“The Colour and the Shape” e o início do Foo Fighters como o conhecemos

Segundo disco do projeto capitaneado por Dave Grohl era o primeiro a ser gravado, de fato, do grupo - apesar dos pesares

Embora fosse uma fita demo gravada em cinco dias na qual Dave Grohl tocava todos os instrumentos, o primeiro álbum do Foo Fighters, homônimo, de 1995, havia vendido dois milhões de cópias. Na hora de gravar o sucessor, um dos discos de rock mais aguardados de 1996/1997, ele estava determinado a fazer, desde o começo, um trabalho em grupo.

A primeira providência de Grohl foi manter arquivadas suas composições solo sobressalentes. Quis ele que a banda, à época completada por Pat Smear na segunda guitarra, Nate Mendel no baixo e William Goldsmith na bateria, escrevesse, em conjunto, novo material; um álbum tanto ambicioso quanto libertador em que o grupo explorasse novos territórios.

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As primeiras ideias musicais surgiram nas passagens de som dos shows realizados para promover “Foo Fighters”. No porão de Goldsmith, as músicas tomariam forma.

Chega um produtor de mão cheia

Na figura de Gil Norton, Dave Grohl encontrou o produtor ideal para a empreitada. Famoso por suas soluções criativas em estúdio, o inglês havia produzido clássicos como “Ocean Rain” (1984), do Echo and the Bunnymen e, mais recentemente, “Trompe Le Monde” (1991), do Pixies, que foi a trilha sonora do início do romance de Grohl com sua primeira esposa, a fotógrafa Jennifer Youngblood.

Quando Dave fez o convite, Gil estava concluindo “Recovering the Satellites” (1996), do Counting Crows. O disco, cujo carro-chefe foi o single “A Long December”, chegou ao topo da parada da Billboard e vendeu mais de dois milhões de cópias somente nos Estados Unidos. A Paul Brannigan, autor de “This is a Call: A Vida e a Música de Dave Grohl”, o produtor revelou que ficou muito feliz de poder se envolver no projeto:

“Ao ouvir o álbum [homônimo] do Foo Fighters pela primeira vez, tive a sensação de estar escutando um compositor muito talentoso; gostei muito da força bruta que ele mostrava. E adorei as demos que Dave havia feito para o novo álbum. Então percebi que tínhamos muitas músicas boas.”

Antes de se iniciarem as gravações no Bear Creek Studios em Woodinville, Washington — logo transferidas para o Grandmaster Recorders em Hollywood —, Norton passou muitos dias sozinho com Grohl em um hotel nos arredores, analisando o repertório. Só depois disso, Smear, Mendel e Goldsmith foram convidados a participar; e logo puderam sacar o quão linha-dura Gil era em estúdio. Dave afirma:

“Ele [Gil Norton] faz estalar o chicote e qualquer pessoa que tenha trabalhado com ele dirá a mesma coisa. Ele não aceita nada além de perfeição absoluta no que fazemos. Ele precisa do melhor. Então, trabalhar com ele era difícil. Demais.”

Sai um baterista de mãos abanando

Como nada que Dave Grohl e os outros mostravam ao produtor parecia satisfazer seus padrões, o quarteto começou a questionar seriamente suas próprias habilidades; em especial William Goldsmith, que, ficou evidente, não conseguia trabalhar sob pressão. Ao jornal Miami New Times, em 1998, o baterista contou:

“Dave me fez gravar 96 takes de uma música e eu tive que gravar 13 horas em takes de outra. Parecia que tudo o que eu fazia não era bom o suficiente. Acho que todo mundo na gravadora queria que o Dave tocasse a bateria no disco. O produtor queria que ele tocasse a bateria no disco. Parecia que todo mundo estava tentando me fazer desistir.”

Depois de ouvir as gravações realizadas no Bear Creek, Gil Norton incentivou Grohl a regravar a bateria em determinadas canções. Na primeira delas, “Monkey Wrench” — posteriormente escolhida para primeiro single —, o resultado foi “dez vezes melhor”.

Quando Goldsmith descobriu, o caos se instaurou. Dave afirma:

“Estávamos ficando sem tempo e o William estava tendo dificuldades para gravar. E aí o Will ficou sabendo que eu ia fazer a bateria e basicamente disse: ‘Bom, não concordo com isso e não quero mais ficar na banda’. Implorei a ele que ficasse, mas ele disse não. A maioria das pessoas acha que eu tirei o cara da banda, mas ele saiu porque quis.”

Sua saída ocorreu ainda durante as gravações. A vaga foi preenchida por Taylor Hawkins, já na turnê de divulgação. Ele permaneceu até sua morte, em março de 2022.

Em 2010, ao diretor do documentário “Back and Forth”, James Moll, Grohl admitiu:

“Sei que o William nunca vai me perdoar [por ter tocado a bateria naquele disco]. Sei disso. E gostaria que as coisas fossem diferentes. Mas ainda acho que era o que eu tinha de fazer para conseguir fazer o álbum acontecer. Foi uma época muito estranha e eu era jovem… que m#rda…”

O grande suporte principal

Um dia, durante as gravações no Bear Creek, Dave Grohl recebeu os papéis de seu divórcio. O casamento com Jennifer Youngblood ia de mal a pior.

A turbulência inspirara a letra da que Paul Brannigan define como “a canção de amor mais pura e perfeita que Grohl já escreveu”: “Everlong”. A Brannigan, em 2009, Grohl disse:

“Meu casamento não estava indo bem e nós nos separamos; eu havia acabado de receber a papelada no estúdio e lógico que foi aí que comecei a escrever [‘Everlong’]! Eu me casei com Jennifer em 1994; nós namorávamos havia dois ou três anos e no dia em que ela se mudou para Seattle, eu a pedi em casamento. Éramos novinhos e, sinceramente, não deveríamos ter feito aquilo; acho que mesmo quando estávamos noivos, nós dois sabíamos que não deveríamos nos casar.”

Grohl sabia que “Everlong” se tratava de “uma música legal”, mas não pensou que seria a canção por meio da qual a maioria das pessoas reconheceria o Foo Fighters. Em 2006, ele admitiu:

“Acho que foi a primeira vez em que as pessoas citaram frases de uma letra minha e comentaram: ‘Aquela música é linda! Aquela frase na qual você diz ‘Breathe out, so I can breathe you in…’ As meninas se aproximavam e me diziam isso. ‘Everlong’, basicamente, tem a ver com estar conectado a alguém, de tal maneira que não só ama aquela pessoa física e espiritualmente, mas ao cantar junto com ela, vocês se harmonizam perfeitamente.”

Pilares adjacentes

“[Dave Grohl é] um simples roqueiro em uma simples banda de rock que às vezes consegue escrever umas músicas bem bacanas”, escreveu Jessica Hopper em sua crítica a “The Colour and the Shape”, que foi lançado no dia 20 de maio de 1997, para a Spin. “Provavelmente, nunca vai criar uma obra de arte, mas já tocou bateria em uma”.

Se até hoje referências ao Nirvana perseguem a obra de Grohl, imagine em 1997, apenas três anos após a morte de Kurt Cobain. Aliás, não foram poucas as vezes em que Dave teve de explicar que “My Hero”, também deste trabalho, não era um tributo ao falecido colega. Embora escrita da perspectiva de uma criança, a música reflete as crenças de Grohl: os heróis que teve em sua vida eram pessoas comuns que faziam coisas extraordinárias.

Outra “música bem bacana” pela qual “The Colour and the Shape” é lembrado é “Walking After You”. Composta na mesma leva que “Everlong”, a delicada e assombrosa balada é descrita por Grohl como “uma canção emotiva e sentimental sobre levar um pé na bunda”. Uma versão regravada com banda completa pode ser ouvida nos créditos do filme “Arquivo X” (1998).

Contra fatos, não há argumentos

Sucesso comercial, “The Colour and the Shape” alcançou a décima posição na parada da Billboard e chegou ao terceiro lugar no Reino Unido. Também entrou no top 10 de países como Austrália, Canadá e Nova Zelândia.

Mais importante que números, o disco ajudou a estabelecer o Foo Fighters como uma nova banda por méritos próprios, e não um mero paliativo para os fãs do Nirvana que procuravam um substituto que nunca haverá.

Foo Fighters – “The Colour and the Shape”

  • Lançado em 20 de maio de 1997 pela Roswell / Capitol Records, com produção de Gil Norton.

Faixas:

  1. Doll
  2. Monkey Wrench
  3. Hey, Johnny Park!
  4. My Poor Brain
  5. Wind Up
  6. Up in Arms
  7. My Hero
  8. See You
  9. Enough Space
  10. February Stars
  11. Everlong
  12. Walking After You
  13. New Way Home

Músicos:

  • Dave Grohl (vocal, guitarra, bateria)
  • Pat Smear (guitarra)
  • Nate Mendel (baixo)

Músicos adicionais:

  • William Goldsmith (bateria nas faixas 1, 4 [apenas nos versos] e 6 [introdução lenta])
  • Lance Bangs, Chris Bilheimer e Ryan Boesch (palmas na faixa 8)
  • Louise Post (backing vocals na faixa 11)

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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