Os shows mais estranhos da carreira do Kiss

Histórias envolvem roadie no lugar do baterista, pirotecnia que rendeu banimento em uma cidade e guitarrista viajandão

O dia 27 de julho de 2007 jamais será esquecido pelos fãs do Kiss. Pela primeira vez na carreira, a banda se apresentou como um trio.

Acometido por uma arritmia cardíaca — seu coração estava batendo duas vezes mais que o normal —, o cantor e guitarrista Paul Stanley foi orientado pelos médicos a não fazer o show daquela noite em San Jacinto, Califórnia: poderia ser fatal ou, pelo menos, ter graves consequências.

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Gene Simmons (baixo e vocais), Tommy Thayer (guitarra) e Eric Singer (bateria) abraçaram a missão de entreter o público que lotava o Soboba Casino na penúltima data da turnê Hit ‘N Run e em pouco mais de uma hora fizeram história, tocando apenas músicas originalmente cantadas por Gene e resgatando “Nothin’ to Lose” — na ocasião interpretada por Eric —, fora dos setlists desde 1998.

O repertório tocado foi:

  1. Deuce
  2. Cold Gin
  3. Calling Dr. Love
  4. Christine Sixteen
  5. Nothin’ to Lose
  6. I Love It Loud
  7. Goin’ Blind
  8. Watchin’ You
  9. She
  10. Parasite
  11. God of Thunder
  12. Let Me Go, Rock ‘n’ Roll
  13. Black Diamond
  14. Rock and Roll All Nite

Talvez nenhum outro show do Kiss tenha sido tão bizarro — se é que essa é a melhor palavra — quanto esse, mas ao longo dos anos não faltaram apresentações com momentos inusitados, imortalizadas pelos motivos mais bisonhos. Confira abaixo a lista.

Os shows mais inusitados do Kiss

“O show tem que continuar”

Columbus Civic Center, Geórgia, EUA (5 de abril de 1997)

Faltando algumas horas para subir ao palco do Civic Center, uma das principais arenas multiuso dos Estados Unidos, onde mais de 10 mil fãs aguardavam ansiosamente, o baterista Peter Criss começou a se queixar de dores nas mãos e informou aos colegas que não estava em condições de se apresentar. O guitarrista Ace Frehley sugeriu que o show fosse cancelado, mas o empresário Doc McGhee não permitiria que isso acontecesse.

McGhee foi até Ed Kanon e, ciente de que o roadie de Criss sabia as músicas de cor e salteado, lhe fez dois pedidos: “tire a barba e me encontre no camarim”.

Em entrevista concedida ao Roppongi Rocks em 2016, Kanon narrou os acontecimentos a partir dali:

“Eu não fazia ideia do que estava acontecendo. Ele [McGhee] me disse para acompanhá-lo. Ao chegar no camarim, dei de cara com Paul Stanley, que disse: ‘Tenho uma boa e uma má notícia. A má é que o Peter não vai poder tocar a hoje. A boa é que você vai’. Sem pensar muito, respondi: ‘Beleza, vamos nessa’. (…) Tommy [Thayer] me maquiou e David [Matthews] fez meu penteado (…) Gene estava visivelmente nervoso, Paul tentava disfarçar contando piadas, mantendo o bom-humor (…)

Lá estava eu, por trás do pano preto escrito ‘Kiss’, com três integrantes originais da banda olhando para mim enquanto eu vestia o traje de Catman. Surreal. Aí veio aquela voz: ‘Alright, Columbus… You wanted the best…’ e o show começou. Levei apenas um segundo para entrar no clima. A pirotecnia era extremamente barulhenta. Havia fumaça por todos os lados. Um monte de gente gritando e vibrando. Só coisa boa.

Uma vez estabelecido, tudo rolou na maior tranquilidade (…) Tudo pareceu durar um piscar de olhos. A adrenalina e o público indo à loucura fizeram o tempo passar correndo. Quando chegamos a ‘Rock and Roll All Nite’, dei graças a Deus por ter conseguido tocar o show inteiro sem qualquer intercorrência.”

https://www.youtube.com/watch?v=JWUP3qHSgnQ

Paul Stanley recorda o episódio em trecho da autobiografia “Uma Vida Sem Máscaras” (Belas Letras, 2015):

“Um, dois, três, quatro, vamos lá — começamos o show. Apresentei o Ed no palco e, que surpresa, ninguém se importou, ou ninguém teve tempo de se importar. A noite era aquela e o show seria aquele. Abandonaríamos um show porque as mãos de Peter estavam machucadas? Ih, amigo, acho que não. Porque, como se diz, o show tem que continuar.”

https://www.youtube.com/watch?v=Ll-jm5FhEqk

“Os bombeiros não podem parar o Kiss!”

Stadthalle, Brémen, Alemanha (12/03/1999)

Faltava pouco mais de um mês para a turnê de “Psycho Circus” (1998) chegar ao fim. A penúltima etapa do giro levou o Kiss de volta à Europa, para apresentações em dez países, incluindo nove shows na Alemanha.

Num desses shows, na cidade de Brémen, o grupo foi proibido pelo corpo de bombeiros local de utilizar recursos pirotécnicos no palco. Você consegue imaginar um show do Kiss sem fogos de artifício? Nem a própria banda conseguiria.

Frustrado, Paul Stanley abriu o jogo para a plateia, deixando-a igualmente frustrada:

“Trouxemos todo o tipo de fogos, labaredas, fumaça. Mas os bombeiros, o chefe do corpo de bombeiros, nos proibiu de usá-los essa noite… deixe-me contar algo a vocês. Eles podem até barrar as explosões, barrar o fogaréu. Mas não podem nunca, jamais, parar o Kiss!”

Fazendo jus a essas palavras, ao término de “Black Diamond”, toda a pirotecnia prevista para a apresentação foi acionada de uma só vez. O espetáculo de luzes e estouros durou cerca de trinta segundos. Como consequência, o Kiss seria banido de Brémen para sempre. Veja o vídeo a seguir.

“O que será que a banda de Ace Frehley vai tocar a seguir?”

Rod Laver Arena, Melbourne, Austrália (05/04/2001)

O tipo de show que o Kiss oferece não permite aos músicos muito ou qualquer espaço para improvisar. Desde meados dos anos 1970 a banda se habituou a seguir o script à risca, vira e mexe repetindo o que é dito entre uma música e outra e às vezes até parecendo estar operando numa espécie de piloto-automático.

Para sujeitos abstêmios como Gene Simmons e Paul Stanley, nada mais cordato que dançar conforme a música, mas como esperar o mesmo do outrora beberrão Ace Frehley?

Na reta final da chamada Farewell Tour, já com Eric Singer no lugar de Peter Criss na bateria, os quatro só pensavam em ir para a casa e dar o giro por encerrado. Se por efeito do álcool ou simplesmente para deixar Gene e Paul com cara de tacho na frente dos milhares de Kissmaníacos que lotavam a Rod Laver Arena, em Melbourne, Austrália, no dia 5 de abril de 2001, Ace resolveu rasgar o script, resultando em um dos momentos mais sui generis do grupo nos palcos.

O bis, iniciado com “I Was Made for Lovin’ You”, logo foi convertido num pot-pourri conduzido pelo guitarrista. Começou com ele puxando o riff de “Parasite”, que toda a banda acompanhou. Passado o primeiro refrão, Ace dá início a uma parte de “New York Groove”, de seu álbum solo de 1978, na qual Eric entra no ritmo certo. Trechos de “Strutter” e “She” vêm em seguida.

Farto daquilo tudo e falhando miseravelmente em mascarar sua insatisfação, Gene pergunta: “O que será que a banda de Ace Frehley vai tocar a seguir?”. A resposta do guitarrista vem na forma do riff de “Rocket Ride”. Ao microfnoe, ainda pede: “cante”.

Sob gritos de “I Stole Your Love”, Paul resolve entrar na brincadeira dando início a “Mr. Speed”, também abreviada. Confira a cena na íntegra no vídeo abaixo — prestando atenção nas caras, principalmente de Simmons e Stanley:

Bônus: “É hoje que eu perco o meu emprego”

Desfile de Ação de Graças da Macy’s, Nova York, EUA (27/11/2014)

Ok, aqui não foi exatamente um show, mas a bizarrice imperou quando o Kiss topou participar do tradicional Desfile de Ação de Graças da Macy’s em 2014. Em ocorrido similar à cena do Stonehenge no filme “This is Spinal Tap” (1984), Gene Simmons, Paul Stanley, Eric Singer e Tommy Thayer protagonizaram um episódio que atualizou as definições de vergonha alheia.

Em bate-papo realizado no 9º Kiss Kruise (via Ultimate Classic Rock), Doc McGhee relembrou o fiasco:

“Foi a pior coisa que fizemos. Devíamos ter desfilado no carro da Gibson, que era gigantesco. Tipo, excelente; totalmente Kiss. Bem, na véspera descobrimos que a Gibson queria que o Paul [Stanley] aparecesse segurando uma [guitarra] Gibson, o que ele não poderia fazer, já que é patrocinado pela Washburn [nota da edição: Paul já usava guitarras Ibanez na época]. Plano abortado. Até que a organização disse: ‘Ah, podemos dar um jeitinho…’ Ao chegarmos lá, o tal ‘jeitinho’ era um tablado do tamanho da traseira de uma picape com dois microfones. Sem dúvida o carro mais m#rda daquele desfile. Quando vi aquilo, pensei: ‘Putz, é hoje que eu perco o meu emprego’. Foi terrível.”

McGhee não perdeu o emprego, mas no dia seguinte Paul Stanley fez questão de extravasar no Twitter:

“Sem rodeios, fomos enganados e humilhados pelo executivo encarregado do desfile do Dia de Ação de Graças da Macy’s. TODOS nós merecíamos mais.”

Passados seis anos do ocorrido, Stanley o analisou por outro prisma:

“Topamos participar do desfile do Dia de Ação de Graças da Macy’s depois de nos mostrarem esboços de um carro alegórico ENORME e nos dizerem que estaríamos cercados por 100 artistas com maquiagem do Kiss. Em vez disso, nos colocaram num SUV com um U-Haul anexado e dois carinhas nada contentes por estarem lá. HA! HA! HA! Veja [na foto] como estamos felizes!”

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

1 COMENTÁRIO

  1. Marcelo, não foi a primeira vez: teve aquela ocasião na Itália, na turnê do The Elder (1981, eu acho), que o Ace deu um perdido e o KIϟϟ tocou como um trio: Gene, Paul e Eric Carr.

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