Entre todos os Beatles, George Harrison era o menos interessado em fama. O guitarrista era uma pessoa profundamente introvertida por natureza. Seu despertar espiritual subsequente apenas reforçou seu desgosto por celebridade.
Apesar disso, ele foi o integrante que mais se beneficiou do fim da banda. Finalmente pôde sair da sombra de John Lennon e Paul McCartney, se revelando um compositor de alta qualidade em sua carreira solo.
Ao longo de 30 anos pós-Beatles, ele trabalhou para expandir o papel de um rockstar no âmbito social com o Concerto para Bangladesh, ou simplesmente fez coisas para se divertir, como os Traveling Wilburys, supergrupo formado por ele, Bob Dylan, Tom Petty, Jeff Lynne e Roy Orbison.
Infelizmente, não estamos aqui para falar dessas coisas divertidas. Precisamos falar do fim.
Quase foi como John
No dia 30 de dezembro de 1999, George Harrison estava em casa com sua esposa, Olivia. Os dois eram casados desde 1978 e tinham um filho, Dhani, que estava com eles naquela noite. Eles trancaram a porta de sua mansão, Friar Park, e foram dormir.
Uma hora após isso, Olivia ouviu um barulho de vidro quebrando. Ao investigar, George encontrou um homem chamado Michael Abram, que sofria de esquizofrenia, tendo invadido a mansão. Ele carregava uma faca e estava gritando para o guitarrista descer da escada e se juntar ao invasor na sala.
George tentou desarmar a situação com cantos Hare Krishna, mas não adiantou. Abram partiu para cima do Beatle e o esfaqueou diversas vezes no peito.
Felizmente, Olivia salvou o marido ao acertar o invasor com um abajur de latão e o atiçador da lareira.
Durante o julgamento de Abram, reportado pelo The Guardian em 2000, Harrison deu um depoimento da sensação de ser esfaqueado e achar que ia morrer:
“Eu estava exausto e conseguia sentir a força sendo drenada de mim. Eu vividamente lembro um golpe deliberado no meu peito. Eu conseguia ouvir meu pulmão exalando e tinha sangue na minha boca. Eu acreditava que havia sido fatalmente esfaqueado.”
Dois anos antes disso, George Harrison havia passado por radioterapia bem-sucedida para tratar de um tumor em sua garganta, que ele categorizou em entrevista ao The Independent como consequência de uma vida de fumante.
Apesar de não haver elo contundente, vários amigos do Beatle revelaram no livro “You Never Give Me Your Money: The Beatles After the Breakup”, de Peter Doggett, a crença de que o trauma do ataque – seja psicológico ou físico – foi o estopim para o retorno furioso do câncer.
Bom humor até o fim
Em maio de 2001, George Harrison passou por uma cirurgia nos Estados Unidos para remover um tumor de seu pulmão. Dois meses depois, ele estava na Suíça, fazendo radioterapia. Havia um tumor em seu cérebro agora.
Durante esse período, ele recebeu uma visita de seu ex-companheiro dos Beatles, Ringo Starr. No documentário “Living in the Material World”, dirigido por Martin Scorsese, o baterista conta sobre o encontro (transcrição via Far Out Magazine):
“Nas últimas semanas da vida de George, ele estava morando na Suíça. E eu fui vê-lo. Ele estava muito doente. Ele podia apenas ficar deitado. E enquanto ele estava doente e eu havia ido visitá-lo, eu também ia para Boston pois minha filha tinha um tumor cerebral. Eu disse: ‘preciso ir pra Boston’, e ele fala… Foram as últimas palavras que ouvi ele falar, pra falar a verdade. Ele falou: ‘quer que eu vá junto?’ [risos]. Então, esse é o lado incrível de George.”
Após um curso de radioterapia em Nova York em novembro de 2001, ficou claro que o estado de George era infelizmente terminal. Determinado a não morrer numa cama de hospital, o Beatle se mudou com sua família para uma casa em Los Angeles alugada por Paul McCartney, outro ex-companheiro.
Lá, ele estava acompanhado de Olivia e Dhani, sua família, além de seus dois melhores amigos da fé Hare Krishna, Shyamasundar Das e Mukunda Goswami. Ambos cantavam versos do Bhagavad Gita, um dos livros sagrados do hinduísmo.
Eles ainda receberam a presença de Ravi Shankar, sua esposa Sukanya e filha Anoushka. Ravi era amigo de Harrison desde os anos 1960 e serenou o Beatle com a cítara em seus momentos finais.
Adeus, George Harrison
George Harrison se foi em 29 de novembro de 2001, aos 58 anos de idade, em decorrência do câncer no pulmão.
Em entrevista ao Yahoo Entertainment, em 2022, Olivia Harrison falou sobre um desejo particular que teve no momento da morte de seu marido:
“Eu lembro, quando George morreu, querer que o relógio parasse ali mesmo, porque eu pensei: ‘um dia eu vou olhar pra trás e terão se passado cinco anos’. E agora são vinte anos.”
Na mesma entrevista, ela também fala sobre a possibilidade de encontrar George em outra encarnação:
“Eu não sei. Eu penso do jeito budista: seus elementos se dissolvem, mas você está ok. É tipo, isso [o corpo] vai se esvair, mas a energia nunca morre; ela apenas muda de forma. Então, independente do que aconteça, seria legal pensar que podemos encontrar com alguém de novo em algum lugar mais à frente.”
Essa crença é ecoada por uma citação de George encontrada no site Beatles Bible:
“Morte é quando sua roupa toda cai e agora você está vestindo outra roupa. Você não consegue ver nesse nível, mas está tudo bem. Não se preocupe.”
O Beatle teve seu corpo cremado em Los Angeles. Um velório foi organizado na cidade antes de Olivia e Dhani levarem para a Índia suas cinzas, espalhadas nos rios Ganges e Yamuna, de acordo com a tradição hinduísta.
A celebração pública da vida e obra do Beatle foi o “Concert for George”, um especial realizado no Royal Albert Hall em que todas as facetas de Harrison foram homenageadas. Seu trabalho com os Beatles, carreira solo, o amor dele por música clássica indiana e a comédia do Monty Python.
Terminemos então com “While My Guitar Gently Weeps”, tirado do “Concert for George”.
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