Como o álbum “McCartney” sinalizou o fim dos Beatles

Primeiro trabalho solo de Paul McCartney foi lançado uma semana após o anúncio de que sua banda havia encerrado atividades

O povo da Inglaterra acordou no dia 10 de abril de 1970 com uma notícia estampada na capa dos jornais que mudaria a história da música pop. Paul McCartney, uma semana antes de lançar seu primeiro disco solo, “McCartney”, havia saído dos Beatles e a banda acabaria. Como sempre, porém, a história é bem mais complicada que isso.

Em uma reunião dia 20 de setembro de 1969, depois de um ano extremamente difícil para o grupo, John Lennon anunciou aos outros integrantes sua saída dos Beatles. A informação foi mantida em segredo por questões comerciais, mas deu início a um período de rumores – envolvendo principalmente Paul McCartney, que a imprensa especulava ter morrido (sim, a lenda urbana surgiu nessa época).

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Paul estava vivo, entretanto, lambendo suas feridas num período autoimposto de reclusão com sua família numa fazenda na Escócia. Em seu livro “Fab: An Intimate Life of Paul McCartney”, Howard Sounes escreveu sobre o período:

“Foi muito difícil para Linda McCartney. Ela estava com uma criança de 7 anos e um bebê para cuidar e um marido que estava deprimido e bêbado. Ela contou a amigos tempos depois que aquele foi um dos períodos mais difíceis de sua vida, enquanto Paul refletia que podia ter se tornado uma vítima do rock’n’roll naquele ponto de sua carreira.”

Vida além dos Beatles?

Encorajado por Linda, Paul McCartney decidiu não se deixar tornar tal vítima e trabalhar em algo que nunca pensou em fazer antes: um disco solo.

Foto de Paul McCartney presente no encarte do álbum; produzida por Linda McCartney, em abril de 1969

A família McCartney retornou a Londres em dezembro de 1969 e Paul começou a elaborar o que viria a ser “McCartney” dentro de casa mesmo. O setup de gravação utilizado pelo músico foi descrito como apenas um gravador Studer de quatro canais e bastante coragem. 

O resultado dessas sessões iniciais acabou ditando o tom de grande parte do disco. A polidez e o luxo do então álbum mais recente dos Beatles, “Abbey Road”, foram deixados de lado em favor de uma atmosfera mais solta, com improvisações frequentes e uma preferência pelos momentos espontâneos onde coisas dão errado de uma maneira interessante.

“The Lovely Linda”, uma canção de 45 segundos que Paul compôs ainda na Escócia, foi gravada como um teste do equipamento. Dá pra ouvir risadas ao final da música. Isso impediu McCartney de incluí-la no disco? Que nada: ele a usou como faixa de abertura.

O disco “McCartney” de certa maneira captura o ar de brincadeira e espontaneidade dos Beatles no estúdio que o público finalmente veio a conhecer com a minissérie documental “The Beatles: Get Back”, com Paul exercitando toda sua versatilidade sem medo de não soar como a banda. Há country, rock’n’roll, experimentalismo e até uma descrição de uma caçada feita pela tribo brasileira Kreen-Akrore em um programa de TV. Nada fora dos limites.

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Uma das canções, “Hot as Sun/Glasses”, é formada por duas gravações distintas. A primeira parte, “Hot as Sun”, é inteiramente instrumental e existia de alguma forma na cabeça de Paul desde praticamente os anos 50. Já a segunda parte consiste de uma peça experimental tocada em taças de cristal, surgida nas sessões iniciais com o Studer. Ao fim dessa faixa, é possível ouvir um trecho de uma canção chamada “Suicide”, composta pelo Beatle para ninguém menos que Frank Sinatra.

No livro “Conversations with McCartney”, Paul conta a história por trás de “Suicide” ao autor Paul Du Noyer:

“Eu falei com ele no telefone e contei pra ele sobre a música: ‘ótimo, Paul, pode mandar’. Obrigado, Frank! Eu ao menos consegui isso dele. Fiz uma demo, mandei pra ele e ele achou que eu estava de brincadeira. Achou mesmo. ‘Esse cara tá brincando?’. Sabe, mandar pro Sinatra uma canção chamada ‘Suicide’? Ele não entendeu.”

Entretanto, como Paul McCartney não resiste aos seus instintos tradicionalistas, o álbum ainda encontrou lugar para uma de suas grandes canções, “Maybe I’m Amazed”. Gravada em Abbey Road, é um sinal do que viria a se tornar a marca registrada do músico após o fim dos Beatles. Uma balada ao piano composta para Linda onde ele dá uma performance apaixonada e apaixonante.

Brigas sobre calendários e kits de imprensa

Em março de 1970, ao mesmo tempo que Paul McCartney terminava os trabalhos de seu primeiro disco solo no estúdio 2 de Abbey Road, Phil Spector trabalhava no estúdio 4 para finalizar a mixagem do que viria a ser “Let it Be”, o disco até então abortado pelo grupo.

Capa do álbum “McCartney”

Obrigações contratuais com a United Artists fizeram a première mundial do documentário sobre as sessões de “Let it Be” (a versão da época, dirigida por Michael Lindsay-Hogg) ser marcada para o dia 28 de abril de 1970. Em meio a brigas sobre o calendário de lançamentos dos Beatles naquele período – além de “Let it Be” e “McCartney”, havia também o primeiro disco solo de Ringo Starr, “Sentimental Journey”, que sairia ao final de março –, ficou acordado que o disco solo de Paul seria divulgado no meio de abril.

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Isso, contudo, mudou quando Spector anunciou que conseguiria entregar a mixagem do disco “Let it Be” a tempo da estreia do filme. O resto da banda comunicou a Paul o adiamento de seu álbum solo para junho. Isso deu início a mais brigas, cujo resultado foi a Apple deixar “McCartney” sair em 17 de abril.

Oito dias antes do álbum sair, Paul McCartney enviou à imprensa inglesa um kit de imprensa (veja abaixo) em que falava sobre os temas do disco solo – Lar, Família, Amor –, sobre como não havia sentido falta das contribuições dos outros integrantes e, mais importante, como não conseguia se ver compondo com John Lennon novamente.

Ele comunicou aos outros Beatles em particular seu desejo de sair do grupo, mas não mencionou essas declarações já enviadas à imprensa. Os outros integrantes viram isso como uma traição e trataram de diminuir “McCartney” na imprensa. Críticos também não viram o disco com bons olhos, mas com o passar do tempo se tornou um clássico.

As sequências de McCartney

Apesar de Paul McCartney ter uma trajetória com mais de 50 anos após o fim dos Beatles, alternando entre a carreira solo e a banda Wings, a alcunha “McCartney” só foi utilizada novamente em dois outros álbuns lançados em momentos semelhantes de isolamento. 

“McCartney II” saiu em 1980 após o fim do Wings. Contando com o hit “Coming Up”, cujo clipe tinha Paul posando como diversos roqueiros diferentes ao mesmo tempo, o trabalho também conta com uma das canções mais notórias do repertório do ex-Beatle, “Temporary Secretary”.

O terceiro disco da trilogia esperou 40 anos para sair. Lançado em dezembro de 2020, em meio à pandemia, “McCartney III” nasceu de um processo descompromissado, conforme Paul disse no trailer de lançamento do álbum:

“Foi muito divertido. Era mais sobre fazer música pra si mesmo do que fazer música que tem a ver com um trabalho. Então, acabei fazendo coisas que tinha vontade de fazer. Não tinha ideia de que acabaria sendo um álbum.”

Uma citação de 2020 sobre “McCartney III” que poderia ser usada para descrever “McCartney”.

* Texto por Pedro Hollanda, com pauta e edição por Igor Miranda.

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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