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Living Colour mostra a São Paulo por que é uma das melhores bandas do planeta

Repertório que, sim, vai além do hit “Cult of Personality” teve força comprovada por músicos e mensagem que parecem nunca envelhecer

Demonstrando ao mesmo tempo humildade e discurso afiado, Corey Glover declarou, em entrevista no início deste ano ao The Logan Show, que se não fosse por “Cult of Personality”, estaria trabalhando no UPS. A empresa mencionada pelo vocalista do Living Colour, United Parcel Service, atua na área de logística. É como se fosse os Correios dos Estados Unidos.

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- Advertisement -

Não dá para descreditar por completo o raciocínio do cantor. O principal single de Vivid (1988), álbum de estreia do grupo, ganhou vida própria e, para os incautos, é a única representação de uma carreira que vai muito, mas muito além de um hit. O uso da canção pelo wrestler CM Punk, na franquia de games “Guitar Hero”, em séries (como “The Walking Dead”), filmes e mesmo discursos políticos — dada sua letra atemporal — certamente ajudou a fixá-la no imaginário popular.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Todavia, o público que tem enchido as casas de shows brasileiras por onde passa o quarteto completo por Vernon Reid (guitarra), Doug Wimbish (baixo) e Will Calhoun (bateria) na atual excursão — que sequer promove algum novo lançamento ou conceito de turnê — são a prova de que, mesmo sem “Cult of Personality”, haveria vida além do UPS. Só seria — ainda — mais difícil.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Ao todo, quatro apresentações compõem o itinerário. São Paulo recebeu a terceira, no sábado (12), no maior dos espaços: Tokio Marine Hall, com capacidade para 4 mil pessoas. Rio de Janeiro e Belo Horizonte, respectivamente na última quinta (10) e sexta-feira (11), antecederam a passagem pela capital paulistana. Brasília, no domingo (13), encerra a excursão nacional.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Black Pantera

Os compromissos em Belo Horizonte e São Paulo tiveram o Black Pantera na abertura. Escolha acertada, não apenas por promover uma “noite de bandas negras” conforme pontuado pelos próprios, como também pela relação antiga entre ambos — os mineiros de Uberaba chegaram a entrevistar Will Calhoun para O Globo em 2022 — e características sonoras em comum. Não, você não leu errado. Calma que te explico.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

O trio formado por Charles Gama (voz e guitarra), Chaene da Gama (voz e baixo) e Rodrigo Pancho (bateria) trabalha, como os americanos de Nova York, sob ampla gama de referências. Talvez não no passado, mas no presente, com certeza. Seu hardcore com tempero thrash — não necessariamente resultando em crossover thrash — tem explorado de forma mais intensa o groove, seja pela bateria cada vez mais solta de Pancho ou especialmente pelo baixo de Chaene, de timbragem estilingada e por vezes executado com muitos slaps. Não é exagero pontuar que suas cinco cordas compõem o núcleo sonoro do grupo.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

O repertório atual, fortemente ancorado no novo álbum “Perpétuo” (2024), é a prova de que o o Black Pantera não se fecha em um ou dois subgêneros. “Black Book Club” (talvez o único ponto baixo do set) e a faixa-título são quase hard rock. Já “F#deu” e “Dreadpool Zero”, single de 2023 que não entrou no disco, são dançantes à moda Gama/Pancho. Por sua vez, “Candeia”, uma das melhores canções da carreira do grupo, é guiada por percussão e incorpora elementos afro-brasileiros em sua batida. E tem até balada: “Tradução”, que discute como o racismo estrutural afeta mulheres negras em meio a uma homenagem à mãe de Charles e Chaene, Dona Guiomar.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Tudo isso aliado a uma necessária mensagem antirracista, transmitida na língua do povo e sem tom de palestrinha, e à performance entrosadíssima do trio faz com que o Black Pantera ofereça um dos melhores shows do Brasil na atualidade. Para além da qualidade, cada elemento desfilado no palco é testado e validado por um número gigantesco de apresentações em todo o país, inclusive as interações: dos meros pedidos de palminhas aos momentos de mosh feminino (em “Só as Mina”, adaptação de “Sem Anistia”) e o clássico “agacha geral e levanta pulando quando nós mandarmos” (em “Fogo nos Racistas”). É, acima de qualquer suspeita, extremamente efetivo.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Ainda que realizado diante de um público não tão ligado a sons mais pesado, o show foi tão exemplar a ponto de atrair em seu desenrolar um volumoso público (que, sabemos, normalmente prefere ignorar atrações de abertura e esperar pelos artistas principais do lado de fora). Resta a Charles, Chaene e Rodrigo o desafio de continuar a se superar em suas próximas iniciativas, visto que as canções de “Perpétuo” — boas no álbum, excelentes ao vivo — deixaram até sem graça o encerramento com as pesadas, porém monocromáticas “Revolução é o Caos”, faixa do álbum “Ascensão” (2022) introduzida por solo de “(Anesthesia) Pulling Teeth” (Metallica), e “Boto pra F#der”, do debut “Project Black Pantera” (2015). Pode parecer que não, mas isso é um bom sinal.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Black Pantera — repertório:

  1. Provérbios
  2. Padrão é o Car#lho
  3. Dreadpool Zero
  4. Boom!
  5. Perpétuo
  6. Fogo nos racistas
  7. Tradução
  8. F#deu
  9. Black Book Club
  10. Só as Mina (versão de Sem Anistia)
  11. Candeia
  12. Revolução é o Caos
  13. Boto pra F#der
Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Living Colour

O público responsável por encher, ainda que sem lotar, o Tokio Marine Hall para apreciar o Living Colour ao vivo foi presenteado com uma revisitação abrangente de seu curto, mas impactante catálogo. Quatro dos seis álbuns foram representados pelas escolhas. As sintomáticas exceções são “The Chair in the Doorway” (2009) e “Shade” (2017), no que pode ser uma demonstração de que o grupo, hoje sem qualquer plano de lançar material inédito, teria se conformado em apenas celebrar sua obra passada.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Com cinco faixas cada, o arrasa-quarteirão “Vivid” e o pesado e nada otimista “Stain” (1993) foram os mais representados nas escolhas. Este último ainda teve quatro canções — “Ignorance is Bliss”, “Bi”, “Ausländer” e “Never Satisfied” — tocadas em sequência. Talvez o momento experienciado no planeta peça composições mais pessimistas. “Time’s Up” (1990) conta com três músicas, enquanto “Collideøscope” (2002) compila duas — ainda que “Sacred Ground”, do último registro mencionado, também tenha aparecido na coletânea “Pride” (1995).

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Sob a Marcha Imperial de “Star Wars”, subiram ao palco às 22h10 sem qualquer glamour Corey Glover, Vernon Reid, Doug Wimbish e Will Calhoun. Os mestres de seus instrumentos realizaram a apresentação toda com uma bandeira ao fundo que trazia o nome do grupo e nada além. Basta uma performance de altíssimo nível para que ninguém sinta falta de telões mirabolantes, pirotecnia e afins.

A paulada “Leave It Alone” e “Desperate People”, pérola de “Vivid” com reflexões sobre a dependência química, abriram o set de forma prejudicada. A voz de Glover saía baixa nas caixas de som, enquanto a guitarra de Reid soava embolada e também sem muito volume.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

No desenrolar do já mencionado quarteto de faixas de “Stain”, os problemas começaram a se resolver — a tempo de engrandecer em especial “Bi”. A canção responsável por discutir já em 1993 a bissexualidade, tabu até os dias de hoje, teve rara interação de Corey com o público e solo de baixo com som de synth por parte de Doug. Não fossem as improvisações, esta e outras músicas manteriam a impressão de a plateia estar ouvindo as gravações de estúdio, tamanhas eram a fidelidade e a qualidade da execução.


A experimental “Funny Vibe”, inspirada em um caso real de racismo experienciado por Reid, teve, como habitual, um show de Calhoun. O músico, que ainda emplacou um pequeno solo ao fim da canção, é o coração do Living Colour e há tempos um dos melhores bateristas do planeta.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Apesar da menção direta a Chico Mendes, ativista ambiental assassinado em 1988 por um grileiro, “Sacred Ground” pareceu ter dispersado o público, mas a atenção seria recapturada com a sensacional “Open Letter (To a Landlord)”. Antes, durante e ao fim desta, Glover, no alto de seus 59 anos, promoveu desfiles vocais tão exuberantes que o público deveria sair e pagar o ingresso de novo. Que esta ideia não chegue ao produtor Paulo Baron.

Se antes teve spoiler, Will Calhoun ofereceu, enfim, um solo de bateria propriamente dito antes de “Flying”, canção musicalmente leve, mas liricamente pesada. Trata-se de uma homenagem às pessoas que estavam no World Trade Center no atentado de 11 de setembro e se jogaram das janelas para tentar salvar suas vidas. Ao fim, foi estendida para um solo de Vernon capaz de deixar até estátua boquiaberta.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

O efêmero medley que homenageia o legado de Doug Wimbish na Sugarhill Records divertiu o público com trechos de “White Lines (Don’t Do It)” (Melle Mel), “Apache” (Sugarhill Gang) / “The Message” (Grandmaster Flash and the Furious Five). Preparou bem o público para a despojadamente ácida “Glamour Boys”, que, sob forte influência de ritmos caribenhos, pareceu antecipar em sua letra a era dos influencers digitais. Esta e a funky “Love Rears Its Ugly Head”, raro momento em que Corey circula pelo palco todo, estiveram entre as mais aplaudidas e filmadas pelos celulares.

Também pautada no ambientalismo, a acelerada “Time’s Up” reforça não apenas a genialidade de Reid, como também mostra de onde Tom Morello (Rage Against the Machine) tirou boa parte de sua assinatura sonora. “Cult of Personality” promoveu uma catarse coletiva, cantada pela plateia a ponto de deixar Glover novamente com voz baixa, enquanto “Type”, dedicada por Vernon ao Black Pantera, encerrou uma noite que beirou a perfeição: só não foi 100% porque “Solace of You”, escrita no setlist colado no palco, não foi tocada.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Por incrível que pareça, o Living Colour encerrará sua 11ª passagem pelo Brasil deixando gostinho de “quero mais”. Mesmo sem novidades trazidas, a impressão deixada é de que o grupo poderia retornar todo ano que seguiria despertando interesse do público — pelo não tão simples fato de oferecer um dos melhores shows do rock mundial, com atemporalidade pulsante tanto na performance ainda de extrema qualidade quanto pelas mensagem das letras cuja relevância é mantida. Serve de recado para Corey Glover: se dependessem mesmo do hit “Cult of Personality”, não conseguiriam tal feito.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Living Colour — ao vivo em São Paulo

  • Local: Tokio Marine Hall
  • Data: 12 de outubro de 2024
  • Produção: Top Link Music

Repertório:

  1. Leave It Alone
  2. Desperate People
  3. Ignorance Is Bliss
  4. Bi
  5. Ausländer
  6. Never Satisfied
  7. Funny Vibe
  8. Sacred Ground
  9. Open Letter (to a Landlord)
  10. Solo de bateria + Flying
  11. Medley: White Lines (Don’t Do It) (Melle Mel) / Apache (Sugarhill Gang) / The Message (Grandmaster Flash and the Furious Five)
  12. Glamour Boys
  13. Love Rears Its Ugly Head
  14. Time’s Up
  15. Cult of Personality
  16. Type
Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

2 COMENTÁRIOS

  1. Estive ontem na casa e tive a felicidade de encontrar pessoalmente o Igor Miranda. Excelente show como sempre do LC. Estive no primeiro show da banda em 1992 no Hollywood Rock e acompanho a banda desde sempre. Imperdível.

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Repertório que, sim, vai além do hit “Cult of Personality” teve força comprovada por músicos e mensagem que parecem nunca envelhecer

Demonstrando ao mesmo tempo humildade e discurso afiado, Corey Glover declarou, em entrevista no início deste ano ao The Logan Show, que se não fosse por “Cult of Personality”, estaria trabalhando no UPS. A empresa mencionada pelo vocalista do Living Colour, United Parcel Service, atua na área de logística. É como se fosse os Correios dos Estados Unidos.

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Não dá para descreditar por completo o raciocínio do cantor. O principal single de Vivid (1988), álbum de estreia do grupo, ganhou vida própria e, para os incautos, é a única representação de uma carreira que vai muito, mas muito além de um hit. O uso da canção pelo wrestler CM Punk, na franquia de games “Guitar Hero”, em séries (como “The Walking Dead”), filmes e mesmo discursos políticos — dada sua letra atemporal — certamente ajudou a fixá-la no imaginário popular.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Todavia, o público que tem enchido as casas de shows brasileiras por onde passa o quarteto completo por Vernon Reid (guitarra), Doug Wimbish (baixo) e Will Calhoun (bateria) na atual excursão — que sequer promove algum novo lançamento ou conceito de turnê — são a prova de que, mesmo sem “Cult of Personality”, haveria vida além do UPS. Só seria — ainda — mais difícil.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Ao todo, quatro apresentações compõem o itinerário. São Paulo recebeu a terceira, no sábado (12), no maior dos espaços: Tokio Marine Hall, com capacidade para 4 mil pessoas. Rio de Janeiro e Belo Horizonte, respectivamente na última quinta (10) e sexta-feira (11), antecederam a passagem pela capital paulistana. Brasília, no domingo (13), encerra a excursão nacional.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Black Pantera

Os compromissos em Belo Horizonte e São Paulo tiveram o Black Pantera na abertura. Escolha acertada, não apenas por promover uma “noite de bandas negras” conforme pontuado pelos próprios, como também pela relação antiga entre ambos — os mineiros de Uberaba chegaram a entrevistar Will Calhoun para O Globo em 2022 — e características sonoras em comum. Não, você não leu errado. Calma que te explico.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

O trio formado por Charles Gama (voz e guitarra), Chaene da Gama (voz e baixo) e Rodrigo Pancho (bateria) trabalha, como os americanos de Nova York, sob ampla gama de referências. Talvez não no passado, mas no presente, com certeza. Seu hardcore com tempero thrash — não necessariamente resultando em crossover thrash — tem explorado de forma mais intensa o groove, seja pela bateria cada vez mais solta de Pancho ou especialmente pelo baixo de Chaene, de timbragem estilingada e por vezes executado com muitos slaps. Não é exagero pontuar que suas cinco cordas compõem o núcleo sonoro do grupo.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

O repertório atual, fortemente ancorado no novo álbum “Perpétuo” (2024), é a prova de que o o Black Pantera não se fecha em um ou dois subgêneros. “Black Book Club” (talvez o único ponto baixo do set) e a faixa-título são quase hard rock. Já “F#deu” e “Dreadpool Zero”, single de 2023 que não entrou no disco, são dançantes à moda Gama/Pancho. Por sua vez, “Candeia”, uma das melhores canções da carreira do grupo, é guiada por percussão e incorpora elementos afro-brasileiros em sua batida. E tem até balada: “Tradução”, que discute como o racismo estrutural afeta mulheres negras em meio a uma homenagem à mãe de Charles e Chaene, Dona Guiomar.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Tudo isso aliado a uma necessária mensagem antirracista, transmitida na língua do povo e sem tom de palestrinha, e à performance entrosadíssima do trio faz com que o Black Pantera ofereça um dos melhores shows do Brasil na atualidade. Para além da qualidade, cada elemento desfilado no palco é testado e validado por um número gigantesco de apresentações em todo o país, inclusive as interações: dos meros pedidos de palminhas aos momentos de mosh feminino (em “Só as Mina”, adaptação de “Sem Anistia”) e o clássico “agacha geral e levanta pulando quando nós mandarmos” (em “Fogo nos Racistas”). É, acima de qualquer suspeita, extremamente efetivo.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Ainda que realizado diante de um público não tão ligado a sons mais pesado, o show foi tão exemplar a ponto de atrair em seu desenrolar um volumoso público (que, sabemos, normalmente prefere ignorar atrações de abertura e esperar pelos artistas principais do lado de fora). Resta a Charles, Chaene e Rodrigo o desafio de continuar a se superar em suas próximas iniciativas, visto que as canções de “Perpétuo” — boas no álbum, excelentes ao vivo — deixaram até sem graça o encerramento com as pesadas, porém monocromáticas “Revolução é o Caos”, faixa do álbum “Ascensão” (2022) introduzida por solo de “(Anesthesia) Pulling Teeth” (Metallica), e “Boto pra F#der”, do debut “Project Black Pantera” (2015). Pode parecer que não, mas isso é um bom sinal.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Black Pantera — repertório:

  1. Provérbios
  2. Padrão é o Car#lho
  3. Dreadpool Zero
  4. Boom!
  5. Perpétuo
  6. Fogo nos racistas
  7. Tradução
  8. F#deu
  9. Black Book Club
  10. Só as Mina (versão de Sem Anistia)
  11. Candeia
  12. Revolução é o Caos
  13. Boto pra F#der
Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Living Colour

O público responsável por encher, ainda que sem lotar, o Tokio Marine Hall para apreciar o Living Colour ao vivo foi presenteado com uma revisitação abrangente de seu curto, mas impactante catálogo. Quatro dos seis álbuns foram representados pelas escolhas. As sintomáticas exceções são “The Chair in the Doorway” (2009) e “Shade” (2017), no que pode ser uma demonstração de que o grupo, hoje sem qualquer plano de lançar material inédito, teria se conformado em apenas celebrar sua obra passada.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Com cinco faixas cada, o arrasa-quarteirão “Vivid” e o pesado e nada otimista “Stain” (1993) foram os mais representados nas escolhas. Este último ainda teve quatro canções — “Ignorance is Bliss”, “Bi”, “Ausländer” e “Never Satisfied” — tocadas em sequência. Talvez o momento experienciado no planeta peça composições mais pessimistas. “Time’s Up” (1990) conta com três músicas, enquanto “Collideøscope” (2002) compila duas — ainda que “Sacred Ground”, do último registro mencionado, também tenha aparecido na coletânea “Pride” (1995).

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Sob a Marcha Imperial de “Star Wars”, subiram ao palco às 22h10 sem qualquer glamour Corey Glover, Vernon Reid, Doug Wimbish e Will Calhoun. Os mestres de seus instrumentos realizaram a apresentação toda com uma bandeira ao fundo que trazia o nome do grupo e nada além. Basta uma performance de altíssimo nível para que ninguém sinta falta de telões mirabolantes, pirotecnia e afins.

A paulada “Leave It Alone” e “Desperate People”, pérola de “Vivid” com reflexões sobre a dependência química, abriram o set de forma prejudicada. A voz de Glover saía baixa nas caixas de som, enquanto a guitarra de Reid soava embolada e também sem muito volume.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

No desenrolar do já mencionado quarteto de faixas de “Stain”, os problemas começaram a se resolver — a tempo de engrandecer em especial “Bi”. A canção responsável por discutir já em 1993 a bissexualidade, tabu até os dias de hoje, teve rara interação de Corey com o público e solo de baixo com som de synth por parte de Doug. Não fossem as improvisações, esta e outras músicas manteriam a impressão de a plateia estar ouvindo as gravações de estúdio, tamanhas eram a fidelidade e a qualidade da execução.


A experimental “Funny Vibe”, inspirada em um caso real de racismo experienciado por Reid, teve, como habitual, um show de Calhoun. O músico, que ainda emplacou um pequeno solo ao fim da canção, é o coração do Living Colour e há tempos um dos melhores bateristas do planeta.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Apesar da menção direta a Chico Mendes, ativista ambiental assassinado em 1988 por um grileiro, “Sacred Ground” pareceu ter dispersado o público, mas a atenção seria recapturada com a sensacional “Open Letter (To a Landlord)”. Antes, durante e ao fim desta, Glover, no alto de seus 59 anos, promoveu desfiles vocais tão exuberantes que o público deveria sair e pagar o ingresso de novo. Que esta ideia não chegue ao produtor Paulo Baron.

Se antes teve spoiler, Will Calhoun ofereceu, enfim, um solo de bateria propriamente dito antes de “Flying”, canção musicalmente leve, mas liricamente pesada. Trata-se de uma homenagem às pessoas que estavam no World Trade Center no atentado de 11 de setembro e se jogaram das janelas para tentar salvar suas vidas. Ao fim, foi estendida para um solo de Vernon capaz de deixar até estátua boquiaberta.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

O efêmero medley que homenageia o legado de Doug Wimbish na Sugarhill Records divertiu o público com trechos de “White Lines (Don’t Do It)” (Melle Mel), “Apache” (Sugarhill Gang) / “The Message” (Grandmaster Flash and the Furious Five). Preparou bem o público para a despojadamente ácida “Glamour Boys”, que, sob forte influência de ritmos caribenhos, pareceu antecipar em sua letra a era dos influencers digitais. Esta e a funky “Love Rears Its Ugly Head”, raro momento em que Corey circula pelo palco todo, estiveram entre as mais aplaudidas e filmadas pelos celulares.

Também pautada no ambientalismo, a acelerada “Time’s Up” reforça não apenas a genialidade de Reid, como também mostra de onde Tom Morello (Rage Against the Machine) tirou boa parte de sua assinatura sonora. “Cult of Personality” promoveu uma catarse coletiva, cantada pela plateia a ponto de deixar Glover novamente com voz baixa, enquanto “Type”, dedicada por Vernon ao Black Pantera, encerrou uma noite que beirou a perfeição: só não foi 100% porque “Solace of You”, escrita no setlist colado no palco, não foi tocada.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Por incrível que pareça, o Living Colour encerrará sua 11ª passagem pelo Brasil deixando gostinho de “quero mais”. Mesmo sem novidades trazidas, a impressão deixada é de que o grupo poderia retornar todo ano que seguiria despertando interesse do público — pelo não tão simples fato de oferecer um dos melhores shows do rock mundial, com atemporalidade pulsante tanto na performance ainda de extrema qualidade quanto pelas mensagem das letras cuja relevância é mantida. Serve de recado para Corey Glover: se dependessem mesmo do hit “Cult of Personality”, não conseguiriam tal feito.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Living Colour — ao vivo em São Paulo

  • Local: Tokio Marine Hall
  • Data: 12 de outubro de 2024
  • Produção: Top Link Music

Repertório:

  1. Leave It Alone
  2. Desperate People
  3. Ignorance Is Bliss
  4. Bi
  5. Ausländer
  6. Never Satisfied
  7. Funny Vibe
  8. Sacred Ground
  9. Open Letter (to a Landlord)
  10. Solo de bateria + Flying
  11. Medley: White Lines (Don’t Do It) (Melle Mel) / Apache (Sugarhill Gang) / The Message (Grandmaster Flash and the Furious Five)
  12. Glamour Boys
  13. Love Rears Its Ugly Head
  14. Time’s Up
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  16. Type
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Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

2 COMENTÁRIOS

  1. Estive ontem na casa e tive a felicidade de encontrar pessoalmente o Igor Miranda. Excelente show como sempre do LC. Estive no primeiro show da banda em 1992 no Hollywood Rock e acompanho a banda desde sempre. Imperdível.

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