O problema de chegar ao topo é ter que descobrir maneiras de se manter lá. No caso específico do Queen, esse topo foi atingido em “The Game”, disco de 1980 que atingiu o primeiro lugar nos Estados Unidos e se tornou o maior sucesso da banda até então.
Impulsionado pelos singles “Crazy Little Thing Called Love” e “Another One Bites the Dust”, “The Game” simbolizava também uma mudança no som do grupo, deixando para trás o hard rock em favor de influências de funk e R&B.
Em uma entrevista para Jim Ladd em 1984, o baterista Roger Taylor contou sobre essa mudança:
“Foi John Deacon que direcionou a banda para uma sonoridade mais disco. John sempre foi mais fã de R&B, nosso baixista que compôs ‘Another One Bites the Dust’… que acabou sendo o single mais vendido do ano. E acho que foi a canção que nos levou a explorar aquela avenida.”
Ruptura no som e na banda
As gravações de “Hot Space”, trabalho sucessor, começaram em Munique com uma banda efetivamente dividida. Enquanto John Deacon e o vocalista Freddie Mercury preferiam essa mudança no som do grupo, Roger Taylor e o guitarrista Brian May não estavam tão confiantes.
Piorando a situação havia a presença e influência do empresário pessoal de Mercury, Paul Prenter. Segundo o produtor de “Hot Space”, Reinhold Mack, Prenter detestava rock e ficava fazendo a cabeça do vocalista durante o processo.
Em um documentário da BBC sobre a banda, Roger Taylor resumiu seu problema com Prenter de maneira sucinta, ainda que problemática:
“Ele queria que nossa música soasse como se o ouvinte tivesse entrado numa boate gay… e eu não queria isso.”
Por mais que a mudança de sonoridade fosse uma ruptura com o passado do grupo, a homogeneidade estilística acabou sendo um dos aspectos mais criticados de “Hot Space”. O Queen sempre foi um grupo cujos discos abrangiam diferentes gêneros, humores e emoções. E isso não estava presente na maior parte daquele trabalho, o décimo de estúdio da carreira deles.
Parceria com Bowie
Apesar de estar presente em “Hot Space”, a canção que pode ser considerada o maior (e único) triunfo dessa era do Queen foi a parceria com David Bowie no single “Under Pressure”.
Após as sessões em Munique não darem certo, o Queen mudou o local das gravações para Montreux, onde Bowie estava trabalhando em suas contribuições para a trilha do filme “Cat People”. Ao saber da presença do quarteto na cidade, o cantor foi visitá-los.
No livro “A verdadeira história do Queen: os bastidores e os segredos de uma das maiores bandas de todos os tempos”, de Mark Blake, Roger Taylor descreve a visita:
“David veio uma noite e estávamos tocando músicas de outras pessoas por diversão, só uma jam. No final, David disse: ‘isso é estúpido, por que não simplesmente compomos uma canção nossa?”
Construída em torno da linha de baixo icônica de John Deacon, não demorou muito para o arranjo instrumental da canção ficar pronto. Na hora de gravar os vocais, movidos à base de vinho e cocaína, os músicos decidiram por um método inusitado, sugerido por Bowie.
Brian May explicou à Ultimate Classic Rock o plano por trás dos vocais:
“Os vocais foram construídos num jeito inovador, que veio de David, porque ele tinha experiência com esse método avant-garde de construir vocais. Ele disse: ‘todo mundo entra na cabine sem ideias, sem anotações, e canta a primeira coisa que vier à cabeça sobre a backing track’. E assim fizemos, compilando todos os pedaços – foi a partir disso que fizemos ‘Under Pressure’, todos esses pensamentos aleatórios.”
“Under Pressure” saiu oito meses antes do disco “Hot Space”, e foi o primeiro single do Queen a atingir o topo das paradas britânicas.
Retorno às raízes
“Hot Space” chegou ao 4º lugar nas paradas do Reino Unido e 22º lugar nos EUA, uma decepção considerando o sucesso de seu antecessor. A crítica também não recebeu bem a mudança no som.
Isso foi o suficiente para que May e Taylor, os maiores opositores do som do álbum, convencessem o resto da banda a voltar às raízes.
O disco seguinte, “The Works” (1984), sinalizou um retorno à sonoridade clássica do grupo, ainda que mantendo a estética oitentista. O trabalho ajudou o Queen a manter um nível considerável de sucesso até a morte de Freddie Mercury por consequências da Aids em 1991.
Fãs inusitados
Apesar de “Hot Space” não ter dado certo para o Queen, ainda possuía seus fãs. Michael Jackson citou o álbum como uma influência em “Thriller”. O guitarrista Nuno Bettencourt, do Extreme, descreveu em uma entrevista para Songfacts por que se trata de seu disco preferido do Queen:
“Acho que é interessante porque esse álbum me ensinou duas coisas. Me ensinou que mesmo se você estiver numa banda como guitarrista, a música não precisa ser guiada pela guitarra – é sobre a canção primeiro. Mas acho que a coisa principal é que o Queen realmente fez um disco assim – foi o que os fãs menos gostaram, mas é um dos meus preferidos por ter se arriscado e explorar coisas novas. Todas aquelas partes de sintetizadores que eles fizeram e os metais, sempre consegui escutá-las com guitarra na minha cabeça de algum jeito. O mais curioso, ou coincidência mesmo, o título ‘Hot Space’ é exatamente o que o disco simbolizava: é todo o espaço entre a música. Isso é o que faz tudo funky e o que faz ter um pocket.”
Queen – “Hot Space”
- Lançado em 21 de maio de 1982 pela EMI / Elektra;
- Produzido por Arif Mardin, Reinhold Mack, Queen e David Bowie.
Faixas:
- Staying Power
- Dancer
- Back Chat
- Body Language
- Action This Day
- Put Out the Fire
- Life Is Real (Song for Lennon)
- Calling All Girls
- Las Palabras de Amor (The Words of Love)
- Cool Cat
- Under Pressure (com David Bowie)
Músicos:
- Freddie Mercury – vocais, backing vocals, teclados (faixas 1, 4, 5, 7, 10, 11), bateria eletrônica (1, 4), synth bass (1, 4)
- Brian May – guitarra (todas as faixas exceto a 10), backing vocals (2, 6, 9), co-vocais (6, 9), violão (7, 8, 9), bateria eletrônica (2), synth bass (2), teclados (9)
- Roger Taylor – bateria e bateria eletrônica (todas as faixas exceto a 10), backing vocals (2, 5, 6, 9, 11), percussão (2, 6, 8), co-vocais (5), sintetizadores (5), guitarra (5), violão (8)
- John Deacon – baixo (faixas 3, 6, 7, 8, 9, 10, 11), guitarra (1, 3, 10), bateria eletrônica (3, 10), sintetizadores (3, 10)
Músicos adicionais:
- David Bowie – vocais e sintetizadores na faixa 11
- Arif Mardin – arranjos de sopro na faixa 1
- Reinhold Mack – synth bass na faixa 5
- Dino Solera – saxofone na faixa 5
- David Richards – piano na faixa 11
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