Como “Doolittle” fez Pixies chegar ao ápice sonoro e às paradas

Banda americana havia criado uma fórmula nova de rock alternativo; nesse álbum, fica a cargo de aperfeiçoá-la

Muito do que hoje identificamos como rock alternativo tem suas origens no Pixies. O quarteto americano de Boston criou seu som a partir de uma colisão entre o belo e o feio, o sublime e o brutal.

Ninguém soava como eles antes. Depois, todos do segmento os copiavam de alguma maneira.

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A estreia deles, Surfer Rosa (1988), os transformou em estrelas alternativas da noite para o dia. Contudo, eles tinham ambições maiores. Por mais que o álbum seja um clássico, o grupo acreditava ser capaz de fazer algo ainda melhor.

Essa é a história de como conseguiram tal façanha.

Sucesso na Inglaterra

Apesar de serem virtualmente desconhecidos nos Estados Unidos, “Surfer Rosa” transformou o Pixies em estrelas do outro lado do Atlântico. A banda foi escalada pela gravadora 4AD para abrir uma turnê europeia do Throwing Muses, outro grupo de Boston, mas na metade do caminho ficou claro que era necessário inverter as atrações. 

Eles passaram a ser os headliners, com fãs alucinados por onde passavam. A imprensa inglesa se apaixonou pela banda e a capacidade do vocalista Black Francis dar entrevistas capazes de descambar para assuntos bizarros. Alienígenas, invenções do início do século… tudo era assunto.

No livro “Fool the World: The Oral History of a Band Called Pixies” (2005), de Josh Frank e Caryn Ganz, Francis – nascido Charles Thompson IV – falou sobre a fama repentina do grupo:

“Nós não tínhamos como comparar a nada. A gente escreveu um monte de canções, marcamos um show numa casa de shows, todo mundo disse: ‘Uau!’. E aí o dono falou: ‘Volte na sexta à noite, vocês são bem bons’. A gente tocou sexta e todo mundo falou, ‘Uau!’ e aí um produtor chegou pra gente falando: ‘Ei, venham gravar no meu estúdio, vocês garotos são bons’. A gente gravou algo e um empresário falou: ‘Ei, vocês são bons, querem vir pra 4AD em Londres?’. E a gente falou ‘Uau!’. Chegando lá, a gente tava em capas de revistas e todo mundo falando: ‘Uau!’. A gente tava ouvindo ‘Uau!’ desde que entramos numa casa de shows pela primeira vez. Então não passamos pela ralação que algumas pessoas passam. Não teve luta. Não estou dizendo que não trabalhamos duro, mas a gente saiu de lá o mais rápido possível.”

A esse ponto, o Pixies estava junto há cerca de dois anos. Por mais que isso pareça bastante tempo, os integrantes ainda não haviam desenvolvido laços uns com os outros. A falta de intimidade acabava criando tensão em certos aspectos.

A baixista Kim Deal era talvez a integrante mais visível do grupo. Era dotada de um estilo marcante no baixo e vocais. E, claro, havia também o fato de ser uma mulher com uma aura singular, enquanto nenhum de seus companheiros ter muita presença de palco. 

Ela também era compositora. A única contribuição dela em “Surfer Rosa”, “Gigantic”, se tornou a canção mais conhecida do público. Entretanto, seu material não tinha espaço em meio ao controle criativo de Black Francis, que compunha e apresentava material novo enquanto os shows avançavam. Pensamentos de sair do grupo começaram a aparecer.

Durante essa turnê europeia, Deal formou uma amizade com Tanya Donnelly, que passava por uma situação semelhante no Throwing Muses liderado por Kristin Hersh. As duas decidiram formar um projeto paralelo onde iriam explorar suas ideias juntas, e decidiram chamar a banda de The Breeders.

Se era bom pro Buddy Holly…

Durante a passagem pela Europa, o Pixies regravou algumas músicas de “Surfer Rosa” a pedido da 4AD, mas uma dessas versões acabou sendo lançada como single: “Gigantic”, a única faixa da banda com Kim Deal nos vocais. O produtor dessas sessões foi Gil Norton, que produziu os dois primeiros álbuns do Throwing Muses e “Ocean Rain”, do Echo & the Bunnymen.

O resultado desse trabalho agradou tanto o chefão da 4AD, Ivo Watts-Russell, quanto à banda, que não tinha interesse em trabalhar novamente com Steve Albini, como Black Francis contou à Louder:

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“[Steve Albini] tinha todos esses ideais boêmios. Ele chamava a si mesmo de engenheiro. Ao mesmo tempo, pessoas daquele tipo equiparavam produção com se vender e ser mainstream. Então quando eles sugeriram Gil Norton – alguém que era inglês e um produtor de discos de verdade – a gente estava bem de acordo.”

Quando Gil Norton viajou para Boston no segundo semestre de 1988, o Pixies já estava ensaiando o material novo desde que saiu da estrada. Tudo tinha sido gravado em versão demo, tudo estava afiado. Mas tinha um problema, como o produtor contou ao The Independent:

“O que aprendi é que ele [Black Francis] não gosta de se repetir, então precisava encontrar maneiras de empolgar ele pra fazer algo. Precisava ter uma razão para repetir uma parte… Eu o estava frustrando porque muitas das canções eram bem curtas – um minuto e 20 segundos; raramente passavam de dois minutos. Eram ótimas ideias para canções, mas não pareciam que tinham sido desenvolvidas completamente, ao meu ver. Eu estava tentando fazer isso e Charles ficou frustrado no segundo dia; a gente foi até a Tower Records, onde ele pegou uma coletânea do Buddy Holly e falou, ‘Olha aqui, Gil, olha isso’. E ele virou para a parte de trás do disco – se você ver os maiores sucessos do Buddy Holly, a maioria das canções, se ele passa de dois minutos em uma já é um épico.”

As gravações duraram de 31 de outubro até 23 de novembro. A esse ponto, Kim Deal já estava trabalhando no que viria a ser a estreia do The Breeders, “Pod”, mas ela ainda queria contribuir com o Pixies. No fim das contas, apenas uma música co-escrita por ela entrou em “Doolittle”: “Silver”. A baixista começou a chegar atrasada ou até mesmo faltar a sessões.

No livro “Fool the World: The Oral History of a Band Called Pixies”, Ivo Watts-Russell falou sobre o distanciamento ocorrido entre Kim Deal e Black Francis:

“O tipo de relacionamento que Kim e Charles tem hoje [o livro foi publicado em 2005] durou menos de um ano, talvez um ano. Antes mesmo de ‘Doolittle’ a relação havia mudado, houve algum tipo de rompimento ou coisa parecida. Minha impressão não era de que Kim estava sendo pouco profissional ao não aparecer. Achoque ela parecia um pouco excluída.”

Belezas e horrores

Apesar disso, o material de “Doolittle” não demonstra uma banda fraturada. Pelo contrário. A performance dos Pixies no álbum é talvez a mais unida já registrada deles.

Todos os integrantes estão no topo da forma. A produção de Norton dava um polimento que tornava a dinâmica sonora do grupo ainda mais proeminente. Black Francis falou sobre as contribuições do produtor ao Louder:

“O som que ele conseguiu era mais frio e gélido, ao invés de robusto e bagunçado. Aos meus ouvidos era mais exótico. Estávamos sem uma visão, e acho que Gil deixou as coisas mais engomadas, mais esculpidas.”

Em meio a melodias açucaradas, Black Francis cantava sobre tudo quanto era horror. “Debaser” resume os acontecimentos do curta surrealista “Un Chien Andalou”, de Luis Buñuel e Salvador Dalí. “Monkey Gone to Heaven” fala de números cabalísticos. “Dead” lida com a história bíblica de Davi e Betsabé. “Wave of Mutilation” usa um empresário japonês cometendo suicídio para explorar catástrofes climáticas.

Até mesmo as canções mais românticas do álbum eram psicóticas. “Hey” fala de diabos entre um casal e prostitutas cantando em coral, sem falar de um clímax edipiano no qual Kim Deal e Black Francis repetem a frase “We’re chained”.

Gil Norton detalhou a experiência de gravar a canção em “Fool the World: The Oral History of a Band Called Pixies”:

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“‘Hey’ foi uma das minhas canções preferidas simplesmente porque tudo ali, até os vocais, foram ao vivo, e eu botei o Charles num armário pequeno tocando a guitarra dele. Era super pequeno, tipo um armário de vassouras, então não conseguia nem segurar a guitarra direito, precisava levantar o braço quase na vertical pra tocar a canção, e então Joey tocou o solo ao vivo. Eu tava no fio da navalha o tempo inteiro só falando ‘Vai, vai, vai!’ A gente fez um overdub só e um backing vocal com a Kim porque não dava pra gravar o vocal dela no mesmo ambiente da bateria.”

A outra, “Here Comes Your Man”, existia desde que Black Francis era tinha 14 anos, quando a escreveu num piano. Apesar do nome e o refrão grudento contendo apenas o título, o vocalista contou à Esquire como é estranho ver a reação do público a ela:

“Eu nem sei o que o título significa no contexto da canção. Acho que é porque fala de velhos deprimentes, meio que um comentário sarcástico, e é um mundo sombrio habitado por mendigos e vagabundos. É como um filme de David Lynch. Acho que me dá muita satisfação quando pessoas agitam os braços e cantam como se fosse uma canção de amor simples – o que seria normal, não há nada de errado com canções de amor simples – mas essa não é uma. Isso ou eles não ligam ou não se interessam, assim como não me interessava quando compus. Estamos todos na mesma página. É meio sobre algo, mas nada como soa. É enganosa.”

A canção acabou virando um hit alternativo para os Pixies nos Estados Unidos, atingindo o 3º lugar na parada Modern Rock Tracks da Billboard. O grande motivo disso foi o clipe surreal no qual o grupo faz um playback cômico enquanto uma lente olho de peixe distorce suas feições. Tornou-se um sucesso na MTV, ganhando status de clássico desde seu lançamento.

Quando “Doolittle” foi lançado, em 17 de abril de 1989, havia outro trunfo ao seu dispor. A banda havia assinado com a Elektra Records no ano anterior, mas negociações entre a major e a 4AD por direitos de distribuição nos EUA só foram finalizadas duas semanas antes do lançamento. Agora, eles teriam o apoio de uma grande gravadora no mercado americano.

O álbum estreou de cara em 8º nas paradas britânicas; nos EUA, apenas na 171ª posição da Billboard 200. Com o tempo, eles entraram no Top 100 e venderam mais de 100 mil cópias de “Doolittle” nos primeiros seis meses.

Mesmo enquanto lançavam trabalhos subsequentes, o álbum continuou a vender mais de mil cópias por semana. Em 1995, quatro anos após o fim da banda, “Doolittle” ganhou um disco de ouro nos EUA.

Desde então, “Doolittle” vendeu mais de um milhão de cópias. É tido como o álbum mais popular do grupo.

Pixies — “Doolittle”

  • Lançado em 17 de abril de 1989 pela 4AD / Elektra
  • Produzido por Gil Norton

Faixas:

  1. Debaser
  2. Tame
  3. Wave of Mutilation
  4. I Bleed
  5. Here Comes Your Man
  6. Dead
  7. Monkey Gone to Heaven
  8. Mr. Grieves
  9. Crackity Jones
  10. La La Love You
  11. No. 13 Baby
  12. There Goes My Gun
  13. Hey
  14. Silver
  15. Gouge Away

Músicos:

  • Black Francis (vocais, guitarra base, violão)
  • Kim Deal (baixo, voz, slide guitar acústica na faixa 14)
  • Joey Santiago (guitarra solo, backing vocals)
  • David Lovering (bateria, vocal principal na faixa 10, baixo na faixa 14)

Músicos adicionais:

  • Karen Karlsrud e Corine Metter (violino na faixa 7)
  • Arthur Fiacco e Ann Rorich (violoncelo na faixa 7)

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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