Por que Sister Rosetta Tharpe estava tão a frente de seu tempo

Cantora gospel influenciou os chamados pioneiros do rock and roll e teve papel importante para romper paradigmas diversos na sociedade americana

Antes de Chuck Berry, Little Richard, Elvis Presley e qualquer outro músico citado como um dos pioneiros do rock and roll surgir, Sister Rosetta Tharpe estava lá. Oriunda da cena gospel americana dos anos 30 e 40, a cantora e guitarrista não só estava a frente do seu tempo em termos musicais, como também levava uma vida considerada “subversiva”, com hábitos que só seriam compreendidos anos depois.

Rosetta Tharpe nasceu em 1915, no estado americano do Arkansas. Aos 4 anos, começou a aprender a tocar guitarra. Com cerca de 7 anos, já se apresentava pelo sul dos Estados Unidos, mas foi quando se mudou para Chicago, no norte do país, que começou a realmente se tornar a “mãe do rock”.

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A abordagem musical de Sister Rosetta Tharpe consistia em unir o melhor do blues e do jazz da época com uma pegada orientada ao gospel e um estilo único como guitarrista. Naqueles tempos, ela já fazia um tipo de música intensa e – por que não? – pesada. Foi uma pioneira no uso de distorção na guitarra antes mesmo da explosão do chamado blues elétrico, gênero considerado predecessor do rock and roll como o conhecemos.

“Nenhum homem consegue tocar como eu”

A frase “Nenhum homem consegue tocar como eu” é uma tradução aproximada de uma expressão que Sister Rosetta Tharpe usava ao divulgar sua música. Aos 23 anos, ela, que já era pioneira em muitos sentidos, também fez história ao se tornar a primeira artista do gênero religioso a assinar contrato com uma grande gravadora – no caso, a Decca Records.

Com o novo acordo, a temática da música de Rosetta Tharpe mudou: saíram os louvores religiosos e entraram músicas seculares, muitas vezes com letras de duplo sentido ou até mais explícitas, lidando com relações sexuais e satisfação nesse sentido. Obviamente, religiosos que a acompanhavam desde o início se irritaram com a perspectiva de carreira.

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A mudança era parte de um contrato com o executivo Lucky Millinder, no qual ela deveria gravar o que fosse pré-determinado por ele e pela gravadora. Esse acordo durou 7 anos e assim que acabou, Rosetta voltou às suas origens na música gospel, onde conseguiu trazer o público da “nova fase” e recuperar fãs antigos.

Sister Rosetta Tharpe e a sexualidade

O pioneirismo de Sister Rosetta Tharpe também englobava outro aspecto social. Além de ser uma artista mulher e negra em uma época onde direitos femininos inexistiam e o racismo era institucionalizado nos Estados Unidos, ela também foi uma grande representante da comunidade LGBTQIA+ (por mais que nem todas essas siglas e identificações existissem na época) até mesmo no mundo gospel.

Na biografia “Shout, Sister, Shout!”, de 2007, o autor Gayle Wald conta a história de algumas das aventuras sexuais de Rosetta – com homens e mulheres. Embora pareça estranho que alguém vindo da cena gospel e com uma origem muito religiosa possa ter dado vazão a seus sentimentos tão abertamente, Wald explica o contexto em que a cantora estava inserida.

“No mundo gospel, era entendido que as pessoas protegiam a privacidade umas das outras. Você não quer arruinar a carreira ou a vida de ninguém. Dessa forma, as pessoas viviam suas vidas tão abertamente quanto podiam. Acredito que ela vivia em um mundo com uma certa quantidade de abertura.”

Como mulher, Rosetta também impressionou ao contar com um grupo de backing vocals que recebia o nome de The Jourdaines. Todos os integrantes eram homens brancos, servindo como vocais de apoio para uma artista mulher negra, em uma imagem que poderia chocar algumas pessoas até mesmo nos dias atuais.

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Legado de Sister Rosetta Tharpe

Embora tenha falecido relativamente jovem – no dia 9 de outubro de 1973, aos 58 anos, em decorrência de um derrame como resultado de problemas com diabetes -, Sister Rosetta Tharpe pôde assim o nascimento e a evolução do rock and roll. Em sua biografia, consta uma entrevista do final dos anos 1960, onde ela é perguntada sobre o que acha das bandas de rock, como os Beatles, Rolling Stones, e outros que cresciam naquele período.

“Oh, essas crianças e o rock and roll – aquilo é só rhythm and blues tocado mais rápido. Tenho feito isso desde sempre.”

Sua carreira serviu de influência para praticamente todos os nomes que são citados como pioneiros do rock and roll. De Elvis Presley a Keith Richards, passando por Carl Perkins, Johnny Cash, Jerry Lee Lewis, Little Richard e tantos outros: todos a citam como influência. Chuck Berry teria dito que sua carreira não passou de uma longa imitação de Sister Rosetta Tharpe. Não está mentindo.

Como toda grande pioneira, Rosetta Tharpe só foi reconhecida de verdade anos depois de sua morte. Foi introduzida ao Blues Hall of Fame apenas em 2007 e ao Rock and Roll Hall of Fame somente em 2018. Passou a ser lembrada como influente dentro do rock and roll devido ao trabalho de historiadores.

Antes tarde do que nunca.

* Texto desenvolvido em parceria por André Luiz Fernandes e Igor Miranda. Pauta e edição geral por Igor Miranda; redação e apuração adicional por André Luiz Fernandes.

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André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes é jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Interessado em música desde a infância, teve um blog sobre discos de hard rock/metal antes da graduação e é considerado o melhor baixista do prédio onde mora. Tem passagens por Ei Nerd e Estadão.

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