A história do videoclipe cafona que destruiu a carreira de Billy Squier

“Rock Me Tonite” virou chacota na tela da MTV e foi ponto de inflexão na trajetória do roqueiro, até então em franca ascensão nos EUA

Billy Squier e “Rock Me Tonite” protagonizam um dos maiores cases de insucesso da indústria da música. Se você conhece o artista, famoso nos Estados Unidos no início dos anos 1980, já deve ter ouvido a respeito. Se não faz ideia de quem ele é, saiba que o motivo talvez seja justamente essa história. Um clássico da autossabotagem.

O roteiro é simples, porém, traumático: Squier, um vocalista/guitarrista de rock em franca ascensão, viu a carreira ruir após seu novo videoclipe virar chacota na MTV. Até então, “Rock Me Tonite” era sucesso nas paradas. Quando ganhou as telas do canal musical, caiu em desgraça, sob acusações de estética e encenação cafonas.

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Billy Squier até “Rock Me Tonite”

William Haislip Squier, nome real de Billy Squier, vinha de dois álbuns de platina – “Don’t Say No” (1981) e “Emotions in Motion” (1982) –, uma invejável coleção de hits sendo empilhados e shows lotados de costa a costa. A imprensa o apontava como a personificação do rock oitentista e exaltava a ponte que sua música fazia entre o power pop e o hard rock.

Em 1984, Squier lançou “Signs of Life”, seu quarto álbum de estúdio e o terceiro certificado como disco de platina, após vender mais de um milhão de cópias. O carro-chefe foi o single “Rock Me Tonite”. Tudo ia muito bem até o malfadado vídeo, que até hoje causa pesadelos.

Durante entrevista ao livro “I Want My MTV: The Uncensored Story of the Music Video Revolution”, publicado em 2011, Squier relembrou o trauma:

“Eu fui de 15 a 20 mil pessoas por noite para 10 mil. Tudo pelo o que trabalhei durante toda minha vida estava desmoronando e eu não conseguia fazer parar. Como um vídeo de 4 minutos pode fazer isso? Ok, ele era péssimo. Mas e daí?”

O conceito

O clipe de “Rock Me Tonite” é todo centrado em Billy Squier. Ele acorda envolto em lençóis de cetim e começa a se vestir. A empolgação do personagem, no entanto, logo dá a entender que não se trata de uma ocasião normal, como mais um dia de trabalho. Nosso “herói” parece ter esperado ansiosamente por esse momento.

A bateria entra, a guitarra faz seu primeiro ataque e Squier se solta de vez. Ele começa a dançar e a coreografia, além de trejeitos efusivos, inclui: pular, rastejar e se debater contra o chão. Sobra até para a camiseta, rasgada pouco depois de ser vestida.

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O conceito do vídeo era esse mesmo e foi desenvolvido por Squier, como ele admitiu:

“Foi baseado no ritual de ir a um show. É como quando estamos nos preparando para sair, conferindo nossas roupas e nosso cabelo.”

Pouco após o terceiro minuto, Squier agarra sua guitarra, se teletransporta para um novo ambiente sabe-se lá como e encontra seus colegas de banda. Juntos, eles excutam a porção final da música, com o mesmo mise-en-scène exagerado.

A execução

O videoclipe de “Rock Me Tonite” foi filmado em Los Angeles, na Califórnia, a apenas duas semanas da estreia mundial na MTV. Os primeiros diretores sondados para a empreitada foram Bob Giraldi (Michael Jackson) e David Mallet (Queen, David Bowie). Com a recusa de ambos, o trabalho caiu no colo de Kenny Ortega, um coreógrafo que faria fama e fortuna com os filmes “Curtindo a Vida Adoidado” (1986), “Dirty Dancing” (1987) e “High School Musical” (2006), entre outros.

Billy Squier alega ter feito várias ponderações a Ortega quanto ao cenário, às cores predominantes na fotografia e até mesmo à coreografia do que deveria dançar na encenação. Segundo o próprio Squier, o resultado foi “um curso de MBA sobre como um vídeo pode dar totalmente errado”.

E ele completa, culpando Ortega por tê-lo “domesticado” demais:

“É um caso claro em que o diretor deixou sua percepção sobre mim anular o que eu realmente era. Não sou uma estrela pop, um ídolo teen. Sou muito mais corajoso que isso. O vídeo deturpa quem sou como artista. Eu era um cara bonito e sexy. Isso certamente não prejudicou a venda de discos. Mas nesse vídeo eu meio que sou só um garoto bonito, se arrumando no quarto. As pessoas diziam: ‘ele é gay’. Ou: ‘ele está drogado’. Foi traumatizante. Eu não tinha nada contra gays, tenho muitos amigos gays. Mas, gostando ou não, na época era uma crítica.”

Kenny Ortega, por sua vez, rechaçou qualquer parcela de culpa. Ao escritor Serge Denisoff, autor do livro “Tarnished Gold: The Record Industry Revisited” (1986), ele afirmou que sua participação no conceito do vídeo foi mínima.

“Na verdade, tentei foi endurecer a imagem que ele estava projetando… mas tanto o editor Peter Sternlicht quanto eu ficamos tão frustrados com nossa falta de envolvimento que insistimos que nossos nomes fossem omitidos dos créditos. Para não deixar dúvidas: ‘Rock Me Tonite’ foi um vídeo de Billy Squier em todos os sentidos. Se isso prejudicou sua carreira, ele não pode culpar ninguém além de si mesmo.”

O estrago

De acordo com a Ultimate Classic Rock, o clipe de “Rock Me Tonite” era:

“Tão escandalosamente fora de sintonia com o que os fãs de rock estavam dispostos a tolerar que estagnou o single, atrapalhou a turnê de 1984 e esfriou permanentemente o ímpeto de Bily Squier como artista musical.”

O vocalista/guitarrista entrou numa espiral descendente e nunca mais repetiu os números que tivera até então. “Rock Me Tonite” foi seu último single de sucesso e levou o álbum “Signs of Life” até a 11ª posição da Billboard, mas, nos anos seguintes, cada um de seus novos discos foram apresentando declínio nas paradas americanas:

  • “Enough is Enough” (1986) – 61ª posição
  • “Hear & Now” (1989) – 64ª posição
  • “Creatures of Habit” (1991) – 117ª posição
  • “Tell the Truth” (1993) – sequer entrou no Top 200
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É bem verdade que com “Signs of Life” Billy Squier também modificou, em partes, o som. Seu rock de arena, antes norteado pela guitarra, passou a dar mais espaço aos teclados e sintetizadores. O vídeo, no entanto, era o bode expiatório perfeito.

Em 2011, o já mencionado livro “I Want My MTV: The Uncensored Story of the Music Video Revolution” passou a limpo a história do canal. Mais de 400 convidados, entre músicos, VJ’s, empresários, diretores e executivos da indústria musical, elegeram seus videoclipes favoritos – e também os que detestavam. Não houve unanimidade sobre o melhor, apenas sobre o pior: “Rock Me Tonite”.

Na ocasião, Rudolf Schenker, guitarrista do Scorpions, declarou:

“Eu gostava muito de Billy Squier, mas então o vi fazendo este vídeo terrível. Não conseguia mais levar sua música a sério.”

O último álbum de inéditas de Squier foi “Happy Blue”, lançado em 1998. Nos anos 2000, ele caiu de vez no ostracismo. O derradeiro show aconteceu em 2014, com apelo bem distante daquele que o artista experimentou na aurora da década de 1980.

O sucesso passou; permaneceu o ressentimento com o diretor Kenny Ortega.

“É irônico. Ninguém nunca disse: ‘não vou contratá-lo; olha o que ele fez com Billy Squier’. Ele apenas seguiu em frente. A única pessoa que se feriu com isso fui eu. Se você quiser ser realmente dramático, pode dizer que esse cara me aleijou.”

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Guilherme Gonçalves
Guilherme Gonçalves
Guilherme Gonçalves é jornalista formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG). É repórter do Globo Esporte e atua no jornalismo esportivo desde 2008. Colecionador de discos e melômano, também escreve sobre música e já colaborou para veículos como Collectors Room e Rock Brigade. Atualmente revisa livros da editora Estética Torta e é editor do Morbus Zine, dedicado ao death metal e grindcore.

4 COMENTÁRIOS

  1. finalmente alguem na imprensa desse país de tão pouca cultura e educação escreve sobre um dos episodios mais lamentaveis da historia da musica popular, parabéns, excelente matéria, dados precisos e levantamento historico perfeito, sempre gostei muito do artista, inclusive dessa musica mas nunca me conformei quando ele conseguiu destruir sua carreira dessa maneira tão bizarra, muito triste, ele até hoje sofre as consequencias, o exemplo mais que perfeito quando o “video killed the radio star”, uma lição para todas as gerações posteriores do que não fazer com sua imagem, uma pena

  2. Que máteria fantástica!

    Conheci Billy Squier através da música In The Dark e, apesar de ter consumido videoclipe por tanto tempo, fiquei estarrecido pela história contada aqui.

    O cara estava arrodeado por profissionais do mais alto escalão, mas acredito que faltou mais sensatez na decisão final dessa bizarra ideia de video.

  3. De verdade, realmente acho o clipe péssimo, porém, Kiss e Motley Crue, entre muitos outros, têm vídeos QUASE tão ruins quanto esse e não tiveram repercussão tão negativa .

  4. Se fossemos comparar o clipe cafona de Billy Squier de 1982 com todos os lixos que a mídia divulga em pleno século XXI diáriamente ainda assim Billy Squier permaneceria MESTRE DO ROCK. Quando ninguém sabia quem era Billy Squier no Brasil em 1976 e 1977 eu já tocava os 2 discos da banda dele no meu salão de rock em São Paulo/SP. MÍDIA MEDÍOCRE SÓ PUBLICA MERDA MENOSPREZANDO A CARREIRA DOS ARTISTAS DA MÚSICA POR UM SIMPLES CLIPE !

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