Os Beatles haviam se separado em 1970 e cada um dos integrantes seguiu em carreira solo. Um dos mais bem-sucedidos foi George Harrison: ainda naquele ano ele lançou seu terceiro álbum solo, “All Things Must Pass”, trabalho alavancado pelo hit “My Sweet Lord”. Mas nem tudo seriam flores nesta nova fase do guitarrista.
Inicialmente, “My Sweet Lord” foi divulgada como single nos Estados Unidos em 23 de novembro de 1970, quatro dias antes do álbum completo sair. Quase na mesma época, Billy Preston, que participou da gravação, também lançaria sua versão da faixa – Harrison a havia cedido ao pianista ainda em 1969, antes de pensar em lançar um novo trabalho solo.
A versão do Beatle estourou rapidamente tanto em território americano quanto no Reino Unido. Porém, em fevereiro de 1971, veio a notícia: o artista estava sendo acusado de plágio pela Bright Tunes Music Corporation. A empresa detinha os direitos de uma música chamada “He’s So Fine”, escrita por Ronnie Mack e gravada pelo grupo The Chiffons em 1963.
A batalha judicial
A situação ganhou contornos de tensão quando, em junho de 1971, a cantora country Jody Miller lançou uma versão de “He’s So Fine” incorporando o slide guitar usado por George em “My Sweet Lord”. Isso colocou o assunto ainda mais em evidência na mídia, enquanto as negociações ocorriam em paralelo.
A própria Bright Tunes havia sido processada pela mãe do compositor de “He’s So Fine”, já falecido. A empresa acabou indo à falência antes que um acordo fosse fechado, o que já estava sendo encaminhado, fazendo com que a briga se arrastasse por mais algum tempo.
Em meio a tudo isso, George Harrison cortou ligações com seu então empresário, Allen Klein, que também cuidava das carreiras de John Lennon e Ringo Starr. Em uma jogada nada ética, Klein tentou comprar a Bright Tunes, utilizando-se de informações privilegiadas para que a empresa vencesse a disputa judicial contra Harrison e seu selo Harrisongs.
Em 1976, após algumas audiências nos Estados Unidos com um juiz que também era músico, foi decretado que Harrison era culpado de “plágio subconsciente”. Ou seja: o Beatle teria copiado a música, mas sem intenção de fazê-lo. A definição é vaga e tema de debates até hoje em outros casos de acusações de plágio.
Fato é que foi estabelecida uma indenização de US$ 1,5 milhão a ser paga pelo artista à Bright Tunes com relação à ação movida nos Estados Unidos. O valor representava três quartos de toda a receita obtida com a canção na América do Norte, além de uma grande fatia recebida pelo disco “All Things Must Pass”. Houve ainda outro processo relacionado à canção no Reino Unido, que foi resolvido fora dos tribunais.
O valor da indenização referente ao caso em território americano foi reduzido posteriormente para US$ 587 mil, devido à duplicidade do envolvimento de Allen Klein.
George Harrison e a indústria musical
Enquanto o processo se arrastava na justiça – os últimos trâmites só foram encerrados oficialmente em 1998 –, George Harrison ficou cada vez mais desanimado com a burocracia da indústria. Ele teria se chateado ainda mais quando, em 1976, o The Chiffons lançou um cover de “My Sweet Lord” para aproveitar-se da notoriedade do caso.
O músico deixou clara sua posição em várias entrevistas ao longo dos anos 1970 e 1980. À Rolling Stone, por exemplo, o artista comentou sobre a dificuldade em compor durante toda a polêmica.
“É difícil começar a compor de novo quando você passa por tudo isso. Até hoje quando eu ligo o rádio, cada música que escuto soa como alguma outra coisa.”
Em sua autobiografia, Harrison só expressou arrependimento por não ter feito mudanças onde teria sido possível – ele havia admitido no julgamento que conhecia a música do The Chiffons, embora tenha citado que sua influência foi a canção gospel “Oh Happy Day”. O músico também exaltou o tema da música, que lida com questões espirituais.
“Eu não estava consciente da similaridade com ‘He’s So Fine’. Quando compus a música, foi mais improvisado e não fixado. Por que eu não percebi? Teria sido muito fácil mudar uma nota aqui e ali e não afetar o sentimento da gravação.
Mas não me sinto mal ou culpado por isso. (A música) salvou a vida de muitos viciados em heroína. Eu sei que o motivo pelo qual a música foi composta em primeiro lugar vai muito além do problema legal.”
Beatles: acusações e opiniões
Na ocasião, aconteceu uma verdadeira explosão de acusações de plágio contra clássicos, incluindo alguns dos Beatles. Em entrevistas, Paul McCartney chegou a declarar que o grupo de fato havia “roubado” muitas ideias de outros artistas e defendeu que quase nada é totalmente original.
Em 1980, pouco antes de sua morte, John Lennon comentou o assunto em entrevista à Playboy. O ex-colega de Harrison se mostrou pouco clemente com a situação e acusou o músico de descuido ao não mudar certas notas na composição.
“Ele deveria saber. Ele é mais inteligente do que isso… ele poderia ter mudado alguns compassos na música e ninguém teria reclamado, mas ele deixou lá e pagou o preço. Talvez ele tenha pensado que Deus meio que o deixaria passar.”
Sucesso – com ou sem plágio
Apesar dos pesares, “My Sweet Lord” permanece como o maior sucesso de George Harrison em carreira solo. Foi, ainda, o primeiro single de um ex-Beatle a alcançar o 1º lugar tanto nas paradas do Reino Unido quanto dos Estados Unidos pós a dissolução da banda – superando John Lennon e Paul McCartney, que dominavam as composições na banda.
A música foi regravada e relançada em mais de uma ocasião, incluindo em 2002, como tributo ao artista, falecido em 2001.
Harrison contou com um verdadeiro “dream team” na gravação da música, trazendo parceiros como Billy Preston, Eric Clapton, Ringo Starr, Peter Frampton e membros do grupo Badfinger. Primeiro lugar em vários países, vendeu 1 milhão de cópias nos Estados Unidos e Reino Unido, alcançando marca expressiva também no Japão.
* Texto por André Luiz Fernandes e Igor Miranda, com pauta e edição por Igor Miranda.