foram testadas, resultado direto do espaço que Zakk Wylde ganhou na banda. Além disso, o álbum contou com outro colaborador de peso que influenciaria muito no resultado final: Lemmy Kilmister, frontman do Motörhead e um dos melhores amigos de Ozzy.
O músico foi convidado para escrever algumas letras e o processo rendeu tão bem que acabou gerando seis músicas. Dessas, quatro entraram no disco e representam alguns dos melhores momentos de todo o play: “I Don’t Want To Change the World”, “Mama, I’m Coming Home”, “Desire” e “Hellraiser”.
Em sua autobiografia, “White Line Fever”, Lemmy brincaria dizendo que essas quatro músicas lhe renderam mais dinheiro do que os 15 anos anteriores de Motörhead. Pode não ser exagero.
Osbourne, por sua vez, em entrevista à BBC, relembrou o quanto Kilmister era um sujeito culto – o que facilitava na hora de compor letras.
“Sou bom em começar letras, mas não consigo terminá-las. E ele terminava – ele escreveu um monte de letras das minhas músicas. Dei a ele uma fita e um livro que eu tinha sobre a Segunda Guerra Mundial. Eu nunca tinha lido e falei a ele: ‘me diga o que acha… e eu tenho esse monte de letras – quando você puder, veja’.
Pensei que levaria uma semana. Ele disse: ‘volte daqui umas quatro horas’. Voltei e ele mostra: ‘o que acha dessa?’. Achei ótimo. Daí ele: ‘e essa?’. Perguntei: ‘ah, você fez duas?’. Ele: ‘não, tenho mais uma, são três’. Eu disse ‘você escreveu três letras?!’. Ele disse que sim e ainda falou que o livro era uma droga. Perguntei qual livro e ele: ‘o que você me deu’.
Ele era um leitor rápido! Ele era incrível. Você olha para pessoas como Lemmy e você pensa: ‘oh, ele é um grosso’. Mas ele era muito bem educado.”
A parceria com Ozzy em “No More Tears” seria retribuída pelo Madman com uma participação, ao lado de Slash, em “I Ain’t No Nice Guy”, do Motörhead, lançada no álbum “March Ör Die” (1992). No mesmo disco, Lemmy e seus parceiros usaram a faixa “Hellraiser”, em uma versão própria.
Não chore: No More Tears bombou
Sob a produção de Duane Baron e John Purdell, “No More Tears” fez Ozzy Osbourne entrar na década nova com o pé direito. O álbum ganhou disco de platina quádruplo nos Estados Unidos, totalizando 4 milhões de cópias somente no país.
Os dois principais singles foram “Mama, I’m Coming Home” e a faixa-título, que atingiram, pela primeira – e única – vez na carreira do Madman, o top 40 da parada americana. “I Don’t Want to Change the World”, outro destaque da tracklist, venceu um Grammy na categoria Melhor Performance de Metal na cerimônia de 1994, já na versão do álbum ao vivo “Live & Loud” (1993).
Toda a repercussão se justificava. O álbum é incrível. Trouxe Ozzy com uma sonoridade renovada, que mesclava hard rock, heavy metal e elementos do southern rock apresentados por Zakk Wylde. A banda toda era muito competente e o Madman estava mais criativo do que nunca – sabemos de seu talento nato para compor melodias e interpretar canções, mas, aqui, dá para dizer que ele atingiu um patamar raro em sua carreira.
No More Tours – Só que não
Para a turnê de divulgação de “No More Tears”, a banda de apoio de Ozzy Osbuorne se manteve quase a mesma das gravações. A única mudança foi a entrada de Mike Inez, assumindo de vez o baixo no lugar de Bob Daisley.
Na época, Ozzy foi diagnosticado (erroneamente) com esclerose múltipla, levando a turnê a ser anunciada como a última do vocalista, que batizou a excursão de “No More Tours”. Ele só descobriu que erraram na descoberta da doença após concluir a turnê.
Ainda em clima de despedida, nos últimos shows, ele chegou a se reunir brevemente com os demais integrantes originais do Black Sabbath, que abriu os shows finais da tour. A situação resultou na segunda saída de Ronnie James Dio, eterno desafeto e substituto do Madman no Sabbath.
Aquela, claro, acabou não sendo a última turnê de Ozzy, que voltou em 1995 com um novo álbum – “Ozzmosis” – e uma nova turnê, apropriadamente intitulada “Retirement Sucks” (“Aposentadoria é um saco”, em tradução livre).
Ainda até os dias de hoje, “No More Tears” tornou-se uma espécie de “padrão de qualidade” para os álbuns de Ozzy Osbourne, tamanha a sua importância na discografia do Madman. É, certamente, um dos grandes trabalhos de sua trajetória.
* Texto desenvolvido em parceria por André Luiz Fernandes e Igor Miranda. Pauta, redação e edição geral por Igor Miranda; redação e apuração adicional por André Luiz Fernandes.
excelente panorama daquele período da carreira de nosso amado madman, que resultou em uma de suas maiores obras em carreira solo, chutando a porta dos 90s com muito do melhor rock pesado produzido à época. concordo com a abordagem mais enxuta e sóbria na sonoridade mas discordo da aproximação com o grunge, o disco soa como uma grande gravação com muitas reminiscências do som dos 80s mas, claro, sem os exageros, vide temas como desire, mr tinkertrain, s.i.n. (autênticos hard rocks com veia oitentista) ou mama, time after time e road to nowhere (autenticas power ballads também caracteristicas do período que se encerrava), enfim, um enorme classico