O texto sobre o 11 de setembro que fez Serj Tankian ser acusado de apoiar terrorismo

Vocalista do System of a Down tentou explicar como o conflito por petróleo no Oriente Médio resultou nos ataques, dizendo que a solução era diplomacia e não guerra

Mais de duas décadas depois, o mundo ainda sente os efeitos colaterais dos atentados de 11 de setembro de 2001. O choque de aviões contra as duas torres do World Trade Center e o Pentágono, além da queda do voo 93 da United, desencadeou uma série de conflitos entre os Estados Unidos e países do Oriente Médio, seja para capturar os responsáveis por planejar o ataque ou por outras razões.

Foi no espírito de discutir as motivações dos ataques, a responsabilidade do governo americano e de companhias de petróleo historicamente por meio de sua política externa, além das ramificações da reação dos EUA aos ataques, que Serj Tankian, vocalista do System of a Down, publicou uma carta aberta intitulada “Understanding Oil”, no dia 13 de setembro de 2001 no site oficial da banda. A tradução do conteúdo pode ser lida no Site of a Down ou ao fim desta matéria.

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A reação a esta carta merece ser explorada, assim como o clima todo nos EUA com relação a manifestações políticas em música.

Censura sob desculpa de decoro

Uma das maneiras pelas quais o conservadorismo se manifesta é se aproveitando de tempos de crise para silenciar vozes críticas sob a desculpa de manter o decoro. 

Três dias após os ataques, a Clear Channel Communication, dona de 1100 estações de rádio pelos EUA, enviou um memorando estabelecendo uma lista de 164 músicas a serem retiradas do ar imediatamente. Havia ali um grande apanhado de canções com referências – mesmo que vagas – a aviões, voos, passagens, acidentes ou qualquer coisa vista como de mau gosto.

O preocupante era a inclusão de faixas como “What a Wonderful World”, de Louis Armstrong; “Peace Train”, de Cat Stevens; “Blowin in the Wind”, na versão de Peter, Paul & Mary; “War” de Edwin Starr; “He Ain’t Heavy, He’s My Brother”, dos Hollies; e “Imagine”, de John Lennon. Todos hinos pacifistas. O Rage Against the Machine, notório pelo repertório crítico, teve todo seu catálogo banido.

O System of a Down apareceu também nessa lista, com o single “Chop Suey!”, lançado em agosto de 2001. Na época, a banda havia cabado de divulgar seu segundo disco, “Toxicity”.

Lugar de fala

Serj Tankian é, assim como os outros integrantes do System of a Down, descendente de armênio. A banda era conhecida como uma das mais politicamente engajadas não somente na cena de metal, mas na indústria em geral.

Apesar de serem associados à causa do reconhecimento do genocídio de armênios cometido pelo Império Otomano entre os anos de 1915 e 1917, o System of a Down também se engajava em assuntos relacionados à política externa dos Estados Unidos no Oriente Médio.

Os acontecimentos da região fazem parte da herança cultural da banda. O pai do guitarrista Daron Malakian nasceu em exílio no Iraque, país que os EUA viriam a invadir dois anos depois sob alegações desde então desmentidas.

A própria Armênia até hoje passa por conflitos relacionados a territórios contestados. Ao mesmo tempo, quase todos os países dependem de petróleo como principal produto de exportação.

Em um trecho particular da mencionada carta “Understanding Oil”, Tankian tenta estabelecer como o atentado, traumático para os americanos, era uma amostra de algo vivido por outros povos diariamente.

“Nem sempre as pessoas na Sérvia, Líbano, Iraque, Sudão e Afeganistão veem bombas caindo em alvos militares. Elas veem também a morte de civis inocentes, como nos ocorridos de ontem em Nova York. As assumidas guerras travadas pelo nosso governo aterrissaram bem no meio da nossa sala de estar.”

O cantor ainda termina a carta com um apelo pela resolução pacífica desse conflito através de diplomacia no Oriente Médio chefiada pela ONU, se colocando firmemente contra os terroristas:

“Iniciando um processo de paz, já abalaríamos as estruturas das bases de suporte a Bin Laden, e/ou todos aqueles que patrocinam atividades como as que vimos ontem, quebrando a fortaleza de extremistas no mundo do Islã. Por outro lado, se carregarmos bombas para o Afeganistão ou qualquer outro lugar para matar a sede (de sangue) do público, e com certeza matar civis inocentes no caminho, estaremos criando vários mártires de encontro à morte em retaliação contra a retaliação. Como foi visto nesses recentes eventos, você não pode parar uma pessoa que está pronta para morrer.”

O texto de Tankian, lido hoje, é uma análise ponderada sobre os fatores que eventualmente acarretaram nos ataques. Contudo, a época na qual foi publicado não era propícia para nuance. Especialmente nos EUA.

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Mantendo-se firme

Ameaças de morte vieram de todos os lugares contra Serj Tankian, que retirou a carta do ar, mas mesmo assim foi tachado de simpatizante de terrorismo. Numa declaração oficial publicada no site oficial da banda, o vocalista escreveu:

“Como cidadãos americanos, estamos na posição privilegiada de poder falar nossa opinião, mesmo que outros discordem. Eu dou muito valor ao fato de que posso fazer uma declaração com minha intenção sendo promover paz e entendimento sobre os eventos trágicos ocorrendo. Eu peço apenas que, para a sobrevivência de longo prazo do nosso planeta, nós nos concentremos nas energias positivas de nossas vidas enquanto procuramos justiça.”

Uma semana após a publicação da carta, Serj foi convidado a aparecer no programa apresentado por Howard Stern, então o radialista mais popular da América. Numa entrevista para a Metal Hammer, o cantor explicou suas razões para aparecer no programa:

“Eles estavam falando m#rda sobre o que eu falei, no ‘Howard Stern Show’, tirando minhas palavras e intenções de contexto. Ele me queria no programa para explicar minhas palavras. Eu tinha que ir pra me defender.”

Em meio a tudo isso, como já citado, a banda estava lançando “Toxicity”, que havia chegado ao topo das paradas americanas em sua primeira semana disponível – a mesma dos ataques em Nova York.

Quando questionado por Stern se ele odiava a América, Tankian disse que odiava apenas o governo, por fazer coisas das quais ele discordava.

Apesar das ameaças e do boicote nas rádios da Clear Channel, “Toxicity” e sua turnê foram um sucesso esmagador. O clipe de “Chop Suey!” era exibido frequentemente na MTV, com o single atingindo o 76º lugar da Billboard 200 mesmo vítima do boicote da Clear Channel.

À medida que a situação no Oriente Médio foi piorando, o System of a Down se manteve firme em sua postura política, até o ponto que a dupla de álbuns “Mezmerize” e “Hypnotize”, lançados em 2005, se tornaram obras marcantes da música de protesto contra a Guerra do Iraque.

A carta na íntegra

Leia abaixo a carta na íntegra, conforme tradução feita pelo Site of a Down.

“Os brutais atentados e bombardeios desta semana em Nova York e em Washington D.C., juntamente com as ameaças de ataques por lá e em outros locais do país, mudaram nossos rumos para sempre. Enquanto a grande mídia se concentra nos detalhes da destruição e nas palavras concedidas em coletivas pelos políticos, tentarei entender e explicar os ocorridos. Bombardear e ser bombardeado são as mesmas coisas em diferentes perspectivas.

Terrorismo não é uma ação humana espontânea sem nenhum motivo. Pessoas não sequestram aviões e cometem suicídio sem nenhuma noção do peso de suas ações. Ninguém na mídia se propôs a perguntar: Por que essas pessoas fizeram este horrível ato de violência e destruição?

Para entender a resposta, precisamos primeiro analisar a nossa U.S. Mideast Policy [Política externa dos EUA para o Oriente Médio]. Durante a maior parte do século XX, empresas dos EUA trabalharam na obtenção de direitos e concessões de petróleo de países do Oriente Médio e da Europa Oriental. Depois da Primeira Guerra Mundial, os acordos secretos do nosso Departamento de Estado renderam direitos petrolíferos da então derrotada Turquia a áreas nas quais hoje são o Iraque e a Arábia Saudita, em troca de vista grossa a um crime contra a humanidade, o genocídio dos armênios perpetrado pelos turcos. Os lucros do petróleo têm sido os fatores motivacionais de muitas tentativas de contrainsurgência de regimes democráticos pela CIA e pelos EUA no Oriente Médio (como o Irã na década de 1950, onde o Shah [Mohammad Reza Pahlavi] substituiu o primeiro-ministro que se recusou a renunciar aos direitos petrolíferos nos EUA. Como o povo não pôde reivindicar o Shah, prevaleceu um governo extremista liderado por Ruhollah Khomeini). Durante a Guerra Irã-Iraque, os Estados Unidos forneceram armas e informações a ambos os lados. Isto não são as ações de uma superpotência rica em busca da paz. Não podemos esquecer que Saddam Hussein, antes de ser a visão do Anticristo nas Américas, era um aliado próximo dos EUA e da CIA. Então, qual dos consecutivos sistemas administrativos da América causaram tudo isso? A paz no Oriente Médio resultaria em preços mais elevados do petróleo e da gasolina. Também não podemos esquecer o poder da indústria bélica, usando a defesa como disfarce, que ainda vende bilhões de dólares em armas em toda extensão. Portanto, a curto prazo, não tem sido do interesse econômico dos EUA promover a paz no Oriente Médio. Usando o raciocínio acima, os EUA encorajaram governos extremistas, derrubaram democracias, como no caso do Irã onde a monarquia foi instalada, fraudaram eleições e muitos outros crimes políticos indescritíveis de empresas americanas no exterior. Também não podemos esquecer o Red Scare [Ameaça vermelha nos Estados Unidos]. Durante a guerra entre a então União Soviética e o Afeganistão, os EUA armaram e apoiaram o Talibã, uma organização fundamentalista muçulmana, e permitiram que exportassem ópio e heroína para fora do país para o financiamento de armamentos. Desta forma, o Talibã cresceu em seu poder de controle com a ajuda dos Estados Unidos. Atualmente, o bombardeio no Iraque ainda continua, porém, sem a devida cobertura da mídia, o embargo econômico ainda permanece, matando milhões de crianças e, recentemente, enquanto o mundo e a UNGA [Assembleia Geral das Nações Unidas] clamam para levar forças de paz para Israel e Palestina, para acabar com a escalada da guerra e recentes assassinatos, os EUA vetam o UNSC [Conselho de Segurança das Nações Unidas], suspendendo assim a possibilidade de paz por lá, no lugar mais instável do mundo.

Nem sempre as pessoas na Sérvia, Líbano, Iraque, Sudão e Afeganistão veem bombas caindo em alvos militares, elas veem também a morte de civis inocentes, como nos ocorridos de ontem em Nova York. As assumidas guerras travadas pelo nosso governo aterrissaram bem no meio da nossa sala de estar. A meia hora de destruição fechou todos os mercados financeiros do mundo, atingiu a sede central de nossos militares, nossos líderes entraram em bunkers [esconderijos subterrâneos] e nossos cidadãos ficaram em estado de choque. O que me assusta mais ainda do que os ocorridos, é a reação que essas ocorrências podem causar. O presidente Bush pertence a uma grande geração de Presidentes Republicanos que amam as economias de guerra. A mídia está concentrada somente nos bombardeios, à espera de uma retaliação, e o tipo de retaliação que será feita contra os agressores. O que ninguém entende é que os bombardeios são uma reação contra todas essas injustiças ao redor do mundo, geralmente não vista pela maioria dos americanos. Reagir a uma reação só traz outra reação, o terror vai multiplicar se passos concretos não forem dados para guiar o Oriente Médio à paz agora! Isto não significa que nós não devemos procurar e achar os responsáveis, como Bin Laden, ou quem possa ter feito isso. Simplificando, se as grandes injustiças continuarem, a violência irá persistir na superfície da vida.

As profecias dos nativos americanos, da Bíblia, Nostradamus e muitas outras significativas crenças religiosas apontaram potenciais desastres para esta época, como os que ocorreram ontem, junto de catástrofes ecológicas que vivenciamos diariamente em nossas vidas nos dias atuais. Guerras e rumores de guerras, fome, incêndios prologados estão batendo à nossa porta. Podemos prevenir tudo isso com o poder do espírito humano, com compreensão, compaixão e paz. É tempo de alcançar nossas necessidades de segurança e sobrevivência, somente através da paz, acima e além dos lucros, especialmente nestes tempos.

Solução:

Os EUA deveriam parar de se esquivar do Conselho de Segurança da ONU e permitir que as UNPK [Forças de manutenção da paz das Nações Unidas] cheguem ao Oriente Médio. Dar um ponto final na violência em primeiro lugar.

Parar os bombardeios e a patrulha no Iraque.

Atualmente, com as vantagens no uso de combustíveis não convencionais, desenvolver formas de utilizá-los em automóveis e outros utilitários de forma completa, tornando assim o país menos dependente de uma reserva natural já exaurida, a do petróleo.

Iniciando um processo de paz, já abalaríamos as estruturas das bases de suporte a Bin Laden, e/ou todos aqueles que patrocinam atividades como as que vimos ontem, quebrando a fortaleza de extremistas no mundo do Islã. Por outro lado, se carregarmos bombas para o Afeganistão ou qualquer outro lugar para matar a sede (de sangue) do público, e com certeza matar civis inocentes no caminho, estaremos criando vários mártires de encontro à morte em retaliação contra a retaliação. Como foi visto nesses recentes eventos, você não pode parar uma pessoa que está pronta para morrer.”

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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