Como um jogo ruim do filme “E.T.” quase arruinou a indústria dos games

Feito em apenas cinco semanas, “E.T. the Extra-Terrestrial” fracassou e resultou em uma lenda urbana – que anos depois foi confirmada

“E.T. – O Extraterrestre” é um dos filmes mais famosos da história e considerado uma das obras-primas do renomado diretor Steven Spielberg. A história de Elliott e seus irmãos que se unem para ajudar o simpático alienígena a retornar para seu planeta natal ainda cativa e emociona muitas pessoas, mesmo quatro décadas após seu lançamento, em 11 de junho de 1982.

Não podemos dizer o mesmo a respeito do game baseado no filme, lançado para o famoso Atari 2600 com o título “E.T. the Extra-Terrestrial”. Afinal, há quem o diga que ele está entre os piores já feitos na história.

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Como se isso não bastasse, o jogo é apontado como um dos responsáveis pela famosa crise dos videogames de 1983. Foi, ainda, o pivô de uma lenda urbana que, no fim das contas, estava correta.

Problemas desde a concepção

A história começa no segundo semestre de 1982. Steve Ross, então CEO da Warner Communications – empresa detentora da Atari – queria muito obter os direitos para fazer um game baseado no longa “E.T. – O Extraterrestre”.

Após algumas negociações, a empresa conseguiu comprar a licença do filme por US$ 23 milhões no fim de julho. Mas logo apareceu um problema: Steven Spielberg queria que o game estivesse nas lojas a tempo do Natal daquele ano.

Desenvolver um game para o Atari 2600 levava, no mínimo, seis meses. Assim, para conseguir cumprir a exigência de Steven Spielberg, a empresa contratou o programador Howard Scott Warshaw.

Pesava na escolha de Warshaw o fato de ter criado games bem-sucedidos na época e ter trabalhado na adaptação para videogames do filme “Os Caçadores da Arca Perdida”, outro sucesso de Spielberg.

O profissional aceitou a proposta, mas descobriu que teria apenas cinco semanas para desenvolver o jogo por completo. E aí estava o grande problema.

Algo diferente para Spielberg

Apenas 36 horas após ter aceitado o desafio, Howard Scott Warshaw já havia criado o conceito do game. Nele, E.T. teria de procurar partes de um comunicador para conseguir “ligar” para seu planeta natal.

Para isso, o jogador teria de andar por um mapa cheio de buracos, onde as partes deste comunicador estavam escondidas – falaremos mais deste detalhe em breve. Relativamente simples.

Warshaw, então, pegou um avião correndo para se encontrar com Steven Spielberg e apresentar sua ideia. No entanto, conforme relata a NPR, ele ficou irado quando o diretor deu sua sugestão.

“Estava mostrando o design (do game), tinha um plano em mente. No final da apresentação, Spielberg olhou pra mim e disse: ‘você não consegue fazer algo como o Pac-Man?’. Eu fiquei chocado. No impulso, queria ter dito para ele: ‘bem, Steven, você também não pode fazer algo parecido com ‘O Dia em que a Terra Parou’?’ Mas, claro, eu não disse isso. Era o Steven Spielberg.”

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No fim das contas, o diretor acabou aprovando a ideia de Warshaw. Para conseguir entregar o game pronto em 1º de setembro, prazo limite, o programador teve de levar toda sua estação de trabalho para casa, onde cumpriu expediente dia e noite quase sem parar.

O profissional dos games já revelou que essas cinco semanas não foram nada fáceis.

“Eu diria, com todo meu conhecimento de trabalho, que foram as cinco semanas mais difíceis da minha vida.”

“E.T. the Extra-Terrestrial”: lançamento e fracasso

Apesar de o relógio ter sido seu grande inimigo, Howard Scott Warshaw conseguiu terminar o game “E.T. the Extra-Terrestrial” no prazo. Lançado no Natal de 1982, o jogo foi um sucesso de vendas no início.

No entanto, não demorou muito para esses fãs empolgados começarem a se frustrar com o game, ao ponto de muitos devolverem os cartuchos nas lojas. Como consequência, as vendas logo ficaram estagnadas.

Muitos jogadores culparam o gameplay confuso do título. Por exemplo, o mapa praticamente só fazia o jogador andar em círculos e passava a impressão de que E.T não saía do lugar.

Lembra dos buracos mencionados anteriormente? Muitos passaram raiva com esse detalhe do jogo. Era muito fácil cair neles – e tirar o simpático alienígena de dentro deles era algo mais complicado.

Em entrevista à Mel Magazine, uma fã do filme, que foi identificada apenas como Shannon, confirmou a experiência frustrante que teve com o game, que foi seu presente de Natal naquele ano.

“Não me esqueço de como minha família estava empolgada para me ver jogando. Joguei por uma meia hora antes de desistir. Até os adultos tentaram. Lembro de minha mãe dizendo: Iisso não faz sentido. Qual é a história? O que você tem de fazer?’ Naquela época, não havia muitas direções: você tinha de jogar por conta própria, não existia o YouTube pra você pegar dicas.”

Não demorou muito para a notícia do fracasso do game chegar aos ouvidos de Howard Warshaw.

“Aquilo doeu. Doeu demais ter escutado que as pessoas estavam detestando meu jogo.”

O programador, como esperado, apontou justamente o prazo curtíssimo que teve como o principal fator do fracasso.

“‘E.T.’ era só sobre o prazo. Aquilo foi um absurdo. Você não faz um game de seis meses em cinco semanas. Quando aceitei o desafio, tive de fazer um jogo que pudesse ser criado em apenas cinco semanas.”

No entanto, o profissional também já assumiu parte da culpa, pois confessou que não teve tempo de testar o game com outras pessoas para identificar potenciais problemas.

Justamente por conta de todos esses fatores, muitos jogadores e entusiastas do mundo dos videogames consideram “E.T. the Extra-Terrestrial” um dos piores jogos já feitos na história – senão o pior. E o título ainda contribuiu para uma das piores crises da história desta indústria.

Crise de 1983

O fracasso do game de “E.T. the Extra-Terrestrial” não poderia ter vindo em pior hora para a Atari. A empresa não andava muito bem financeiramente, pois muitos de seus jogos também tinham uma qualidade duvidosa. Além disso, foram tomadas algumas decisões administrativas equivocadas.

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Para se ter uma ideia de como o game contribuiu para a instauração de uma crise: dos 4 milhões de cartuchos de “E.T. O Extraterrestre” que foram disponibilizados, 3,5 milhões retornaram para Atari, incluindo unidades não-vendidas e devolvidas.

Logo na sequência, teve início a chamada “crise dos jogos eletrônicos de 1983”. O mercado entrou em uma profunda recessão por conta da saturação de títulos e videogames disponíveis, jogos de baixa qualidade e a competição com os computadores pessoais.

Por conta de seu enorme fracasso, “E.T. the Extra-Terrestrial” é citado como um dos responsáveis por esta crise, que terminou apenas em 1985. Neste ano, foi lançado o famoso Nintendo Entertainment System, o NES, que ajudou a salvar a indústria.

Mas como consequência desta crise, a Atari anunciou perdas de aproximadamente US$ 310 milhões no segundo semestre de 1983. Sem escolha, a desenvolvedora demitiu muitos funcionários, incluindo o próprio Howard Warshaw.

“A Atari era tudo para mim. A falha de ‘E.T.’ não foi nada na minha vida se comparada com minha demissão da Atari.”

Cartuchos enterrados no deserto

Foi a partir daí que surgiu uma das maiores lendas urbanas da história dos videogames, confirmada anos mais tarde.

Em setembro de 1983, um jornal da cidade de Alamogordo, no estado americano do Novo México, relatou que a Atari enterrou milhares de cartuchos e equipamentos em um aterro da região, localizado em um deserto.

Criou-se, a partir daí, uma espécie de lenda urbana: a de que a Atari decidiu descartar, no deserto, todos os cartuchos de “E.T. O Extraterrestre” por conta do seu fracasso.

Mas não era lenda. Em 2014 esta história foi tirada a limpo. A produção do documentário “Atari: Game Over” foi até o local em que os cartuchos estariam enterrados, para descobrir se tudo era verdade ou não. E adivinhe? Estavam lá.

Assista abaixo ao momento da revelação, que teve a presença do próprio Howard Warshaw

Como você notou, a lenda só errou em um ponto: a Atari enterrou cartuchos de diversos títulos, não só os de “E.T. O Extraterrestre”. Incluíram até mesmo jogos que conseguiram fazer sucesso na época.

Apesar de ter se frustrado com o fracasso do game, Warshaw garantiu, na época da escavação, que não ficou chateado com a descoberta reveladora. Muito pelo contrário.

“Uma coisa que fiz 30 anos atrás ainda gera interesse e discussão hoje em dia. Isso pra mim é algo muito especial. As pessoas acham que deveria me envergonhar de ‘E.T.’ ou reconhecer que foi um fracasso, mas honestamente, sempre o vi como uma conquista.”

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Formado em jornalismo pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Atua no mercado desde 2013 e já realizou trabalhos como assessor de imprensa, redator, repórter web e analista de marketing. É fã de esportes, tecnologia, música e cultura pop, mas sempre aberto a adquirir qualquer tipo de conhecimento.

1 COMENTÁRIO

  1. Joguei muitos clássicos do Atari no VG 3000 da CCE, bons tempos!!!! Alguns jogos eram ruins, tenho boas lembranças mesmo com essas ruindades…saudades dessa época!!!! valeu!!!!

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