Paul McCartney oferece surpresas em meio a impecável 2º show em SP

Apresentação de sábado (9) no Allianz Parque teve “Give Peace a Chance” improvisada e trocas no setlist, sempre mantendo altíssimo nível

Como explicar o fato de um artista de 81 anos ainda entregar um show com mais de duas horas e meia de duração? Em se tratando de Paul McCartney, quase nada em sua carreira é fácil de se elucidar. O sucesso meteórico com os Beatles — em proporção jamais repetida por qualquer outro grupo —, as inovações promovidas durante seus menos de 10 anos em atividade, o fim bobo que a banda teve, o renascimento com o Wings — e o fato deste projeto não ter recebido a atenção merecida —, a decisão de passar uma década inteira (a de 1980) sem fazer turnês… a história toda de Macca parece fazer pouco sentido se você para pra contá-la a algum E.T. que não a conheça.

Mas não importa. Não precisa fazer sentido. O fato é que vivemos na mesma época que Sir James Paul McCartney. E ainda podemos desfrutar disso. O eterno Beatle fez neste sábado (9) a segunda de suas três apresentações no Allianz Parque, em São Paulo, como parte de uma turnê mundial chamada “Got Back”.

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O nome (“voltei”) faz alusão ao período sem shows devido à pandemia; ao mesmo tempo, há quem especule que seja a última tour de Macca ao menos neste porte. A idade avançada faz pensar se isso pode ser verdade. Porém, e vale repetir, estamos falando de um artista cuja trajetória é extremamente difícil de ser explicada. Talvez venham outros giros globais por aí, com novas oportunidades para reunir um público que vai, literalmente, da criança ao idoso. Quem sabe?

Do DJ à catarse

Antes da apresentação ter início às 20h15 (com 15 minutos contados de atraso), Macca contou com uma curiosa atração de abertura: um DJ que remixava canções dos Beatles, Wings e carreira solo de Paul, além de faixas ligadas à trajetória do protagonista da noite, como a versão original de “Please Mr. Postman” (The Marvelettes). Incomum, para dizer o mínimo. Entre a performance “eletrônica” e o show principal, uma arte vertical mostrou, de forma quase infinita, a fachada de um prédio com várias — eu disse várias — fotos do artista e das bandas que integrou. De George Martin a Pete Best, de Linda McCartney a Dave Grohl, todo tipo de gente que passou pela vida do “cute Beatle” apareceu nessa ilustração.

Chegamos ao topo desse edifício no já mencionado horário das 20h15. Por lá, estava o clássico baixo Hofner de Paul. Era o sinal de que o astro iria começar sua apresentação. Nada de glamour na entrada para o palco: sem cortinas caindo, plataformas subindo ou qualquer outro truque do tipo, McCartney surgiu de uma lateral e tomou seu lugar, acenando para todo mundo. Logo seus colegas Rusty Anderson (guitarra), Brian Ray (baixo e guitarra), Abe Laboriel Jr. (bateria) e Paul “Wix” Wickens (teclados) fizeram o mesmo.

O repertório foi iniciado com “A Hard Day’s Night”, que normalmente reveza a primeira posição com “Can’t Buy Me Love”. Catarse coletiva. Dava para ter tocado as duas, mas tudo bem. Mesmo com o microfone principal um pouco baixo — e algumas falhas naturais de Paul ao cantar as partes mais altas, quando felizmente a plateia assumia o protagonismo —, a faixa-título do álbum de 1964 já estava de bom tamanho para empolgar os mais de 40 mil presentes.

Impecável, mas nem sempre com adesão

O que veio na sequência imediata agradou — especialmente os fãs mais dedicados —, mas não empolgou a massa como poderia. Ainda que envolvente em sua essência, “Junior’s Farm” fez o público mais admirar a execução do que sair do chão. “Letting Go”, iniciada após o Beatle soltar um “boa noite, mano” em português, trouxe recursos para prender a atenção dos presentes: um som robusto de guitarra, o trio de metais Hot City Horns —Mike Davis (trompete), Kenji Fenton (saxofone) e Paul Burton (trombone) — tocando nas arquibancadas à esquerda e um pedido para acompanhar o ritmo com palmas. Ambas as mencionadas neste parágrafo são do Wings, enquanto “She’s a Woman” é dos Beatles. Trata-se, porém, de um lado B; e nem é força de expressão, a faixa realmente saiu na segunda parte do compacto de “I Feel Fine” e não entrou em álbuns, só coletâneas. Vários milhares na pista dançaram, mas visivelmente não conheciam a canção.

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As reações começaram a ficar mais entusiasmadas com a incrível “Got to Get You Into My Life”, onde os metais adquirem protagonismo. A partir daqui, fica claro um padrão: Paul McCartney não emenda músicas. Sempre aproveita o intervalo entre uma canção e outra para conversar com os presentes e talvez até recuperar fôlego. Pra que pressa, né? Em português, disse que iria tocar “uma música nova… um pouquinho nova” e lançou “Come On to Me”, presente no álbum “Egypt Station” (2018) e uma ótima escolha para representar sua carreira solo.

A essa altura, Macca poderia fazer qualquer coisa que o público gritaria de volta. E assim ocorreu: ouviu berros quando simplesmente tirou o paletó. Showman que é, mostrou que havia uma estampa na parte interna da peça. “Let Me Roll It”, dona de bom trabalho de guitarras e ótimo som de Hammond por Wix, chamou atenção pelo encerramento com trecho de “Foxy Lady”, em homenagem a Jimi Hendrix. Aqui, Paul (já com o instrumento de seis cordas em vez do de quatro) fez um solo nada virtuoso acompanhando padrões básicos de pentatônica, mas ainda divertido de se acompanhar. Paul pra toda obra.

Ainda assim, as reações mais efusivas estavam guardadas para canções dos Beatles. Foi o que ouvimos em “Getting Better”, mas não na sequência de Paul no piano com “Let ‘Em In” (com breve exibição da bandeira LGBTQIAPN+ no telão), “My Valentine” (dedicada à esposa do astro, Nancy Shevell, e com o videoclipe protagonizado por Johnny Depp e Natalie Portman nas telas) e “Nineteen Hundred and Eighty-Five”. Até então, um show tecnicamente impecável, mas com tais altos e baixos, talvez intencionais, no que diz respeito a fluxo de repertório.

O pai já estava on; agora, é a vez da plateia

O jogo começa a virar de novo com a linda “Maybe I’m Amazed”, ainda com Paul McCartney ao piano e com toda a sua banda de apoio dando um verdadeiro show. A partir daqui, há início outra etapa do show, com o protagonista no violão e Abe Laboriel Jr em uma bateria reduzida, mais à frente do palco. Mesmo não sendo exatamente um hit, a folky “I’ve Just Seen a Face” fez mais gente que o esperado cantar na plateia, enquanto “In Spite of All the Danger”, envolvente doo-wop dos tempos de Quarryman (banda pré-Beatles), foi ganhando atenção conforme se desenvolvia. Ao fim desta, Macca elogiou a interação da plateia e lançou um “o pai tá on”.

Estava “on” mesmo. E o público, enfim, ficou “on” também. “Love Me Do”, com gaita executada por Wix, rendeu o segundo momento de catarse coletiva — o primeiro desde a abertura do set —, enquanto “Dance Tonight” chamou atenção tanto pelo mandolin de McCartney quanto pela já tradicional dança do carismático Laboriel Jr. “Blackbird”, ainda na veia acústica, veio acompanhada de belo visual (com direito a Paul sendo elevado em alguns metros num palco à parte) e ganhou tons adicionais de emoção — aproveitados não só pela esperada homenagem a John Lennon com “Here Today”, como também pela posterior execução improvisada e parcial de “Give Peace a Chance”. A plateia puxou um coro da canção do saudoso artista e Macca, surpreendentemente, atendeu ao pedido.

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Esta não foi a primeira surpresa no setlist. Após a ok “New” e a excelente “Lady Madonna” (com várias mulheres notórias do esporte e entretenimento sendo exibidas no telão), Paul antecipou “Jet” e a dedicou para Denny Laine, guitarrista do Wings falecido na última terça-feira (5), aos 79 anos. Era, na verdade, um sinal de que algumas canções seriam cortadas em relação a outros setlists recentes; a saber: “Fuh You”, “You Never Give Me Your Money” e “She Came in Through the Bathroom Window”. Introduzida com um “vocês são da hora”, “Being for the Benefit of Mr. Kite!” preparou terreno para um dos momentos mais aclamados da noite: a sempre linda versão de “Something” em homenagem a George Harrison, iniciada no ukulele e concluída com banda completa. O tempo só fez bem à obra do subestimado guitarrista.

Surra de hits

Começa, então, um desfile de hits incontestáveis que só se interrompe ao fim do set. Para se ter ideia, antes do bis há em sequência “Ob-La-Di, Ob-La-Da”, ambientada com uma iluminação em referência às cores do reggae/bandeira da Jamaica; a incrível “Band on the Run”, talvez o momento mais prog da trajetória de Paul McCartney; a dobradinha “Get Back” e “Let It Be”, ambas do álbum final dos Beatles; “Live and Let Die”, onde o patrão fica maluco e aciona todo tipo de fogo e iluminação; e “Hey Jude”, que, ok, ninguém escuta em casa, mas todo mundo faz o “na na na na” ao vivo sem o menor problema.

A saída de cena de Paul pré-bis foi tão convincente que muita gente começou a deixar o Allianz Parque. Mas logo ele e banda retornaram com bandeiras do Brasil, Reino Unido e LGBTQIAPN+ — os Beatles nunca temeram abordar questões sociais; basta lembrar, por exemplo, de quando se recusaram a tocar para plateias segregadas nos Estados Unidos. O “encore” é aberto com a emocionante versão de “I’ve Got a Feeling” com voz e imagem de John Lennon interpretando sua parte. É lindo de se ver.

Em uma grata substituição, “I Saw Her Standing There” ocupou a vaga de “Birthday” e foi tocada pela quarta vez em toda a turnê. “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (Reprise)” é ótima, mas transmite a mesma sensação ruim que no álbum de 1967: a de que está acabando. Felizmente, ainda há a insana “Helter Skelter”, gênese do heavy metal como o conhecemos e executada com iluminação caótica como manda o figurino, e a real conclusão com o apoteótico medley de encerramento do álbum “Abbey Road” (1969): “Golden Slumbers”, “Carry That Weight” e “The End”. Acabou. Assim, com essa sensação de fechamento, mas deixando uma vontade de ouvir mais umas dez músicas.

Sabe-se lá como, um show com mais de duas horas e meia de duração deixou gostinho de “quero mais”. Não surpreende. Eu avisei que nada envolvendo Paul McCartney parece fazer sentido.

*Paul McCartney continua a turnê pelo Brasil com um terceiro show em São Paulo (10/12), além de compromissos em Curitiba (13/12) e Rio de Janeiro (16/12). Todas as datas estão com ingressos esgotados. A apresentação no Rio será transmitida pelo Disney+ e Star+. Saiba mais clicando aqui.

Paul McCartney – ao vivo em São Paulo

  • Local: Allianz Parque
  • Data: 9 de dezembro de 2023
  • Turnê: Got Back

Repertório:

  1. A Hard Day’s Night (Beatles)
  2. Junior’s Farm (Wings)
  3. Letting Go (Wings)
  4. She’s a Woman (Beatles)
  5. Got to Get You Into My Life (Beatles)
  6. Come On to Me
  7. Let Me Roll It (Wings, com trecho de “Foxy Lady”, da Jimi Hendrix Experience)
  8. Getting Better (Beatles)
  9. Let ‘Em In (Wings)
  10. My Valentine
  11. Nineteen Hundred and Eighty-Five (Wings)
  12. Maybe I’m Amazed
  13. I’ve Just Seen a Face (Beatles)
  14. In Spite of All the Danger (The Quarrymen)
  15. Love Me Do (Beatles)
  16. Dance Tonight
  17. Blackbird (Beatles)
  18. Here Today (com trecho de Give Peace a Chance, da Plastic Ono Band, ao fim)
  19. New
  20. Lady Madonna (Beatles)
  21. Jet (Wings)
  22. Being for the Benefit of Mr. Kite! (Beatles)
  23. Something (Beatles)
  24. Ob-La-Di, Ob-La-Da (Beatles)
  25. Band on the Run (Wings)
  26. Get Back (Beatles)
  27. Let It Be (Beatles)
  28. Live and Let Die (Wings)
  29. Hey Jude (Beatles)

Bis:

  1. I’ve Got a Feeling (Beatles)
  2. I Saw Her Standing There (Beatles)
  3. Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band – Reprise (Beatles)
  4. Helter Skelter (Beatles)
  5. Golden Slumbers (Beatles)
  6. Carry That Weight (Beatles)
  7. The End (Beatles)

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

4 COMENTÁRIOS

  1. “ um solo nada virtuoso acompanhando padrões básicos de pentatônica”. Ok, mas 1) desde quando Paul foi um virtuoso?; 2) qual o problema de usar pentatônica? Dentro da linguagem musical e sabendo “falar”, o simples é tudo.

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