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Entrevista: Ego Kill Talent fala sobre novo álbum, peso e trocas de instrumentos

2020 seria o ano do Ego Kill Talent. A banda passou parte de 2019 gravando seu segundo álbum de estúdio, ‘The Dance Between Extremes’, no 606, estúdio oficial do Foo Fighters, localizado em Los Angeles, nos Estados Unidos. O disco seria lançado no primeiro semestre deste ano em meio a turnês com Metallica e System of a Down, dentro e fora do Brasil, além de presença em festivais na América do Norte.

Infelizmente, 2020 foi o ano do coronavírus, que matou mais de 1,5 milhão de pessoas globalmente e fez com que todos parassem ou remodelassem suas atividades. “Só de lembrar da nossa agenda, é de chorar”, disse, entre risos conformados, o guitarrista e baixista do Ego Kill Talent, Theo van der Loo, antes de contar, em entrevista exclusiva, os planos que a banda precisou adiar para quando voltarmos à normalidade – com esperança, em 2021.

“Em março, faríamos a turnê com o Metallica e o Greta Van Fleet no Brasil, quando iríamos lançar o primeiro single do disco. No fim de semana seguinte, tocaríamos em um festival no México. Depois, iríamos para os Estados Unidos para fazer quatro festivais com o Metallica, no circuito do Danny Wimmer. Também faríamos shows em clubs de Nova York e Los Angeles. E iríamos direto fazer uma turnê com o System of a Down na Europa. O álbum seria lançado em um show em um club de Los Angeles, no mês de maio. No dia seguinte, iríamos para a Europa com o System of a Down. Também iríamos tocar com o Foo Fighters lá.”

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Para os músicos de todo o mundo, o jeito foi refazer planejamentos e trabalhar da forma que dava. Não foi diferente com o Ego Kill Talent, que, após guardar o novo álbum por alguns meses, decidiu divulgar o material no formato de três EPs. Ainda que por razões diferentes, o disco de estreia da banda, autointitulado ‘Ego Kill Talent’ e divulgado em 2017, também foi liberado de forma gradual, em EPs.

Theo van der Loo declara:

“Entendemos que com esse formato de streaming, é preciso manter certa constância e criar uma expectativa. Independentemente da quantidade de músicas que lançarmos agora, o público já quer mais logo em seguida. A internet criou uma demanda que você precisa pensar em como suprir. E lançar um disco inteiro sem fazer turnê… se estivéssemos com os shows, daria para abastecer com clipes ao vivo, imagens, vídeos e tudo o mais. Se não tem isso, fica mais órfão ainda.”

Composto por Theo, Jonathan Dörr (vocal), Niper Boaventura (guitarra e baixo), Raphael Miranda (bateria e baixo) e Jean Dolabella (bateria e guitarra), o Ego Kill Talent já liberou dois desses três EPs. O primeiro, ‘The Dance’, tem as músicas ‘Now!’, ‘Lifeporn’ e ‘The Call’. O segundo, ‘The Dance Between’, apresenta outras quatro: ‘Deliverance’, ‘Silence’, ‘In Your Dreams Tonight’ e ‘Sin and Saints’. O terceiro e último, previsto para o início de 2021, trará as faixas restantes que completam o álbum.

Conforme comentado por Theo van der Loo:

“Ao mesmo tempo que há essa demanda do streaming, somos de uma geração que gosta muito do álbum completo, né? De ouvir a obra toda. Especialmente no rock, que tem algumas peculiaridades e que nem todos os estilos têm. Além do apreço pelos álbuns, que muitas vezes conta uma história e tem uma identidade musical e visual, tem essa importância do show ao vivo. Quando chega o disco inteiro, dá uma sensação de que aquela é a obra, que a criança nasceu.”

EP ao vivo gravado em show drive-in

Foto: Lucca Miranda / divulgação

Além do álbum dividido em três materiais, o Ego Kill Talent gravou um EP ao vivo, intitulado ‘Live at the Drive-in’, que está disponível no streaming desde o mês passada. O registro capta uma apresentação, realizada em setembro, durante um evento no formato drive-in promovido pelo skatista Bob Burnquist no Allianz Parque, em São Paulo.

Fora o show de música, o público presente no evento que gerou o EP ‘Live at the Drive-in’ conferiu performances de skatistas. O palco foi montado junto de uma pista de skate: uma ideia de dar orgulho a Chorão, vocalista do Charlie Brown Jr. falecido em 2013.

Seis músicas entraram para o EP, sendo que duas – ‘Now!’ e ‘The Call’ – estão no novo álbum e as outras quatro – ‘Sublimated’, ‘Still Here’, ‘Last Ride’ e ‘Try (There Will Be Blood)’ – vieram do disco de estreia. Apesar do Ego Kill Talent ser fã de álbuns ao vivo e ter familiaridade com os palcos, Theo van der Loo concorda que ‘Live at the Drive-in’ é um produto da pandemia.

“Sempre gostamos de registro ao vivo e temos como base a performance ao vivo. Nunca tinha parado para pensar que esse EP não sairia sem a pandemia, ainda mais em formato drive-in, que nunca imaginamos (risos). Não planejávamos fazer um EP ao vivo, até porque gravamos o show pois iríamos lançar o clipe ao vivo de ‘The Call’. Quando ouvimos o resultado, no dia seguinte ao show, achamos que estava muito bom. Ligamos para a gravadora para dizer que o material renderia um EP ao vivo, até pelas peculiaridades do barulho de buzina ao fim das músicas e os de skate batendo na pista.”

E como é tocar para uma plateia cheia de carros em vez de pessoas?

“É uma mistura. Tem a felicidade, por estar subindo ao palco de novo esse ano, depois de ter passado tantos meses sem fazer shows. Ao mesmo tempo, tem essa sensação esquisita de não ter gente. A reação é buzina e luz piscando, o que também é legal, mas é diferente. Falta aquele calor humano. Nesse caso, o que supriu um pouco era ter o Bob Burnquist com várias feras andando de skate enquanto a gente tocava. Isso trouxe uma energia diferente para o show.”

Como o Ego Kill Talent soa em ‘The Dance Between Extremes’

Foto: Lucca Miranda / divulgação

Com sete músicas já liberadas em dois EPs, já deu para ter uma noção de como o Ego Kill Talent está soando em ‘The Dance Between Extremes’. A sonoridade segue peculiar, especialmente por explorar, conforme descrito por Theo van der Loo, fatores extremos dos lados inicialmente antagônicos de peso e de melodia

“Quando gravamos esse novo álbum, ao ouvir, cheguei à conclusão de que o Ego Kill Talent tem elementos que vão do metal, com os riffs de afinação de ‘Roots’ (álbum do Sepultura lançado em 1996), até o outro extremo, de clara influência pop, nas melodias. Curtimos muito artistas como Phil Collins, Lenny Kravitz, Billie Eilish, Maroon 5. Na van, em turnê, quando escolhemos o que vamos ouvir, ou até mesmo quando nos encontramos para beber e trocar ideia, ouvimos de Slayer e Tool até Maroon 5 e Phil Collins. Temos os dois extremos.”

O fenômeno citado não descreve apenas ‘The Dance Between Extremes’, de acordo com o músico. O primeiro disco, de 2017, já trazia essa dinâmica que coloca o peso do metal e melodias pop no mesmo caldeirão.

“No primeiro álbum, dá para perceber um pouco disso, como nos riffs de ‘Sublimated’, ‘Just To Call You Mine’ e ‘Try’ que são mais pesados e em melodias de ‘Last Ride’ e ‘We All’ com influência mais pop. Nesse álbum, a gente tem mais dos dois. Temos músicas que vão mais para o lado pesado, como ‘Now!’ que usa afinação de ‘Roots’ e é bem metal. E também temos coisas com o pop mais presente. Em nossa música mais pop, você encontra o peso; e em nossa música mais pesada, você encontra o pop na melodia.”

Theo van der Loo concorda que ‘The Dance Between Extremes’ soa como uma continuação do álbum de estreia, sem alterações tão acentuadas. A única mudança frequente é a de sempre: com exceção de Jonathan Dörr, que segue firme no vocal, os músicos se revezam nos instrumentos. Em uma formação de quatro instrumentistas, há dois bateristas, dois baixistas e três guitarristas.

“(No sentido da troca de instrumentos) O processo de composição do novo álbum foi igualmente orgânico, não importando quem trouxe a ideia da música. Até brinco que, às vezes, dá a sensação de que o Jean está tocando guitarra e eu estou tocando o Jean (risos). Por vezes, ele mostra a ideia e eu, sem pegar a guitarra, dou alguma orientação e a música começa a sair. E não há uma sensação de autoria particular, há a sensação de que estou criando algo para o nosso monstro. Temos uma troca muito grande, então, não dá para dizer que só um integrante compôs uma música.”

Troca de instrumentos: a história definitiva

Foto: Vinícius Cerchiari / divulgação

Certamente, em quase toda entrevista, os músicos do Ego Kill Talent precisam explicar como surgiu a ideia de trocar instrumentos em estúdio e nos shows. Theo van der Loo acabou explicando a história definitiva de como tudo aconteceu. Começou ainda no processo de criação da banda, formada após Jean Dolabella deixar o Sepultura, no início da década passada.

“Eu conheço o Raphael há mais de metade das nossas vidas, somos amigos e tivemos banda junto (Sayowa). Eu também era muito amigo do Jonathan e do Jean antes da banda. O Jean me ligou depois de sair do Sepultura. Eu já estava morando em São Paulo, o Sayowa abriu para o Sepultura no primeiro show do Jean no Brasil. Ele estava na dúvida se ficava aqui ou voltava para Minas. Então, ele me perguntou se eu estava tocando. Eu falei que não, então começamos a fazer um som, de forma despretensiosa, só para ver as ideias. Por acaso, o Rapha apareceu no estúdio.”

Theo e Raphael voltaram para o Rio de Janeiro, de onde são, e Jean acabou ligando para eles algum tempo depois para contar que havia montado um estúdio – que ainda não era o Family Mob, local bastante conhecido em São Paulo. Nascia, ali, o Ego Kill Talent e sua peculiar troca de instrumentos.

“Começou a virar banda e compomos algumas ideias. Era um projeto instrumental, com duas guitarras e bateria. Não tinha baixista, então fazíamos as demos e o baixo era gravado depois. O Rapha ouviu e falou que queria entrar para a banda, mas tocando baixo, não bateria. Um dia, estávamos compondo e o Jean trouxe a ideia do riff de guitarra de ‘We All’. Ele pediu para o Rapha sentar na bateria só para compor. O baixo estava de bobeira e eu peguei. Fizemos a música assim e quando terminamos, achamos que soou bem demais, então, pensamos em ter essa característica, de tocarmos aquela música e talvez outras nos shows com aquela formação alterada. Foi espontâneo.”

De acordo com Theo van der Loo, não há um padrão específico para adotar determinada formação. A banda procura oferecer o que a música pede.

“Certas músicas foram compostas pelo Jean na guitarra e como ele é muito rítmico, a interpretação é como se ele tocasse bateria na guitarra. É muito rico, diferente. Daí, ele fica na guitarra. É até parecido com o Eddie Van Halen, que era pianista antes de ser guitarrista e trouxe uma interpretação diferente. Porém, tem música que o Jean pode ter a ideia do riff, mas que teria mais a ver com ele na bateria. E pode acontecer o contrário: o Rapha chega com um riff, mas vai para a bateria. Como temos essas trocas de instrumento, ganhamos uma liberdade de um dar pitaco na ideia do outro. É orgânico. Ao mesmo tempo, é um trabalho de desapego, de dar espaço e voz ao outro.”

Os rockstars gente boa

Próximo ao fim do bate-papo, Theo van der Loo citou alguns rockstars famosos que conheceu pessoalmente, em meio às apresentações que a banda já fez pelo mundo. Nomes como John Dolmayan e Serj Tankian, respectivamente baterista e vocalista do System of a Down; Dave Grohl, frontman do Foo Fighters; e Dinho Ouro Preto, vocalista do Capital Inicial, foram mencionados.

“Sou muito amigo do John (Dolmayan) e do Serj (Tankian), do System of a Down, e eles são muito desse jeito. Jantar com eles é como jantar com um amigo seu. Esqueço direto que eles são do System of a Down. E isso acontece porque eles são pessoas muito simples.

Quando você conhece um rockstar desse tipo, primeiro, você fica em choque. Tipo: ‘c*ralho, tô com o cara na minha frente’. Depois, você percebe a humanidade dele. E vem o outro estágio, quando você não o vê mais como o mito, vê a humanidade dele e admira muito o talento dele, pois você o vê como qualquer outro. Passa a gostar mais, pois você o respeita muito.

Tem outro cara desse jeito, que é o Dinho Ouro Preto, do Capital Inicial. Ele tomou totalmente a iniciativa de se aproximar de nós, disse que é fã da banda. Depois, ficamos muito amigos. Desde o primeiro álbum, ele dizia para acreditarmos na banda. O John Dolmayan, do System, falou a mesma coisa. Quando você vê esses caras que chegaram nesse lugar dizendo isso, é um incentivo enorme.

Lembro quando fui na casa do Dinho pela primeira vez… ele mora em uma casa super legal aqui em São Paulo. Entrei lá e ainda no jardim eu falei: ‘pô, Dinho, que casa f*da’. Ele olhou para mim e falou: ‘comprei com rock’. E eu senti que ele estava dizendo algo como: ‘acredita na sua banda’. Quando é uma banda que está começando, é uma batalha, né? Então, esses caras tiveram e ainda têm um papel de incentivo.

O John Dolmayan foi literalmente um dos primeiros caras do mundo que ouviu música nossa. Ele veio passar férias comigo aqui, em 2014 ou 2015. Falei para ele que tinha uma surpresa: estava com uma banda e queria mostrar algumas músicas para ele no estúdio. Ele disse: ‘cara, se for uma b*sta, vou falar na cara de todo mundo’ (risos). Falei: ‘beleza.’ Fui mostrar, ele pediu para tocar de novo e disse que curtiu demais. Saímos para jantar e ele disse: ‘se vocês levarem a sério, têm potencial para serem headliner um dia’. É f*da um cara desses falar isso.

E tem um cara que eu vou ficar em choque quando encontrar: o James Hetfield, do Metallica. Ele significa muito em minha trajetória. Comecei a tocar guitarra muito por causa do James. Eu ouvia muito Guns N’ Roses e Metallica no começo. O Slash também é surreal, é o guitar hero da minha história pessoal, mas o James é muito icônico, referência demais. Assisti muito às fitas VHS do documentário ‘A Year and a Half in the Life of Metallica’, de quando eles gravaram o ‘Black Album’ (1991), e do show ‘Live Sh*t: Binge & Purge’. Ele é um cara que quando eu encontrar, vou ficar sem saber o que eu falo.”

‘The Dance Between Extremes’, o novo álbum do Ego Kill Talent, será lançado no início de 2021, por meio da BMG Brasil. A data específica ainda não foi informada. Acompanhe a banda por meio de seu site oficial.

Outros trechos dessa mesma entrevista serão publicados em edição futura da revista online Guitarload, também no início de 2021. Fique de olho no site da revista.

* Foto do topo da matéria: Denis Carrion / divulgação

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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