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Arena rock despojado do Ghost faz Espaço Unimed em São Paulo ficar pequeno

Primeiro de dois shows na capital paulistana — único destino da atual turnê pelo Brasil — mostrou que próximo passo da banda de Tobias Forge é tocar em estádios

“Estou certo de que vocês estão se hidratando”, disse Tobias Forge aos fãs naquela que foi a primeira de poucas interações faladas durante o show realizado pelo Ghost, nesta quarta-feira (20), em São Paulo. Quis o destino que a banda liderada pelo vocalista e multi-instrumentista sueco retornasse à capital paulista, sete anos após sua passagem anterior, em meio a uma onda histórica de calor.

O Espaço Unimed, que recebeu esta apresentação e terá a segunda e última no país na quinta-feira (21), não colaborou. A estrutura é ótima e a localização é excelente, mas a casa de eventos com capacidade para oito mil pessoas é também conhecida por um sistema de ar condicionado pouquíssimo funcional. No bom português, faz calor até no frio. Forge e seus músicos de apoio conhecidos como Nameless Ghouls — cujos nomes, apesar do título “Nameless”, já são conhecidos de modo extraoficial — provavelmente sofreram com seus figurinos pesados.

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Foto: Gustavo Diakov

Se isso comprometeu o show? Nem um pouco. O noneto possivelmente completo por Per Eriksson (guitarra solo), Randy Moore (guitarra rítmica), Cosmo Sylvan (baixo), Hayden Scott (bateria), Mad Gallica (teclados), Laura Scarborough (teclados), Olivia Morreale (backing vocals) e Justin Taylor (backing vocals) teria feito uma apresentação de alto nível até no deserto do Saara. Só importava uma temperatura: a da plateia, que fez o Espaço ficar pequeno para um grupo que já deveria estar ocupando estádios aqui e em outros países.

*Fotos de Gustavo Diakov / @xchicanox.

Foto: Gustavo Diakov

Sem Crypta, com música sacra

Em outra das raras interações faladas — ainda bem que o Ghost realmente prefere se comunicar com música —, Tobias Forge destacou um percalço que acometeu sua banda e afetou a atração de abertura: a Crypta. Antes da execução de “Respite on the Spitalfields”, canção de “Impera” (2022) que fechou o set regular, o cantor até mandou um “salve” para o grupo brasileiro de death metal — “nossas amigas que não puderam estar aqui”.

Foto: Gustavo Diakov

Originalmente, a Crypta estava escalada para abrir as duas apresentações. O compromisso desta quarta (20), porém, teve de ser cancelado cerca de duas horas antes do previsto para elas subirem no palco. Fernanda Lira (voz e baixo), Luana Dametto (bateria), Jéssica di Falchi e Tainá Bergamaschi (ambas guitarra) apontaram “problemas logísticos” do “palco da banda principal”.

Ao vivo, Forge confirmou. Agradeceu às pessoas que trabalharam para aquele show acontecer “contra todas as probabilidades, pois tivemos problemas com nossas coisas”. Dois dias antes, eles estavam tocando no México; acredita-se que tenha ocorrido algum entrevero no trânsito do equipamento, o que provocou atraso de mais de uma hora para abrir os portões do evento.

Foto: Gustavo Diakov

Sem Crypta, a “atração de abertura” — que, na verdade, sempre se repete — acabou sendo a longa introdução de três etapas antes de Tobias e seus parceiros aparecerem por trás da cortina. Primeiro, a breve “Klara stjärnor”, composição ao piano do sueco Jan Johansen. Depois, em uma sacada bem-humorada, quinze minutos de “Miserere”: versão musicada do Salmo 51 (50) feita por Gregorio Allegri. Só depois de tudo isso, entra o instrumental próprio “Imperium”, que abre o álbum mais recente do grupo, “Impera”.

Um novo Ghost

Aliás, vem de “Impera” a maior quantidade de músicas do repertório: cinco. Seus antecessores diretos, “Prequelle” (2018) e “Meliora” (2015), são representados com três e quatro faixas cada, respectivamente. A trinca de canções “Mary on a Cross”, “Kiss the Go-Goat” e “Square Hammer” também saíram nesta fase da carreira. Dos primeiros discos, “Opus Eponymous” (2010) e “Infestissumam” (2013), apenas dois e um momentos, respectivamente.

Esta é só uma das várias amostras de que o público esteve diante de um Ghost 2.0. Talvez um Ghost D.M.: “depois de ‘Meliora’”, primeiro álbum do grupo a realmente flertar com sonoridades mais pop. Uma nova fase que, ainda bem, veio para ficar. É essa pegada que tem transformado o grupo de Tobias Forge em uma atração de arenas. Tornar o show mais dinâmico e menos caricato, diferente do que muitos viram — e não gostaram — no Rock in Rio 2013, é outro reflexo de como as coisas mudaram.

Foto: Gustavo Diakov

As duas primeiras canções de fato do setlist são bem representativas disso, é importante ressaltar. “Kaisarion”, talvez a canção mais alegre do setlist, e “Rats”, exemplo perfeito do “pop metal” feito pelo Ghost — e, ao vivo, de como Forge domina o público sem precisar de esforço —, sintetizam algumas das fórmulas que as composições seguintes explorariam muito bem. Há peso, mas com capricho; dá para soar visceral às vezes, mas o refrão quase sempre precisa mobilizar a plateia para cantar a plenos pulmões; as melodias são fáceis, mas os arranjos são milimetricamente pensados.

Em comparação ao show no México, apenas uma mudança, logo após as músicas já citadas: a impactante “Faith” ocupou o lugar da envolvente “From the Pinnacle to the Pit”. Não rolou “Twenties”, tão pedida pelos fãs especialmente por Tobias dizer que seu groove foi inspirado pelo hip hop (ou seria funk?) brasileiro. Nem “Hunter’s Moon”, presente trilha sonora do filme “Halloween Kills” (2021). Mas é seguro dizer que quase ninguém deve ter sentido falta. Para uma banda que pensa em cada detalhe até da roupa, não surpreende que o setlist também seja tão bem bolado.

Foto: Gustavo Diakov

Alternâncias bem-vindas

Tanto início quanto fim de show do Ghost são pensados para não dar tempo de respirar. Depois de “Kaisarion”, “Rats” e “Faith”, ainda há a deliciosa “Spillways”, talvez a música mais hard rock radiofônico da carreira do grupo — que, não à toa, esteve entre as que mais levantaram a plateia. Mas é a partir daqui que o repertório oferece alternâncias bem-vindas para o fluxo da apresentação.

Foto: Gustavo Diakov

Tem “Cirice”, mais pesada (e com Forge usando asas de morcego como parte do figurino), porém, logo emenda na grudenta “Absolution”. Daí chega a já antiga “Ritual”, que não é exatamente heavy, mas não tem o faro pop das canções mais atuais. Só que seu perfeito inverso cola na sequência: a produzidíssima “Call Me Little Sunshine”, com suas camadas devidamente reproduzidas pelo noneto junto da primeira aparição de Tobias com o visual completo de Papa Emeritus.

O fluxo alternado segue desta maneira e permite apreciar desde a pesada “Year Zero”, com sua controversa introdução citando vários sinônimos do coisa-ruim (a saber: “Belial, Behemoth, Beelzebub Asmodeus, Sathanas, Lucifer”), até “He Is”, única canção que pode ser chamada de balada por aqui. Com eles, mesmo uma música instrumental é legal: “Miasma”, com um saxofonista revivido com desfibrilador em um ato teatral bem divertido.

Aliás, talvez este seja o grande barato do Ghost: o bom-humor. As músicas são milimetricamente pensadas para grudar, as letras por vezes lidam com temas bem profundos, mas o tom ainda é relativamente despojado, seja pela engraçada interação entre os mascarados no palco ou pelos diálogos de Tobias Forge com o público. O frontman, diga-se de passagem, arriscando no português com seus “muito obrigado” e “boa noite” além de dizer que a Mary de “Mary on a Cross”, na verdade, deveria atender como Mariana e introduzir um assistente de palco como “Jesus” — o funcionário americano se chama Kevin Jesus, mas coros de “Jesus! Jesus!” já haviam tomado a pista.

Foto: Gustavo Diakov

Fim arrebatador

A pouco envolvente “Mummy Dust” e a já mencionada “Respite on the Spitalfields” fechou o set regular em tom morno, é verdade. Um raro momento mais calmo da plateia, que, frenesi controlado à parte, cantou e interagiu com praticamente todas as canções da noite, incluindo aquelas que nunca foram lançadas como singles.

Mas talvez seja por conta da tal alternância, porque o bis é arrebatador. “Kiss the Go-Goat”, “Dance Macabre” e “Square Hammer” são a mais pura e cristalina farofa — no bom sentido, é claro. As duas últimas, aliás, representam fielmente a veia “arena Ghost” que tem dominado as criações de Tobias Forge.

Foto: Gustavo Diakov

E por falar em “arena”: calor à parte, este show em São Paulo pode ter sido histórico, como o próximo também provavelmente será. É natural pensar que esta deve ser a última visita da banda para tocar em um local que não seja capaz de recepcionar dezenas de milhares de pessoas. Arenas e estádios representam o próximo passo, já que, visivelmente, o Espaço Unimed ficou pequeno para eles.

*Fotos de Gustavo Diakov / @xchicanox. Mais imagens ao fim da página.

Foto: Gustavo Diakov

Ghost – ao vivo em São Paulo

  • Local: Espaço Unimed
  • Data: 20 de setembro de 2023
  • Turnê: Re-Imperatour

Repertório:

  1. Kaisarion
  2. Rats
  3. Faith
  4. Spillways
  5. Cirice
  6. Absolution
  7. Ritual
  8. Call Me Little Sunshine
  9. Con Clavi Con Dio
  10. Watcher in the Sky
  11. Year Zero
  12. Spöksonat + He Is
  13. Miasma
  14. Mary on a Cross
  15. Mummy Dust
  16. Respite on the Spitalfields

Bis:

  1. Kiss the Go-Goat
  2. Dance Macabre
  3. Square Hammer
Foto: Gustavo Diakov
Foto: Gustavo Diakov
Foto: Gustavo Diakov
Foto: Gustavo Diakov
Foto: Gustavo Diakov
Foto: Gustavo Diakov
Foto: Gustavo Diakov
Foto: Gustavo Diakov
Foto: Gustavo Diakov
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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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