Jello Biafra escreve texto sobre confusão do Dead Kennedys no Brasil

O vocalista Jello Biafra comentou, em texto, sobre o recente ocorrido de sua antiga banda, o Dead Kennedys, no Brasil. A banda cancelou uma turnê no Brasil, que aconteceria neste mês de maio, após um pôster que promovia os shows causar polêmica devido a referências com a atual situação política do país.

Leia o texto de Jello Biafra na íntegra:

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“Estou em choque. Estou deprimido. E antes de mais nada, como foi que eles deixaram tudo isso acontecer? Essa é mais uma das razões (e existem muitas) do porque eu não querer mais tocar com esses caras, independente de quantos milhões de dólares sejam oferecidos. A banda acabou em 1986.

Eu adorei a arte do poster e achei a ideia SENSACIONAL. Me sinto honrado sempre que posso usar algo tão maravilhoso (feito com seriedade!) para algum dos meus projetos. Se algum dia eu conseguir uma cópia desse poster, eu quero enquadrá-lo e pendurar na minha sala ou no escritório da Alternative Tentacles.

Mas qual é o grande problema? De todas as grandes artes políticas e anti-fascistas usadas para promover o Dead Kennedys ao longo dos anos, esta é a primeira vez que eu tomo conhecimento desses caras serem contra um poster político. Por que este? E por que agora?

Valentões fascistas realmente ameaçaram a banda e disseram que haveria violência caso os shows acontecessem? Eles ameaçaram o promotor e as casas de show? Ou alguém ficou preocupado com o fato dos apoiadores do Bolsonaro não comprarem camisetas suficiente da banda nos shows?

Em um post de Facebook recém apagado, foi dito que eles não devolveriam o dinheiro dos ingressos aos fãs. Ao invés disso, comunicaram que iriam doar os valores recebidos como adiantamento para a “caridade” ($42.000 DÓLARES AMERICANOS!) O promotor acaba de me dizer que ele recebeu o dinheiro de volta e agora os fãs que compraram os ingressos serão reembolsados! IHAAAA!

Se as ameaças de violência contra fãs inocentes foram realmente verídicas, bem, isso muda as coisas.

Eu tenho certeza que meus antigos companheiros de banda se lembram do terrível episódio de violência que ocorreu quando o verdadeiro Dead Kennedys tocou em Leicester, Inglaterra, em 1982. Os verdadeiros fascistas da Inglaterra [algo como uma Ku Klux Klan do país na época] se juntaram a alguns roadies do The Exploited e atacaram o show. Eu tive de me esquivar deles, no melhor estilo Muhammad Ali, por quase toda nossa apresentação enquanto eles subiam no palco e tentavam me acertar. O Dave do MDC acabou indo para o hospital com a cabeça rachada.

Nós também nunca conseguimos esquecer dos ataques pré-planejados pela polícia em diversos outros shows, onde policiais completamente descontrolados giravam seus cassetetes acertando a todos [incluindo o Peligro] DENTRO das casas de shows. E eu não estou falando somente da Polícia de Los Angeles.

Mas, “…A banda sente que não tem conhecimento suficiente para falar sobre assuntos políticos de outros países.”?? Vocês estão tirando com a minha cara?!?!? Essa banda já esteve no Brasil 2 ou 3 vezes! O que eles tem a dizer então sobre “Holiday in Cambodia”? E sobre “Bleed For Me”, cuja letra eu escrevi para as vítimas das guerras sujas da América Latina? Eles tem ciência sobre as capas dos discos da banda? Alguma vez na vida eles leram minhas letras nos encartes dos discos?

Como é possível que eles não tenham noção do que acontece no resto do mundo? Todos nós estamos conectados atualmente. O East Bay Ray não é uma pessoa burra. Eu imagino, pela forma como o texto foi escrito, que ele mesmo escreveu a declaração anti-poster do Brasil. E eu não sei se ele mostrou o texto para os outros caras da banda antes de postar.

Ray é uma pessoa muito bem educada, sempre se interessou por leitura e é o único membro original do Dead Kennedys que possui formação acadêmica. Me lembro dele como uma pessoa culta, sempre lendo artigos interessantes e aprofundados da revista The New Yorker. A recente edição do dia 1 de Abril trouxe um artigo bastante assustador expondo Bolsonaro e seu movimento. Mas mesmo antes disso, eu tenho 99% de certeza que o Ray sabia muito bem quem é o Bolsonaro – e o que ele representa.

Por que eu sei disso? Porque a maioria dos americanos sabem, até mesmo aqueles que têm metade do cérebro funcionando. Eu não posso falar pelos apoiadores idiotas do Trump.

Sim nós estamos preocupados com o Brasil. Porque nós nos importamos com o Brasil. E porque nós nos preocupamos com o mundo.

Nós tememos pela situação dos brasileiros. Tememos pela Amazônia. Tememos pelas tribos indígenas que poderão ser massacradas. Nós não queremos que mais nenhum inocente morra como aconteceu com a Marielle Franco. Sim, a notícia de seu assassinato chegou até os noticiários americanos.
E, meus caros amigos, nós admiramos e respeitamos muito cada um que tenha a coragem de se posicionar contra o Bolsonaro e seus apoiadores fascistas metidos a valentões.

Minha banda, The Guantanamo School of Medicine, não poderá ir ao Brasil por algum tempo. Estamos gravando no momento e existem assuntos internos que precisam de nossa atenção agora.

Mas saibam que vocês estão em nossos corações.

Vocês não foram esquecidos.

Vocês não estão sozinhos.

FODA-SE O FASCISMO

Jello Biafra”

Entenda o caso

A arte original que promovia os shows do Dead Kennedys no Brasil, de Cristiano Suarez, mostra o que parece ser uma família com camisas da seleção brasileira (com o escudo trocado por uma cruz), com maquiagem de palhaço. Um dos filhos diz: “eu amo o cheiro de pobre morto pela manhã!”. A ilustração também apresenta tanques de guerra disparando bandeiras com cifrão, simbolizando dinheiro.

Horas após o pôster ser divulgado pela EV7 Live, no dia 22 de abril, o Dead Kennedys havia emitido uma nota dizendo que não autorizou a veiculação da imagem. “A mensagem da banda tem sido, e ainda continua sendo, incentivar que todos pensem por si mesmo, não dizer para eles o que eles devem pensar”, disse o grupo.

Em entrevista concedida ao UOL horas antes da banda divulgar sua nota de “não-autorização”, Cristiano Suarez explicou o conceito por trás da arte. “O ‘bozo’ é uma alfinetada, mas eu queria mais criticar o estereótipo da classe média brasileira, que adotou a cultura do armamentismo, que louva armas e acha que é possível resolver tudo na base da bala, que acha que o exército deve cuidar da segurança pública”, afirmou ele.

Também antes da nota de “não-autorização” divulgada pelo Dead Kennedys, Eliel Vieira, produtor de eventos da EV7 Live, falou ao G1 sobre a reação da banda após a arte ter sido divulgada. “A banda não deu palpite em relação ao pôster. Eles até ficaram um pouco assustados com a repercussão muito forte. O pessoal ficou falando que eles estavam criticando o presidente e tal. Receberam isso até com bastante susto”, disse.

No dia 26 de abril, a banda anunciou nas redes sociais que cancelaria os shows devido às reações ao pôster. Curiosamente, a publicação também foi apagada.

“Nós nunca colocamos nosso público em risco, visto que isso não representa o que somos. Por esta razão, infelizmente estamos bastante tristes em informar que a banda não mais poderá tocar no Brasil este ano; sentimos que esta é realmente a única alternativa de manter as pessoas seguras”, disse a banda, em publicação já removida de sua página.

Já no fim do mês, a EV7 Live afirmou que os shows ainda poderiam acontecer. “Enviamos ontem (domingo, 28 de abril) um e-mail ao empresário e agente da banda solicitando informações e nos foi dito que teremos uma posição oficial da banda amanhã sobre isto, dia 30, à tarde aqui no Brasil. O post na página da banda foi apagado e não sabemos o que isto significa. Saberemos amanhã (terça, 31) e voltaremos aqui com todos os detalhes”, disse a produtora, dias antes de confirmar o cancelamento definitivo.

Por fim, a produtora contou que a turnê foi cancelada e expôs seu lado da situação. Foi negada a versão de que a banda não autorizou a divulgação do pôster e camisetas com a arte foram divulgadas.

Entenda a linha do tempo

– 22/4, à tarde: EV7 Live divulga pôster polêmico, feito por Cristiano Suarez, para promover os shows do Dead Kennedys no Brasil. A repercussão é enorme.

– 22/4, entre tarde e noite: Cristiano Suarez afirma ao UOL que a arte foi criada para “criticar o estereótipo da classe média brasileira, que adotou a cultura do armamentismo”. Eliel Vieira, produtor da EV7, falou ao G1 que a banda “não deu palpite” em relação ao pôster e que integrantes “ficaram um pouco assustados com a repercussão”.

– 22/4, à noite: Poucas horas depois da divulgação do flyer e das declarações de Suarez e Vieira, Dead Kennedys afirma que não autorizou a veiculação do pôster e alegou que “a mensagem da banda tem sido, e ainda continua sendo, incentivar que todos pensem por si mesmo, não dizer para eles o que eles devem pensar”. Pelas redes sociais, Cristiano Suarez afirmou que a banda aprovou e até divulgou a arte.

– 26/4: Dead Kennedys anuncia, pelo Facebook, que cancelou os shows no Brasil para não colocar o público em risco. Por outro lado, a banda afirma que os integrantes consideraram “que o pôster ficou bem legal” e que concordam com a ideia.

– 29/4: EV7 Live revela que o anúncio de cancelamento foi apagado pelo Dead Kennedys no Facebook. Foi considerada a possibilidade das datas ainda acontecerem, pois a empresa ainda estava negociando como contornar a situação.

– 3/5: Cancelamento é oficializado pela EV7 Live, expondo sua versão sobre o caso.

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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