A caótica turnê dos Sex Pistols nos EUA que pôs fim à banda

Banda excursionou pelo sul do país com intenção de provocar ainda mais caos do que no Reino Unido; como resultado, formação implodiu

A conquista da América é vista como um dos feitos mais difíceis para bandas britânicas. Seja pela diferença cultural entre os dois países, a insularidade dos gostos de certas regiões dos Estados Unidos ou até mesmo pelo fato de se tratar de uma nação com dimensões continentais, turnês americanas são um dos maiores testes possíveis para um grupo. E nenhum deles falhou de maneira tão espetacular quanto os Sex Pistols.

Banidos do Reino Unido

Apesar de terem quatro singles no top 40 britânico e o disco “Never Mind the Bollocks, Here’s the Sex Pistols” chegar ao topo das paradas, os Sex Pistols estavam enfrentando uma onda crescente de retaliações. Governo e establishment conservador do Reino Unido eram os responsáveis.

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Os lançamentos da banda estavam banidos de todas as principais lojas do país. O single “God Save the Queen” foi mantido fora do topo das paradas na semana do Jubileu da Rainha por meio de falcatruas na contagem de unidades. 

Em dezembro de 1977, os músicos embarcaram no que era para ser uma turnê britânica de oito apresentações. Metade delas foi cancelada por razões que iam de doenças a pressões políticas.

A solução encontrada pelo empresário da banda, Malcolm McLaren? Uma turnê americana para dar tempo da poeira baixar em casa.

Sex Pistols em busca do caos

A ideia, na verdade, era criar ainda mais confusão nos EUA. McLaren havia saído da escola Situacionista de provocação social e os Sex Pistols haviam sido criados por ele como uma peça de arte performática, uma ferramenta para fomentar uma revolução. 

Ele havia tentado fazer isso anteriormente com os New York Dolls, transformando a banda de glam rock transformista – já consolidada no underground, mas jamais com a devida repercussão no mainstream – em comunistas maoístas. Os resultados foram desastrosos para o grupo americano.

No caso dos Pistols, houve mais sucesso comercial, porém as turbulências pessoais estavam aumentando. Sid Vicious, que havia substituído Glen Matlock como baixista em fevereiro de 1977, havia desenvolvido um grave vício em heroína.

Além disso, o vocalista John Lydon se via cada vez mais desiludido com tudo relacionado à banda, como escreveu em sua autobiografia “Rotten: No Irish, No Blacks, No Dog”:

“Eu me sentia enganado, e eu não seguiria mais com aquilo. Era uma farsa ridícula. Tudo havia se tornado uma piada naquele ponto.”

Infâmia

Por causa de problemas para obter visto para alguns integrantes, a turnê dos Sex Pistols pelos Estados Unidos teve suas primeiras apresentações canceladas. Só começou mesmo em janeiro de 1978 na cidade de Atlanta.

Em vez de marcar shows em cidades como Nova York e Los Angeles, onde os Pistols receberiam público apaixonado, McLaren os colocou para tocar no sul do país, onde causariam o máximo possível de revolta no povo.

Em sua biografia “Lonely Boy”, o guitarrista Steve Jones conta como era o circo em torno da banda ao chegar na América:

“A gente era notícia de primeira página na América, e tinha tanta gente seguindo a gente tentando conseguir exclusivas – que é claro que Sid estava mais do que feliz em providenciar – que a coisa inteira era doida. Assim que a gente chegou, a revista High Times filmou ele se picando num quarto de hotel. Isso era o suficiente pra fazer a gente ser expulso do país, mas de algum jeito foi abafado pela Warner Bros. É incrível do que eles conseguem te livrar quando está gerando dinheiro pra eles.”

Além das tratativas gerais, a Warner, que representava o grupo nos Estados Unidos, contratou um grupo de seguranças para manter os músicos na linha – especialmente Vicious.

Fora de controle

Quando estavam em Memphis, Sid Vicious fugiu do hotel para conseguir heroína. Ao retornar sem sucesso, foi espancado pelos seguranças. O baixista então escreveu as palavras “GIMME A FIX” no peito, apesar de relatos serem inconsistentes de ter sido escrito com uma caneta ou com uma faca.

Em cada etapa da turnê, Vicious se metia em alguma confusão, seja com o público, os seguranças ou os próprios colegas. Enquanto isso, John Lydon se isolava do resto do grupo, deixando o amigo que havia trazido para a formação tocar o terror.

Em sua autobiografia, “Rotten: No Irish, No Blacks, No Dog”, Lydon disse sobre o período:

“Malcolm não apareceu no primeiro show americano em Atlanta. Eu não vi ele por um bom tempo, mesmo quando ele marcou esse fiasco de turnê pra gente. Isso foi a razão porque deixei a raiva do Sid correr solta. Eu podia ter parado ele, mas achei que era justificada. Nunca sabíamos o que Malcolm estava fazendo, onde estava, no que estava se metendo. Ele estava normalmente pontificando no jeito dele e dizendo pro mundo o quão ótimo ele era e todas as coisas que havia feito. Enquanto isso, a banda que tinha que aguentar a m#rda na linha de frente.”

Em “Lonely Boy”, Steve Jones diz que Lydon não tinha tanto controle sobre Vicious quanto achava que tinha. Na visão dele, o cantor havia sido engolido pela própria megalomania.

“Até o Sid tinha perdido respeito por ele com as roupas e os chapéus idiotas dele. Eles tinham sido amigos no início, mas a partir do momento que Vicious entrou pra banda eles meio que se afastaram um do outro.”

A turnê de 12 dias terminou em um show no Winterland Ballroom, em San Francisco. Malcolm McLaren escolheu o local por ser o epicentro da cultura hippie nos EUA. Contudo, a banda estava em frangalhos ao chegarem na cidade.

O show foi um desastre. Ao final de um bis consistindo uma cover mal tocada de “No Fun”, dos Stooges, Lydon exclamou para a plateia:

“Já tiveram a sensação de terem sido enganados? Boa noite.”

Em “Rotten: No Irish, No Blacks, No Dog”, Lydon detalha seu estado mental ao final da turnê:

“Eu me sentia enganado e eu não continuaria aguentando mais isso; era uma farsa ridícula. Sid estava completamente alucinado – simplesmente um desperdício de espaço. A coisa toda era uma piada àquela altura. Malcolm se recusava a falar comigo. Ele não discutia nada comigo. Mas aí ele virava e falava pro Paul [Cook, baterista] e Steve que a tensão era toda culpa minha porque eu não concordava com nada.”

Tudo acaba para o Sex Pistols

Ao fim da turnê, cada integrante foi para Los Angeles de um jeito. Malcolm McLaren, Paulo Cook e Steve Jones vieram para o Rio de Janeiro, onde filmariam parte do filme “The Great Rock’n’Roll Swindle”. Sid Vicious foi levado para Nova York, onde foi hospitalizado. John Lydon também acabou em Nova York, onde anunciou o fim da banda em entrevista a um jornal.

https://www.youtube.com/watch?v=jfpuyc_mMEE

McLaren tentou manter a ideia que o grupo ainda permanecia ativo durante as filmagens de  “The Great Rock’n’Roll Swindle” ao gravar singles onde Cook e Jones acompanhavam Ronnie Biggs, foragido da justiça inglesa, e uma versão de Sid Vicious para “My Way”, clássico de Frank Sinatra. Vicious aceitou gravar a cover apenas se fosse liberado de seu contrato com McLaren.

E assim foi o conto dos Sex Pistols. Vicious morreu meses depois de overdose. Lydon formou o Public Image Ltd, banda pioneira de pós-punk. Cook e Jones processaram McLaren por desvio de dinheiro e ganharam novamente o direito sobre tudo do grupo.

Os Sex Pistols retornaram algumas vezes desde os anos 1990, com Glen Matlock no baixo. Contudo, a cada turnê de reunião, a ideia de McLaren, falecido em 2010, do grupo ser apenas uma peça pregada por ele na sociedade se tornava cada vez mais contundente.

Foi como John Lydon falou: uma enganação.

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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