Uma das entrevistas mais importantes que fiz enquanto jornalista musical até hoje foi com Zakk Wylde. Em 17 de setembro de 2021, tive a oportunidade de bater um papo de 30 minutos com um dos guitarristas mais relevantes do heavy metal das últimas três décadas, ao menos em minha opinião.
Não só pelo trabalho com Ozzy Osbourne, mas pelos projetos desenvolvidos com Black Label Society, Pride & Glory e carreira solo, Zakk construiu um estilo muito próprio de se tocar e compor. Há quem o critique por às vezes recorrer demais às suas artimanhas, mas é justamente isso que o faz único: é o tipo de guitarrista que você reconhece logo na primeira nota.
O papo teve a intenção de divulgar “Doom Crew Inc”, álbum que seria lançado apenas em novembro pelo Black Label Society. Falamos sobre esse bom disco, mas também aproveitamos a ocasião para bater um papo sobre guitarra (a pauta era para a revista online Guitarload e algumas respostas foram removidas deste artigo pois seguirão exclusivas da publicação) e percorrer a carreira de Wylde com seus outros projetos, desde os 30 anos de “No More Tears” aos 20 anos do filme “Rock Star”.
Neste 14 de janeiro de 2022, ocasião em que Zakk completa seu 55º aniversário, apresento a quase-íntegra desta entrevista – que também está disponível em vídeo no YouTube. Confira abaixo tanto a versão em vídeo quanto a transcrição em texto.
Uma entrevista com Zakk Wylde
Parte 1: “Doom Crew Inc”
Sobre a presença do guitarrista Dario Lorina em “Doom Crew Inc”, seu primeiro álbum com o Black Label Society:
“Esse disco é uma evolução natural do que já estávamos fazendo. Nos shows, quando toco piano, Dario segue na guitarra. Ao longo dos anos em que ele está na banda, estamos nos envolvendo mais, com solos duplos em músicas antigas como ‘Stillborn’ ou ‘Suicide Messiah’, também quando vamos para o meio da galera em ‘Fire it Up’. O disco é meio que uma extensão disso. Em algumas músicas do álbum, fazemos harmonias e arranjos na veia dos Allman Brothers, Judas Priest, Thin Lizzy, que dependem de duas pessoas na guitarra. Ele é um ótimo guitarrista, além de tocar piano, cantar, lavar louça, fazer um frango à piccata de dar água na boca… (risos) Era natural tê-lo no álbum.”
Sobre o trabalho de longa data com o baixista John DeServio e a presença do baterista Jeff Fabb, que chega a seu segundo álbum com a banda.
“Os caras são fenomenais. Conheço JD desde que a gente tinha uns 17 anos, tocávamos juntos antes mesmo do Ozzy. Ele é o padrinho do Sabatini (filho mais novo de Zakk, Sabbath Page). Ele mixa os discos comigo, então trabalhamos bem juntos na produção e na mixagem. A gente adora a companhia um do outro, também de Jeffie. Adoro tocar com eles. John é sólido, tem um peso e uma finesse, enquanto Jeff tem um senso de tempo absurdo, como um metrônomo atrás da gente. Além das capacidades deles como músicos, eles também trazem suas personalidades como contribuições.”
Sobre finalmente ter feito uma música por cima do solo de “Farewell Ballad” após mais de 10 anos:
“Existe desde, sei lá, 2010 ou coisa assim. Deve ter esse número de visualizações (mais de 20 milhões em vídeos somados no YouTube) porque sempre acaba aparecendo no meu feed do Instagram, com gente me marcando em vídeos de pessoas fazendo versões do solo e fazendo um trabalho incrível. É definitivamente algo que me deixa muito lisonjeado. Falei que deveríamos termina-la de uma vez por todas e fazer dela uma canção de verdade, sabe? Agora, também tem um solo no meio, então, quero ver se a galera começa a tocar esse solo também para ver se chega a 23 milhões de visualizações.”
Sobre a composição de “Farewell Ballad”:
“Não há nada demais. Quando você quer solar, seja em cima de ‘Red House’ (Jimi Hendrix) ou qualquer outra coisa, a melhor base é uma progressão simples que te possibilite tocar melodias e fritar. Eu tinha os acordes de Dm, C, Bb e Amaj7 – essa era a progressão. Pensei em começar a canção ao fim dessa base. Comecei a pensar em como fazer, onde começar a cantar. Já na virada da música, bolei outra melodia, daí tal coisa virava o refrão. Não demorou muito. Achei o que queria fazer e corri para o abraço. O resto foi só eu sentado na caminhonete pensando em uma melodia e letra pra música.”
Sobre o álbum anterior, “Grimmest Hits”, um dos favoritos deste jornalista quando o assunto é Black Label Society:
“Eu amo esse disco e muitas das coisas nele, como ‘The Only Words’, ou ‘Trampled’, a gente tocou essas em show outro dia. Trabalhamos muito nessas canções enquanto fazíamos turnê do disco, então eu ainda o adoro. Adoro todos eles. A gente acabou de lançar um box set e foi muito legal ficar olhando no túnel do tempo, conferindo esses álbuns de novo. Mas se você perguntar pra qualquer banda ou artista, o que vai ouvir é sempre que o que estão mais empolgados sobre é sempre aquilo que estão trabalhando no momento.”
Parte 2: a guitarra
Sobre como abordar a composição de solos de guitarra com a escala pentatônica, que tem apenas cinco notas e é considerada mais simples:
“Quando comecei com Ozzy Osbourne, evitei comparações. Não queria ser comparado com Yngwie Malmsteen, então foi tipo: não faça sweep picking, não use a escala harmônica menor. Não queria ser comparado a Eddie Van Halen, então nada de tapping, dive bombs, nada das marcas registradas do Eddie. Tirei tudo da lista. Era assim nos anos 1960: se alguém não quisesse ser comparado a Jimi Hendrix, tinha que se livrar do wah wah, nem usar Stratocaster e whammy bar. No meu caso, além dos elementos que citei, evitei escalas de três notas, diatônica, harmônica menor, sweep picking, arpejos…
Parei para pensar no que restou e foi a pentatônica. Comecei a ver o quão criativo dava para ser com ela. Você se força a usar sua imaginação. Aí faço chicken picking, coloco alguns cromatismos aqui, uma pegada mais blues – e foi isso que fiz quando comecei com Oz, para não ser comparado com nenhum outro guitarrista. Amo o som do Frank Marino, amo o som do John McLaughlin, pois o jeito que eles usam a escala pentatônica é muito musical e soa tão bem. Às vezes, faço três notas por corda, porque Al Di Meola é uma grande influência, mas é sempre para ver o que cabe no solo. Se quero usar três notas por corda, beleza, mas simplesmente gosto do som da pentatônica.”
Dicas aos guitarristas que buscam seu estilo próprio:
“Acho que é tocar o que você ama, sabe? Essa é a verdade mesmo. Tipo os caras do Green Day. O que eles curtem é punk rock, Beatles, Sex Pistols e Clash. Isso é o que eles fazem, não tentar soar como Guns N’ Roses, pois o Guns era gigante antes do Green Day estourar. Eles apostaram no próprio som e no que eles curtiam. Se falassem para Kurt Cobain que o Nirvana deveria soar mais como Guns ou Bon Jovi porque eles vendem muitos discos, ele diria que não é o tipo de som que o inspira, sabe? Que ele gosta do que gosta, de punk rock, e se é isso que você gosta, invista nisso. Esse é o único conselho que tenho para dar aos mais jovens, porque quando comecei, sempre estávamos indo atrás do que era popular. E mesmo se não gostasse, a gente tocava. Então, eu me pegava pensando: esse não foi o jeito que o Led Zeppelin estourou, ou o Black Sabbath, ou Jimi Hendrix. Por que a gente simplesmente não toca o que a gente quer tocar, né?”
Parte 3: Ozzy, Pride & Glory e o filme “Rock Star”
Sobre as lembranças das gravações de “No More Tears”, álbum que completava 30 anos de lançamento na exata data da entrevista (17 de setembro de 2021):
“Pessoas me perguntam como que foram as sessões de composição nele comparadas com ‘No Rest for the Wicked’, mas para mim foi simplesmente uma evolução no processo de compor com Oz, sabe? Lembro que ele me ligou quando estava gravando os vocais de ‘Time After Time’ e dizia: ‘Zakk, você tem que conferir isso’. Ele estava fazendo as harmonias vocais e eu fiquei embasbacado com o resultado. E quando ele fez os vocais para ‘Mama I’m Coming Home’, foi a mesma coisa. Ouvir as mixagens e trabalhar com John (Purdell) e Duane (Baron) foi o máximo, somos amigos.
E ainda tem Michael Wagener (na mixagem). Amo Mike, ele é f0da em tudo que faz. O cara é uma lenda. E ele matou a pau. Quando ouvimos a mixagem final, fiquei bobo com o quão incrível tudo soava. E até hoje em dia escutando ainda acho que soa ótimo. Os caras fizerem um grande trabalho, foi muito divertido o processo do disco. E veio a turnê em seguida, com Mike Inez (baixo), Randy Castillo (bateria), John Sinclair (teclados) e Oz dizendo que seria a última turnê. Nada além de belas lembranças.”
Sobre a crítica que muitas pessoas fazem aos vocais de Ozzy, sempre contestada por Zakk Wylde que o define como “o rei das melodias”:
“Nunca entendi esse papo sobre Ozzy. Ozzy é um ótimo cantor, é só escutar tudo do Sabbath. É f0da, os vocais dele… eu colocaria os vocais dele no ‘Sabotage’ contra qualquer um dos contemporâneos dele, seja Robert Plant, Rod Stewart, Ian Gillan, Steve Marriott, quem qualquer um deles. Os vocais dele no ‘Sabotage’ são incríveis. Em todos os meus anos com Oz, raramente o que ele cantava no disco não era a primeira coisa que ele bolava. Que ele ficava burilando, não gostava do que estava cantando e tentando achar a melodia.
Eu apenas consigo imaginar como era com o Randy (Rhoads, guitarrista falecido em 1982), mas comigo… eu ficava tocando, ele ficava procurando e eu te garanto que a primeira coisa que saía da boca dele era a boa. Tudo em ‘No More Tears’, ‘Mama I’m Coming Home’, ‘Miracle Man’, ‘Crazy Babies’… tudo era de primeira e sempre matava a pau. E isso vem do amor dele pelos Beatles. É natural, porque é assim que ele ouve. A melodia que ele bota em ‘Symptom of the Universe’, como que ele bolou aquilo? Era simplesmente o que ele escutou e cantou. É fenomenal. Eu diria que ele é o rei da melodia mesmo, cara.”
Sobre as gravações do filme “Rock Star”, que completava 20 anos de lançamento à época:
“Olha, tenho nada além de ótimas memórias de fazer aquele filme, com Mark (Wahlberg), Jennifer (Aniston) e Stephen Herek, o diretor. Além de todos os caras envolvidos, fazer jams com Jason Bonham e Jeff Pilson e todos os caras. Muita zoeira. Me lembro quando me chamaram pra participar do filme, eu perguntei o que era pra fazer e eles disseram que era pra tocar guitarra, beber cerveja e atirar escopetas. Respondi: ‘e eu serei pago pra fazer isso?’ (Risos). Como eu disse, foi muito divertido, e muita gente gosta do filme, o que é bem legal.”
Sobre os constantes pedidos de reunião do Pride & Glory, projeto da década de 1990:
“Nunca se sabe, eu nunca digo nunca. Ainda sou amigo de todos os caras, nunca se sabe com Jame-O (James LoMenzo, baixista), Brian (Tichy, baterista) e tudo. Se eu conseguir espremer entre o Zakk Sabbath, Black Label, Ozzy, Generation Axe, faxina, corrida, cuidar do cachorro, louça, lavanderia e fazer mais frango à piccatta… nunca se sabe.”
Sobre as lembranças de gravar com o Pride & Glory seu único álbum, homônimo, de 1994:
“A gente se divertiu demais quando fizemos esse disco. A gente gravou em Seattle com Rick Parashar e foi uma abordagem diferente de um disco do Ozzy Osbourne, porque não dobrei tanto as guitarras. Com o Ozzy, gravar é tipo construir uma casa, enquanto o Pride & Glory é mais um power trio com improvisação, tinha uma coisa mais ao vivo. No Black Label, as coisas são como com o Ozzy – mais estruturadas. O Pride & Glory é mais solto e improvisado por ser um power trio, que nem o Cream e o Mountain. Adoro fazer isso, não tem jeito certo ou errado, porque quando se faz música, não tem regras. Nunca vou dizer ‘nunca’ quanto a fazer mais um desses.”
Clique para seguir IgorMiranda.com.br no: Instagram | Twitter | Facebook | YouTube.