Licks e Maltz revivem clássicos dos Engenheiros do Hawaii com entusiasmo e nostalgia em SP

Show emocionante com belo setlist trouxe músicos originais da banda ao lado de Engenheiros sem CREA para o Carioca Club

Em tempos recentes, talvez sob impulsão de um forte saudosismo ou mesmo pela ausência de bandas que representem com a mesma força o sentimento do rock nacional dos anos 1980, têm ocorrido grandes eventos e reencontros de artistas dessa geração. As turnês com remanescentes da Legião Urbana e a reunião dos membros originais dos Titãs — chegando a lotar estádios — servem de exemplo.

No último domingo (8), sob grande expectativa, fãs da cidade de São Paulo testemunharam o reencontro de Augusto Licks (guitarra) e Carlos Maltz (bateria), dois dos três integrantes da formação clássica dos Engenheiros do HawaiiHumberto Gessinger (voz e baixo) completava o trio. Juntando-se ao carismático Sandro Trindade (voz e baixo) e a Jeff Gomes (guitarra), membros da experiente banda cover Engenheiros sem CREA — que toca há anos na noite porto-alegrense —, a dupla apresentou um belo repertório do que é considerada, por muitos, a melhor fase do grupo.

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Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

A devoção dos fãs de Engenheiros do Hawaii é algo que sempre chama a atenção. Desfilavam pelo Carioca Club pessoas carregando vários discos para tentar um autógrafo e membros de fã-clube com camisetas personalizadas. A fila para tirar foto com a banda após o show rendia mais de uma hora de espera. Durante a apresentação inteira, músicas foram cantadas do início ao fim, mesmo com um repertório que não era composto apenas por hits.

O evento, vale destacar, fez parte de uma turnê iniciada após data única em Porto Alegre, em abril. Nos meses seguintes, cidades como Florianópolis, Curitiba, Brasília, Goiânia, Campinas e Ribeirão Preto receberam o quarteto, com Gramado (13/09) e Belo Horizonte (25/10) ainda a serem visitadas.

A trajetória dos Engenheiros do Hawaii

Embora não tenha participado do disco de estreia, “Longe Demais das Capitais” (1986), Augusto Licks fez parte da formação “clássica” dos Engenheiros do Hawaii. Deixou grande contribuição já no álbum seguinte, “A Revolta dos Dândis” (1987), um dos mais emblemáticos do grupo, que trouxe sucessos como “Infinita Highway” e “Terra de Gigantes”. Seu estilo influenciado por blues e rock progressivo somado ao domínio técnico foram essenciais nessa etapa.

A sintonia entre os membros era tamanha que eles chegaram a lançar um trabalho chamado apenas “Gessinger, Licks & Maltz” (1992).

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

Apesar de Humberto Gessinger ter seguido com os Engenheiros do Hawaii por mais alguns anos após as saídas de Licks e Carlos Maltz (em 1993 e 1996, respectivamente), a banda encerrou oficialmente suas atividades em 2008. Durante esses anos, foram lançados álbuns como “Surfando Karmas & DNA” (2002) e “Acústico MTV” (2004), que foram bem recebidos pelo público e emplacaram sucessos na MTV da época. Após o fim do grupo, com uma carreira já consolidada, Humberto iniciou seu projeto solo, com o qual excursiona até os dias de hoje.

Vale lembrar que, mesmo sem o apoio direto da grande mídia, os Engenheiros do Hawaii alcançaram um enorme sucesso. Ainda que muitas vezes fora dos principais circuitos de rock, a banda conseguiu criar uma base de fãs fiel e manter sua relevância no cenário nacional. Mesmo para o show de domingo (8), a divulgação pareceu ser menor do que o merecido para o evento.

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

Abertura

Escalada para abrir a noite, a banda Jogo Sujo é nitidamente experiente no palco. Formado em 2007 e composto atualmente por Marcio Moraes nos vocais, Matheus Carrer Neto na bateria, Lucas Chini no baixo e João Costa na guitarra, o grupo porto-alegrense entregou uma performance enérgica e técnica dentro do que se propõe.

O quarteto, que possui apenas um disco gravado, apresenta um repertório com releituras de brega e sertanejo, passando por covers de rock nacional e canções autorais. Mesmo com um público ainda reduzido na casa, não se deixaram abater. Ofereceram com bom humor um setlist que refletia a diversidade do público, variado em idade e estilo.

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

A discotecagem de Thiago DJ se destacou ao trazer uma seleção que não era óbvia de artistas e bandas como Legião Urbana, Ira!, Raul Seixas, Titãs e Paralamas do Sucesso. Aliás, o único merchan disponível no evento era do programa “Heavy Pero no Mucho”, apresentado pelo próprio na rádio 89.

Hora do show

Por volta das 20h10, o público já vibrava com Augusto Licks, Carlos Maltz, Sandro Trindade e Jeff Gomes para “Toda Forma de Poder”. Escolhida para abrir o setlist, a canção é poderosa — e embora seja a única a não contar com Licks na gravação original, foi executada com devoção.

Na sequência, vieram quatro músicas que, apesar de não terem sido grandes hits à época, foram cantadas do início ao fim pelos presentes: “Tribos e Tribunais”, “Variações Sobre um Mesmo Tema”, “A Revolta dos Dândis” e “Canibal Vegetariano Devora Plantas Carnívoras”. Com versos como “Tive um pesadelo e tive medo de não acordar”, “Tem muita gente se queimando na fogueira e muito pouca gente se dando muito bem”, vemos elementos que vão da inquietação social à angústia pessoal, temas fortes na carreira da banda.

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

Notava-se a satisfação, especialmente dos membros originais, com a animação da plateia. Licks se adiantava no palco em alguns momentos, com sua postura sóbria e extremamente amável. Sorria para a plateia e parecia superanimado ao fazer os backing vocals em alguns refrães, como em “A Revolta dos Dândis”. Esta parece ser o ponto alto de sua desenvoltura. Maltz também sinalizava ao público, sorria, jogava animado sua primeira baqueta enquanto o guitarrista beijava palhetas antes de lançá-las ao público.

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Na sequência, “Muros e Grades” e “Ninguém = Ninguém”. Aqui, impressiona o vocal de Sandro Trindade. Na segunda canção mencionada, é possível sentir quase o próprio Humberto cantando. Nos versos mais graves, essa característica se sobressaiu e entregou qualidade. Jeff Gomes completou com maestria o que era necessário para uma excelente execução do setlist.

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

Beleza apesar da limitação

A esta altura do show, está claro que a combinação de músicos experientes nos últimos anos, como Jeff e Sandro, unidos aos integrantes da formação clássica, Maltz e Licks, é recente. Evidencia-se, como eles mesmos assumem, que foi limitado o tempo de ensaio tanto no início da turnê quanto entre os shows (com vários dias próximos). Não é algo que os desqualifique, mas isso se percebe mais facilmente em algumas passagens.

Mesmo com tais nuances, a performance segue de maneira mais intimista e o próximo momento é bonito e harmonioso, com Sandro no teclado. A iluminação cria um clima envolvente e emociona ainda mais o público com a execução de “Somos Quem Podemos Ser” e “Terra de Gigantes”. Sandro brincou dizendo que São Paulo é uma ilha e a banda emendou “Sampa no Walkman”, que é tocada apenas até o primeiro refrão.

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

Um detalhe que talvez passasse despercebido em outra situação pareceu ter destaque por ocorrer exatamente no dia 8 de setembro, logo após as festividades do Dia da Independência do Brasil. Durante o show, um trecho do “Hino da Independência” foi cantado ao fim de “Era Um Garoto Que Como Eu Amava os Beatles e os Rolling Stones” (na música há mesmo um trecho, mas apenas instrumental), na sequência do grito de “Brasil, Brasiiil”. Além disso, canções como “Exército de Um Homem Só”, com sua sonoridade que remete a marchas militares, trouxeram à tona nuances de momentos politicamente delicados. É como se essas referências refletissem um país que nunca encontrou plena estabilidade — e que sempre tem esses temas mais ou menos presentes.

Por falar em versões, o show trouxe as tradicionais interpretações ao vivo, em vez das versões em estúdio. Um destaque especial foi “Refrão de Bolero”, onde o nome “Ana” foi pronunciado no refrão — algo que Gessinger deixou de fazer há anos, preferindo apenas uma pausa nesse momento. Já em “Piano Bar”, o verso “Humberto Gessinger me dava razão” divertiu a plateia. 

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

A performance

Outros pontos ficaram bem evidentes no decorrer do show: a admiração e o respeito mútuo entre os músicos originais e os que completaram essa reunião. Sandro e Jeff não tentam forçadamente ser centro das atenções nem imitar Humberto. O frontman, aliás, trata o público com carisma e simpatia, dando espaço para que o público complete versos e se movimenta com naturalidade. Em determinado momento, exibiu a bandeira do Rio Grande do Sul, mas não para exaltar a terra e sim para agradecer a ajuda que São Paulo teria enviado para ajudar a reconstruir o estado após as recentes tragédias climáticas.

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

A presença de Sandro é digna, mas não tem obviamente a força de Humberto Gessinger. Assim, também são inevitáveis os questionamentos sobre uma possível reunião com o vocalista e baixista original, que já deixou claro muitas vezes não ter esse desejo por não gostar da exposição da banda.

Ao ocorrer agora, certamente haveria uma exposição maior ainda. Os fãs sabem disso e uma parte deles não tem receio de apontar o quão difícil seria o exigente Humberto abrir mão de uma carreira solo consolidada para “dividir” o sucesso com os ex-colegas novamente. 

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

Ao fim do show, enquanto Maltz lança mais baquetas, Licks beija outras palhetas antes de presentear o público. Apresenta e agradece a Sandro por ser o “Engenheiro dessa reunião, por essa ponte”. Fica uma grande sensação de satisfação, mas a inevitável esperança de que seja apenas o início de um reencontro maior.

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

Augusto Licks, Carlos Maltz e Engenheiros Sem CREA — ao vivo em São Paulo

  • Local: Carioca Club
  • Data: 8 de setembro de 2024
  • Produtora: Abstratti

Repertório:

  1. Toda Forma de Poder
  2. Tribos e Tribunais
  3. Variações sobre um Mesmo Tema
  4. Revolta dos Dândis
  5. Canibal Vegetariano Devora Plantas Carnívoras
  6. Muros e Grades
  7. Ninguém = Ninguém
  8. Somos quem Podemos Ser
  9. Terra de Gigantes
  10. Trecho de Sampa no Walkman
  11. Pra ser Sincero
  12. Refrão de Bolero
  13. Anoiteceu em Porto Alegre
  14. Alívio Imediato
  15. Nau à Deriva
  16. Ando Só
  17. Exército de um Homem Só
  18. O Papa é Pop
  19. Era um Garoto que como Eu Amava os Beatles e os Rolling Stones

Bis:

  1. Herdeiro da Pampa Pobre
  2. Piano Bar
  3. Infinita Highway

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Ana Montecinos
Ana Montecinoshttps://igormiranda.com.br
Ana Montecinos nasceu em 1982 e ama várias bandas dessa década. Leciona Espanhol e Português para estrangeiros, é mãe do Andreas e vive ao lado de Rolf a aventura da vida.

3 COMENTÁRIOS

  1. Show foi ótimo, que venha mais shows do Licks, Maltz e Engenheiros sem CREA, conseguiram me levar a década de 90, recordei da época que fui o show no Sesc Interlagos e Sesc Itaquera, época a qual sonhava ser musico profissional, valeu galera, obrigado por ontem. Após o término do show rolou sessão de fotos.

  2. Show foi excelente. Eles estão prontos para entrarem no circuito de festivais e para entregarem apresentações incríveis. Que os produtores descubram logo.

  3. Excelente show, faltou só a “Violência Travestida faz seu Trottoir” pra ficar perfeito. Como eu prefiro ouvir o Humberto em estúdio do que ao vivo ( muda muito os arranjos e letras, o que chega ser frustrante), ter essa união da uma banda cover (que evita cometer tais erros) com os dois músicos originais da fase mais importante dos Engenheiros permitiu uma catarse maravilhosa que ha muito tempo eu não sentia.

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