Como o ainda inocente Elton John construiu sua obra-prima “Goodbye Yellow Brick Road”

Após tentativa fracassada de gravar na Jamaica, cantor reuniu Bernie Taupin e banda solo em local reconhecido para correr atrás do tempo - e superou adversidades com intensidade

Elton John já era um artista de grande projeção antes de 1973. Porém, nada do que ele havia vivenciado até então poderia ser comparado com “Goodbye Yellow Brick Road”.

Lançado em 5 de outubro daquele ano, o sétimo álbum de estúdio da carreira do artista britânico é considerado até hoje sua obra-prima. Trata-se de um trabalho único em sua discografia, especialmente, por trazer um aspecto positivo e até inocente que se tornaria raro em sua vida futura.

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Nessa época, Elton ainda era um artista pouco envolvido com a vida boêmia oferecida pela fama. Aos 26 anos, o cantor não consumia nenhum tipo de droga, nem a tão comum maconha.

Em entrevista à Rolling Stone, o próprio artista comenta:

“Eu nem sabia o que era um baseado quando gravei esse álbum. Tudo mudou quando fiz o próximo disco (‘Caribou’, de 1974), mas em 1973 eu era muito ingênuo. E a ingenuidade é a coisa mais agradável desse disco, provavelmente.”

Outro ponto curioso é que o músico preferia cantar sobre temas mais leves do que outros nomes da chamada contracultura. As letras de suas canções, claro, era todas escritas por seu parceiro profissional, o compositor Bernie Taupin.

O caos na Jamaica

As sessões de “Goodbye Yellow Brick Road” foram certamente produtivas, mas não foram exatamente fáceis, especialmente em seu período inicial. A ideia era gravar o disco em Kingston, Jamaica, no mesmo local onde os Rolling Stones haviam produzido “Goats Head Soup” (1973), mas isso, definitivamente, não foi uma boa ideia.

Em janeiro de 1973, Elton John, Bernie Taupin e a banda de turnês do cantor – com Davey Johnstone na guitarra, Dee Murray no baixo e Nigel Olsson na bateria – foram para a Jamaica, para iniciar o processo criativo. A presença da banda seria um ponto importante do trabalho, já que, até aquele momento, o artista nunca havia trabalhado com os mesmos músicos no estúdio e na estrada.

Porém, devido a uma série de fatores, nada deu certo em Kingston. Na época, a Jamaica passava por problemas políticos e uma greve geral. Além disso, houve uma luta de boxe entre John Frazier e George Foreman que simplesmente parou a capital do país. Para piorar, o equipamento oferecido aos músicos tinha problemas.

O compositor Bernie Taupin relatou o ocorrido à Rolling Stone:

“O clima era hospitaleiro, mas os nativos não eram. Para usar a terminologia da época, não tinha uma ‘vibe boa’. Eu me lembro de muito arame farpado em volta do estúdio e dos guardas armados.

Passamos muito tempo juntos ao redor da área da piscina do hotel, sentindo que havia segurança em estarmos juntos. Os Stones conseguiram gravar lá, mas acho que eles tinham uma unidade móvel com eles. A única coisa que eu me lembro de tentar gravar foi ‘Saturday Night’s Alright For Fighting’. Foi uma tentativa abortada, uma atrocidade.”

Com pouco tempo e cada vez menos dinheiro, os músicos saíram da Jamaica e foram para a França, mais especificamente para o Château d’Hérouville. Foi nesse mesmo local que Elton já havia gravado seus dois últimos álbuns, “Honky Château” (1972) e “Don’t Shoot Me I’m Only the Piano Player” (1973), então, o artista estava em casa.

Elton John corre atrás do tempo perdido

Morando dentro do próprio estúdio, em um castelo francês do século 18, Elton John, Bernie Taupin e banda queriam recuperar o tempo perdido no Caribe. Isso acelerou o processo de composição, que também foi marcado pela intensidade – não à toa, foram geradas 22 músicas.

Dessas criações, 17 faixas acabaram entrando no álbum, que não foi planejado para ser duplo, mas saiu nesse formato pela primeira vez na carreira do cantor. As músicas não eram só muitas e boas – elas eram também muito diferentes entre si, em uma variação que acabou sendo o ponto alto do disco.

Elton John comentou sobre essa variedade de estilos, também à Rolling Stone:

“Não foi intencional que compus as músicas naquele álbum em estilos diferentes. Cresci amando todos os tipos de música e fui treinado na música clássica também. É aí que ‘Funeral for a Friend’ meio que entra. E então ‘Love Lies Bleeding’, as duas não foram escritas juntas: apenas as juntamos e funcionou.

Coisas assim são, às vezes uma grande surpresa no estúdio, pequenas coisas que apenas acontecem assim. Coisas como ‘Sweet Painted Lady’, que é um tipo de música bem tradicional. E então você tem coisas como ‘Bennie and the Jets’, que é completamente fora da caixa.”

Os destaques

Não é comum que um álbum duplo, com 18 músicas, venda tanto quanto “Goodbye Yellow Brick Road”. Muito desse sucesso veio em função dos quatro singles do trabalho, que estão entre os maiores hits de Elton: “Saturday Night’s Alright for Fighting”, a faixa-título, “Bennie and the Jets” e “Candle in the Wind”, balada que foi reinterpretada em 1997, em ocasião da morte da princesa Diana de Gales.

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Dá para dizer que “Candle in the Wind”, na verdade, foi o maior hit da carreira do cantor? Embora não tenha chegado ao topo das paradas na época, a faixa se tornou extremamente simbólica para o artista e teve um sucesso fracionado ao longo das décadas.

À Rolling Stone, Bernie Taupin comentou que compôs a letra da música sobre a atriz Marilyn Monroe, falecida em 1962. Todavia, não foi algo exatamente romântico por parte do letrista.

“Compus ‘Candle in the Wind’ sobre Marilyn Monroe, mas não que eu a admirasse na infância ou algo assim. Era só uma metáfora para a fama e morrer jovem, sobre pessoas que meio que exageram na indulgência e morrem jovens. Poderia ser sobre Montgomery Clift, James Dean ou Jim Morrison, mas parecia haver uma inclinação mais simpática, então usei Marilyn Monroe. E ela era mulher, e isso era mais vulnerável. Mas era realmente sobre os excessos de celebridade, a morte prematura de celebridades: ‘viva rápido, morra jovem e deixe um belo cadáver’.”

A canção tocou tanto que Taupin sabe que muita gente não aguenta mais ouvi-la. Isso, porém, significa algo positivo para ele.

“Sei que há pessoas que ficariam felizes se nunca ouvissem ‘Candle in the Wind’ novamente. Mas a questão é que, se uma música entra no léxico dessa forma, significa que provavelmente é uma boa música. Acho que é um dos melhores casamentos de letra e melodia que Elton e eu já criamos. Mas isso não muda o fato de que eu não estava particularmente apaixonado por Marilyn Monroe.”

Entre os singles do álbum a antítese desta carismática balada era a funky “Bennie and the Jets”. A faixa foi lançada como compacto a contragosto de Elton, que não imaginava que ela se tornaria um hit.

“Quando vi a letra de ‘Bennie and the Jets’, sabia que tinha que ser um tipo de música excêntrica, um tipo de som R&B ou funky. Os sons do público foram retirados de um show que fizemos no Royal Festival Hall anos antes. A coisa toda é muito estranha.

Não achei que ela deveria sair como single. Discuti com o MCA por isso. Só desisti porque a música estava no topo das paradas ‘black’ em Detroit. Sendo que… eu era um garoto branco da Inglaterra! Mas até hoje não a vejo como um single.”

Tão envolvente quanto “Bennie and the Jets”, certamente, é “Saturday’s Night Alright For Fighting”. Recheada por um groove tipicamente classic rock and roll, a canção trouxe dificuldades para John em estúdio.

“Lembro vividamente de ter gravado ‘Saturday Night’s Alright For Fighting’. Não conseguia acertar a parte do piano, então, quando a banda tocou baixo, bateria e guitarra, deitei no chão e gravei os vocais ao vivo. Coloquei o piano depois. É uma maneira estranha de fazer isso, mas lembro de fazer isso porque parecia que, por algum motivo, nós quatro, tocando ao vivo, simplesmente não funcionava. Então, fiz overdub do meu piano depois e cantei o vocal ao vivo.”

Por fim, há de se mencionar a faixa-título, com sua letra que deixa clara a proposta do álbum: ser um passeio quase cinematográfico pelas mentes criativas de Elton e Bernie. O letrista comenta:

“Muitas das minhas letras vieram dos programas de TV e dos filmes que vi quando mais jovem. Como qualquer outra criança da minha geração na Inglaterra, cresci ouvindo música americana e assistindo a filmes e programas de TV americanos. ‘Goodbye Yellow Brick Road’ é um álbum cinematográfico. A letra da faixa-título diz que quero deixar Oz e voltar para a fazenda. Acho que este ainda é meu modus operandi nos dias de hoje. Não me importo de sair e fazer o que todo mundo estava fazendo, mas sempre tive que ter uma saída de emergência.”

O resultado de Goodbye Yellow Brick Road

Definitivamente, “Goodbye Yellow Brick Road” estabeleceu novos padrões para a carreira de Elton John. Com o sucesso desse álbum, o músico se permitiu ser mais ousado e experimental. Percebeu, enfim, que a qualidade das canções está acima da formatação pensada para rádios ou para o mainstream de forma geral.

Ter a mesma banda da turnê trabalhando em estúdio também se mostrou um grande acerto, devido ao óbvio entrosamento entre os músicos. Nigel Olsson, Dee Murray e especialmente Davey Johnstone estavam em grande momento técnico, o que só acrescentou à musicalidade inspiradora do artista principal.

Dali em diante, Elton John iria preferir seguir o padrão de ter seus músicos de turnê nos álbuns. Uma decisão acertada, já que isso, de forma geral, melhorou muito a qualidade das versões de estúdio de suas canções – agora, mais próximas do que se ouviria nos shows ao vivo.

Nos Estados Unidos, “Goodbye Yellow Brick Road” vendeu 8 milhões de cópias, além de um merecido primeiro lugar nas paradas do país – feito repetido no Reino Unido, Austrália e Canadá.

O inocente Elton John deste álbum nunca mais retornou. Os excessos (musicais e materiais) deram o tom em “Caribou” (1974), ainda sem comprometer a qualidade. Dá para dizer que “Goodbye Yellow Brick Road”, também grandioso, tem culpa nisso. O próprio cantor reconhece que esse período representou seu auge.

“Foi uma época muito emocionante da minha vida. Não tínhamos medo, nada podia nos deter. É algo maravilhoso que os jovens têm quando começam a crescer. Estávamos com ímpeto e adrenalina. Se você é um artista talentoso o suficiente, encontra o seu lugar no jogo. Este foi o nosso exemplo de estar no auge de nossos poderes criativos.”

* Texto desenvolvido em parceria por André Luiz Fernandes e Igor Miranda. Pauta, redação e edição geral por Igor Miranda; redação e apuração adicional por André Luiz Fernandes.

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André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes é jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Interessado em música desde a infância, teve um blog sobre discos de hard rock/metal antes da graduação e é considerado o melhor baixista do prédio onde mora. Tem passagens por Ei Nerd e Estadão.

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