Como drogas e erros no palco tiraram Clive Burr do Iron Maiden

Baterista dos três primeiros álbuns da banda foi demitido após entrar em rota de colisão com Steve Harris na turnê "The Beast on the Road", em 1982

Clive Burr não era o baterista mais técnico, ou o mais rápido, tampouco o mais preciso. Mas foi um dos mais inventivos de sua geração no âmbito do heavy metal e cravou seu nome na história ao gravar os três primeiros discos do Iron Maiden.

Influenciado por Ian Paice, do Deep Purple, Clive desenvolveu um estilo pesado e agressivo de tocar, mas que também se amparava no feeling. Eram características determinantes para o som da New Wave of British Heavy Metal (NWOBHM) e do que posteriormente viria a ser o thrash metal.

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Suas linhas de bateria podiam transitar entre algo urgente e com certo viés punk (“Prowler”, “Purgatory”), beats marcantes e bem definidos (“Wrathchild”, “Run to the Hills”, “Running Free”) ou até conduções mais elaboradas (“Phantom of the Opera”, “Hallowed Be Thy Name”).

Essa versatilidade, bem como seu carisma, fizeram de Clive Burr peça importante nos “early days” do Iron Maiden e um dos integrantes mais queridos pelos fãs. Porém, não foi o suficiente para mantê-lo na banda por mais do que três anos.

Afinal, o que levou à demissão do baterista?

Ao longo dos anos, muito foi dito, mas é possível concluir por meio de declarações dos envolvidos que Clive Burr foi defenestrado em virtude da famosa combinação: drogas e erros no palco.

O êxtase e a perdição

Em 1982, o Iron Maiden mudou de patamar. O álbum de estreia homônimo e “Killers” já haviam pavimentado o caminho para a glória, mas “The Number of the Beast” catapultou a Donzela de Ferro ao posto de principal banda de heavy metal do planeta naquele momento.

Havia quem vendesse mais discos, é verdade. Ainda não eram headliners nos Estados Unidos, também procede. Mas o impacto do terceiro álbum do Maiden e das novidades introduzidas por ele já prenunciava o que aconteceria nos anos seguintes.

Isso se traduziu na “The Beast on the Road”, turnê que foi o êxtase para a banda – e a perdição para Clive Burr. No livro “Run to the Hils”, do jornalista e escritor Mick Wall, o guitarrista Adrian Smith e o baixista Steve Harris relatam, respectivamente:

“Para algumas pessoas, excursionar pelos Estados Unidos pode ser bom demais para ser verdade”

Steve Harris

“Os EUA não são exatamente o lugar mais fácil do mundo para se resistir a tentações, ainda mais se você for integrante de uma banda em turnê, cujo álbum está em todas as paradas.”

Adrian Smith

Mesmo com todos os seus predicados na bateria, e tendo inclusive contribuído com a composição de duas músicas da era “The Number of the Beast” – “Gangland” e “Total Eclipse” –, Clive Burr não resistiu aos excessos na estrada.

Smith completa:

“Clive era um grande baterista, com um estilo Ian Paice de tocar, firme e consistente, e com um bom feeling para tudo. Mas o problema não era seu estilo como baterista e sim como se detonava quando tinha uma noite de folga. Com o passar do tempo, ele se excedeu cada vez mais, particularmente nessa turnê.”

Naturalmente, Clive não era o único integrante do Iron Maiden naquele período que se entregava aos prazeres das farras e de substâncias químicas. No entanto, somente ele, como uma espécie de sucessor de Paul Di’Anno, deixou isso extrapolar das boates e quartos de hotel para os shows, como conta Mick Wall na biografia que escreveu sobre a banda:

“Infelizmente, Clive – que, sem dúvida, não era o pior dos criminosos – foi o único que permitiu que tais baladas afetassem sua performance no palco e, como Paul Di’Anno já havia descoberto, isso é um grave pecado para a concepção de Steve, algo que o baixista não perdoa.”

“Loopy” Newhouse, roadie do Iron Maiden entre 1978 e 1984, viu com os próprios olhos a coisa degringolar ao longo da turnê. A ponto de, em determinados shows, Clive Burr precisar de um balde ao lado do kit de bateria para vomitar. Em entrevista de 2021 ao The Metal Voice, ele comentou sobre a saída do músico:

“É difícil para a banda explicar o motivo. Mas cá entre nós e todos no mundo, acho que as drogas estavam envolvidas. Drogas, bebida, ou até mesmo as duas.”

Fissura na cozinha

Para o vocalista Bruce Dickinson, que acabara de entrar no Iron Maiden e tateava o sucesso de seu primeiro álbum com a banda, a crise ia além do hedonismo puro e simples.

O cantor conta em seu livro “Para que serve este botão?” que havia uma rachadura musical, e até de espírito, entre o baixista Steve Harris e o baterista Clive Burr, potencializada pelo desgaste da convivência, sobretudo na estrada.

“A questão não foi a bagagem nem as farras ou as mulheres, pois todos nós fomos culpados por isso em algum momento ou outro. O termo ‘diferenças artísticas’ daria peso indevido à sua contribuição criativa. A frase mais próxima a que consigo chegar seria ‘discordâncias irreparáveis autorrealizáveis’. A ruptura do relacionamento entre um baterista e um baixista é algo bem crucial, em especial quando o baixista, por acaso, é o principal compositor e líder da banda.

Onde não se entendiam bem era nos compassos e viradas intrincados e frequentemente excêntricos imaginados por Steve. As personalidades dos dois encaminhavam-se cada vez mais para o confronto. Steve era tímido fora do palco, mas agressivo e preciso em cima dele. Clive, fora do palco, era o sr. Extrovertido, mas, no que se referia à precisão em cima dele, estava quase sempre mais para sr. Quase Lá. Jogue essa mistura na panela e, Estados Unidos afora, a situação só ficava mais e mais caótica. Ao final, Steve me chamou em um canto e disse: ‘Ele tem que sair. Não aguento mais essa m#rda’.”

Na etapa norte-americana da “The Beast on the Road”, o Iron Maiden abriu para Scorpions, Rainbow, Judas Priest e 38 Special. Mesmo com um set relativamente curto, a fissura na parte rítmica – a cozinha – da banda crescia a cada show até ficar insustentável.

Com a palavra, Steve Harris:

“A coisa que mais me preocupava na época era conseguir terminar a turnê. Pensei assim: ‘Bom, se temos problemas com um set de 45 minutos, como será quando fizermos nosso próprio show de duas horas?’. Era isso o que mais me incomodava em Clive. (…) Pode parecer besteira, mas acho que, com o Maiden, mesmo quando não estamos no nosso melhor, ainda somos muito bons aos olhos das pessoas. Para mim, porém, isso não basta. Fico desapontado se não dermos tudo, mas, naquela turnê, precisamos batalhar demais em algumas noites porque Clive não conseguia se segurar em pé. E não fui só eu que fiquei puto com Clive. Todos estavam putos com ele.”

Vida após demissão

Clive Burr marcou época mesmo permanecendo no Iron Maiden apenas entre 1979 e 1982. Guardadas as devidas proporções de tempo, a importância de seu legado não é tão menor que a do sucessor Nicko McBrain, na banda há mais de quatro décadas.

Antes de entrar no Iron Maiden, ele já havia tocado no Samson, assim como Bruce Dickinson. Após a demissão, passou por bandas como Trust, Alcatrazz, Gogmagog, Prayng Mantis e Elixir, mas sempre de forma efêmera.

Em 2011, dois anos antes de falecer devido a uma esclerosa múltipla, diagnosticada no fim da década de 1990, Clive Burr concedeu entrevista à revista Classic Rock. Nela, o baterista comentou sobre sua saída do Iron Maiden e negou a versão mais difundida, a qual classificou como “besteira”.

“Eu ouvi as histórias – que foi por causa de drogas ou muita bebida. Não foi nada disso.”

De acordo com Clive, seu pai morreu durante a “The Beast on the Road” e ele teve que abandonar a turnê, viajando às pressas para Londres. A princípio, todos concordaram e o incentivaram a fazê-lo. Passados alguns dias do luto, ele voou de volta para os Estados Unidos e se deparou com Nicko McBrain ocupando seu posto.

“Eu voltei e percebi que tinha alguma coisa errada. ‘Achamos que é hora de nos separarmos’, me disseram. Eu estava muito chateado para ficar com raiva. Era um período de luto para mim – eu sofri por perder meu pai e por perder a banda. Mas depois eu me recompus e segui em frente. Simples assim. Só acho que se você vai demitir alguém, fazer isso depois que essa pessoa acabou de perder o pai não é o melhor momento. Mas eles tiveram seus motivos, então foi isso.”

Adrian Smith, por sua vez, não compra muito a ideia. Ainda em “Run to the Hills”, de Mick Wall, o guitarrista reitera o desfecho de demissão causada por esbórnia.

“Quando se está no assento do motorista em uma banda, como é o caso do baterista, toda a pressão cai em cima dele. É a peça-chave. Então, se começar a f#der com tudo, f#de também com todo o resto. Em especial, o baixo. Por isso, Steve discutia muito com Clive. Sempre que recebia um aviso, Clive ficava dizendo: ‘Desculpe-me, cara. Não percebi que estava tão mal. Isso não vai acontecer de novo’. Daí, tudo ficava bem durante alguns shows, mas logo os problemas recomeçavam. Clive é um bom baterista e um cara legal, mas, assim como ocorreu com Paul (Di’Anno), após um tempo não havia mais qualquer dúvida sobre o que aconteceria.”

Na mesma obra, Bruce Dickinson recorda o ex-colega com carinho e admiração. E deixa sua opinião sobre o tamanho de Clive Burr, compartilhada por muitos fãs de Iron Maiden.

“Ainda acho que ele é o melhor baterista que a banda já teve. Não estou desmerecendo Nicko. Tecnicamente, Nicko é um batera bem mais competente que o Clive. Mas Clive tinha um feeling insuperável, e isso é algo que não se aprende. Sinto muito por ele não ter conseguido mais tempo pra tentar se endireitar.”

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Guilherme Gonçalves
Guilherme Gonçalves
Guilherme Gonçalves é jornalista formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG). É repórter do Globo Esporte e atua no jornalismo esportivo desde 2008. Colecionador de discos e melômano, também escreve sobre música e já colaborou para veículos como Collectors Room e Rock Brigade. Revisa livros das editoras Belas Letras e Estética Torta e edita o Morbus Zine, dedicado ao death metal e grindcore.

3 COMENTÁRIOS

  1. Na minha opinião a versão live de Hallowed be thy name com Clive Burr soa melhor…a melhor versão até hoje essa do vídeo acima!!!! Gostava do estilo de Clive, deixou a sua marca e viradas em determinadas músicas e acima de tudo também tinha carisma…na minha opinião!!!! Bons tempos de antigamente, valeu!!!!

  2. Era um baterista que deixou uma marca insuperável nos 3 álbuns que gravou com a banda. Sua batida na música “The Prisoner” é fantástica; aliás, no clássico “The Number of the Beast”, Clive Burr tem uma atuação impecável, lembrando o grande Ian Paice em “Burn”, uma das melhores performances de um batera que já escutei em uma música. Clive Burr era um dos grandes e será lembrado eternamente.

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