A história por trás da versão cinematográfica de “The Wall”, do Pink Floyd

Lançado quase três anos depois do álbum homônimo, filme foi produzido em meio a diversos problemas

A década de 1970 viu o rock atingir níveis de excesso extremos, a ponto de shows e discos se tornarem insuficientes para transmitirem ao público a ambição dos maiores artistas da época. Nesse contexto, vimos filmes sendo feitos sobre discos lançados na década anterior, apresentações ao vivo sendo gravadas para a posteridade e distribuídas nos cinemas, entre outras ações. Mas ninguém era mais ambicioso que o Pink Floyd.

Em vez de ressuscitar um álbum antigo numa versão dramatizada ou simplesmente gravar uma apresentação ao vivo, o quarteto inglês fez um projeto multimídia que incluía um disco novo e um filme dramatizando o conceito por trás desse, com direito a animações utilizadas pelo grupo ao vivo.

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Essa é a história de “The Wall”, que ganhou versão em álbum no dia 30 de novembro de 1979 e longa-metragem em 14 de julho de 1982.

“The Wall” e alienação

Diz a máxima que é preciso ter cuidado com desejos, pois podem virar realidade. A maldição da prece atendida bateu forte para Roger Waters, principal compositor do Pink Floyd.

Após o sucesso esmagador de “The Dark Side of The Moon” e “Wish You Were Here”, a banda estava no maior patamar possível da indústria musical. Em vez de se sentir realizado, Waters se viu cada vez mais alienado de seu público ao vivo por causa do tamanho adquirido por tudo, como ele falou para James M. Curtis no livro “Rock Eras: Interpretations of Music and Society 1954-1984”:

“Plateias nesses shows enormes estão lá para uma empolgação que, eu acho, tem a ver com o amor pelo sucesso. Quando uma banda ou pessoa se torna um ídolo, pode ter a ver com o sucesso que aquela pessoa manifesta, não com a qualidade do trabalho que ela produz. Você não se torna um fanático porque o trabalho de alguém é bom, você se torna um fanático para vivenciar o glamour e a fama dela passivamente. Astros – atores, roqueiros – representam, mitologicamente ao menos, a vida que nós gostaríamos de viver. Eles parecem estar no epicentro da vida. E é por causa disso que plateias gastam quantias enormes de dinheiro em shows em que ficam longe do palco, onde estão frequentemente desconfortáveis e onde o som é frequentemente muito ruim.”

A partir dessa exploração da alienação entre artista e público, além da máquina impessoal do mundo da música, surgiu a ideia para “The Wall”.

Como o Pink Floyd daria isso tudo?

O plano era lançar um disco e fazer um filme consistindo de apresentações ao vivo do Pink Floyd intercaladas por animações de Gerald Scarfe usadas ao longo da turnê “The Wall”. Waters interpretaria o personagem principal, Pink, inspirado em grande parte por sua vida e pela vida de seu ex-companheiro de banda Syd Barrett.

Um problema inicial nesse projeto veio na forma da EMI não se mostrar interessada. Apesar do sucesso enorme do álbum, a gravadora não conseguia entender o conceito por trás do longa.

Sem o apoio da gravadora, o Pink Floyd se viu tendo que arregaçar as mangas. Waters tinha um aliado na forma de Alan Parker. O diretor era fã do grupo e havia contatado a EMI curioso sobre a possibilidade de adaptar a obra para o cinema, sendo instruído a procurar o baixista e compositor.

Numa entrevista para a Classic Rock, Parker descreveu o primeiro encontro entre os dois:

“No primeiro encontro ficou óbvio que Roger não era o típico roqueiro frito, no que a gente sentou na cozinha dele conversando sobre a história do projeto e ele demonstrou a evolução do trabalho com pedaços das fitas demo originais que ele gravou sozinho atrás do muro da casa anterior dele no campo. Elas eram cruas e raivosas – o grito primal de Roger, que até hoje permanece no âmago da peça.”

Parker se ofereceu para produzir o filme, que seria dirigido por Scarfe e Michael Seresin, cinegrafista de longa data do grupo. O roteiro ralo desenvolvido por Waters, contudo, necessitava de trabalho e as tentativas iniciais de gravar as apresentações ao vivo da turnê se provaram desastrosas. Isso tudo forçou o cineasta a assumir a direção de fato do projeto, fazendo mudanças criativas.

As imagens do grupo tocando ao vivo foram abandonadas. Sem os outros integrantes aparecendo no filme, Roger Waters se tornou descartável como ator. Para seu lugar foi escolhido o vocalista Bob Geldof. Ele não era fã do Pink Floyd, mas foi convencido a participar por Alan Parker, que pensou no cantor após ver um clipe de sua banda, The Boomtown Rats.

O processo criativo inteiro do filme foi marcado por um conflito de egos entre Parker, Waters e Scarfe. O animador chegou até a desenvolver o hábito de manter uma garrafa de uísque no carro para beber um gole todo dia de manhã, preparando-o para o estresse de lidar com tudo.

Em entrevista resgatada pelo Ultimate Classic Rock, Alan Parker descreveu a experiência:

“Uma das piores experiências que já tive trabalhando em um filme, principalmente por causa de Roger… o problema não era sobre diferenças criativas, só uma colisão de egos. Ele estava acostumado a ter controle de seu mundo e eu estava acostumado a ter controle do meu.”

Alguém sabe do que se trata?

Quando o filme de “The Wall” teve sua prévia numa sessão à meia-noite durante o festival de Cannes em 1982, a reação da plateia foi de confusão. O longa combinava sequências live-action com imagens surrealistas, versões retrabalhadas das canções do disco e as animações experimentais de Scarfe. Completamente diferente de tudo sendo feito por músicos no cinema, e narrativamente quase incompreensível.

Ao fim da sessão, diz a lenda que Steven Spielberg teria virado para o chefe do estúdio Warner Bros e perguntado o que diabos tinham acabado de assistir. Apesar de ter sentido orgulho inicialmente das reações, Parker, falecido em 2020, se arrependeu do projeto com o passar dos anos.

Falando à Classic Rock, ele elabora:

“É uma mistureba, uma amálgama de ideias lunáticas que são todas do Roger Waters. Acho que ele é a única pessoa no mundo inteiro que é capaz de saber do que tudo se trata. Tenho certeza que a maioria de nós não sabe. Todos nós achamos na época que era um monte de besteira.”

Ironicamente, Waters também não sabe explicar, como falou a Karl Dallas numa entrevista em 1982:

“O filme fica tão estranho. Eu não sei do que chamaria ele.”

Apesar disso tudo, “The Wall” foi bem recebido pela crítica e fez sucesso mesmo em distribuição limitada nos Estados Unidos inicialmente. Com o passar dos anos, o filme adquiriu o status cult entre fãs não só do grupo, mas do cinema em geral.

Alan Parker acabou se reconciliando de certo modo com a produção e celebrando o legado do filme.

“Quando vou em festivais de cinema e eles mostram meus filmes, sempre incluem ‘The Wall’ e sempre a sala fica cheia. Então parece sempre meio frescura eu dizer que odiei fazer. Eu amoleci um pouco, e digo que foi ‘uma época complicada porém muito criativa’. A não ser repetida.”

Um ano após o lançamento do filme de “The Wall”, o Pink Floyd disponibilizou o álbum “The Final Cut”, que segue explorando os temas do anterior. Porém, o processo foi tão cheio de conflitos – em grande parte devido ao ego de Waters – que a banda quase terminou.

Superando inúmeros conflitos, o Pink Floyd continuou a partir de 1985 sem Roger Waters, que chegou a processar os outros integrantes para impedi-los de usar o nome do grupo. A formação composta por Waters, David Gilmour, Nick Mason e Richard Wright só se reuniu uma vez após isso, em 2005, durante o festival Live 8, organizado justamente pela estrela de “The Wall”, Bob Geldof.

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

2 COMENTÁRIOS

  1. Excelente artigo! Parabéns.
    Só não entendo essa falta de compreensão quanto ao filme. Eu me lembro, que ainda adolescente, assisti o filme no cinema e entendi perfeitamente o roteiro. Apesar de complexo, vi a mensagem que o filme passa na estória do Pink, nos problemas na sua infância, com a mãe, a morte do pai, os conflitos na escola e depois na fase adulta em um casamento fracassado e a dificuldade em lidar com o sucesso.
    Tudo isso muito bem representado também com as animações que geralmente tentavam mostrar o que se passava dentro da mente do personagem, que por fim processa um “julgamento” de si mesmo quando o juiz em seu interior o condena a derrubar o muro que ele mesmo construiu desde a infância.
    Um comentário a parte:
    O Pink Floyd realmente acabou em 1983 com o lançamento do Final Cut…. mas foi apenas Um dos Pink Floyd s…. Eu identifico que desde da fundação em 1966 tivemos pelo menos 4 Pink Floyd s diferentes, porém geniais da mesma forma, sempre fazendo jus ao nome.

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