Quando o Audioslave levou rock americano para Cuba

Estilo musical levou décadas para ser permitido em Cuba; apresentação da banda em 2005 ocorreu em meio a dificuldades impostas pelos EUA

Em 6 de maio de 2005, o Audioslave – nascido da colaboração entre o vocalista Chris Cornell, ex-Soundgarden, com o guitarrista Tom Morello, o baixista Tim Commerford e o baterista Brad Wilk, egressos do Rage Against the Machine – fez o que pode ser considerado o primeiro show de rock americano em décadas na ilha de Cuba.

Mas por que demorou décadas para o rock ser permitido em Cuba? E quais circunstâncias levaram a este evento?

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Ferramenta do imperialismo

Rock no ocidente é uma das ferramentas mais populares de questionamento da realidade vigente e da autoridade. Desde os anos 1960, alguns dos artistas mais populares de cada época se distinguiam por uma postura política mais alinhada à esquerda, combatendo os excessos e a hipocrisia do imperialismo americano.

Ainda assim, rock era tabu em Cuba. Em 1963, o presidente Fidel Castro deu um discurso em frente à Universidade de Havana condenando a música como apologia à subversão e homossexualidade perpretada por intelectuais e burgueses.

Contudo, a realidade era um pouco diferente. Durante a primeira metade dos anos 1960, houve uma onda de bandas lideradas por músicos como Raúl Gomez, Reynaldo Montesinos e Salvador Terry, que se denominavam “rock de la calle” ou street rock. Esses grupos eram formados predominantemente por cubanos negros de origem mais trabalhadora, contrariando a imagem imposta pelo governo de que rock era o reduto de brancos mais abastados.

Mesmo assim, as proibições e as campanhas de substituir rock por música europeia nas rádios surtiram efeito. Assim, o gênero se tornou uma nota de rodapé na história cultural da ilha.

Abertura cultural

O primeiro show registrado de artistas estrangeiros de rock em Cuba foi em 1979, no festival Havana Jam. Artistas como Billy Joel, Stephen Stills e o grupo de jazz fusion Weather Report se apresentaram durante três dias no teatro Karl Marx.

Entretanto, o primeiro show de rock que sinalizou uma abertura cultural de verdade em Cuba foi dos galeses do Manic Street Preachers, em 2001. O grupo, conhecido por suas políticas radicais anti-EUA, foi convidado pelo governo cubano para fazer um show novamente no teatro Karl Marx, presenciado por Fidel Castro em pessoa.

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Em anos subsequentes, alguns membros do grupo expressaram certo arrependimento, como o vocalista James Dean Bradfield expressou à fanzine Repeat:

“A única coisa que realmente me decepciona é uma foto minha apertando a mão do Fidel Castro, porque eu não queria fazer aquilo. Foi quando percebi que somos apenas um bando de músicos de rock. Nunca quero apertar a mão de nenhum político. Isso apenas diz às pessoas ‘você apoia tudo que eu represento’, o que eu não quero fazer.”

Sem política

Quando o Audioslave se propôs a tocar em Cuba, havia muito mais abertura por parte do governo cubano, porém o mesmo não podia se esperar do governo americano. Estamos falando do auge da era George W. Bush, neoconservadorismo total. 

Apesar de serem informados que os Estados Unidos não impediriam um show do grupo em Cuba, precisaram de muitos desenrolamentos diplomáticos e burocráticos para a liberação. O problema principal era dinheiro, como Chris Cornell contou à Folha de S.Paulo:

“Eles implicaram com a questão dos gastos para o show na ilha, queriam saber para onde iria o dinheiro. Implicaram com o fato de tirar dinheiro dos EUA para Cuba (o que é proibido), com o fato de um vídeo feito em Cuba ser vendido comercialmente… tudo era um problema, não podíamos gastar mais do que US$ 70 ou algo assim por dia, uma quantia que mal dava para comer, porque eles não queriam que deixássemos dinheiro americano lá.”

Apesar do histórico extremamente politizados dos membros do Audioslave – o guitarrista Tom Morello é formado em Ciências Políticas na Universidade de Harvard e se descreve como um socialista não-sectário – o objetivo do grupo não era expressamente político como Cornell disse à Folha de S.Paulo:

“Nossa ida à Cuba teve a ver com a música, pagamos para ir tocar em um lugar que não tem a chance de ver uma banda de rock como a nossa, basicamente porque nosso país não deixa ninguém ir para lá. Conseguimos romper isso e acho que fomos recebidos não como pessoas que concordam com a política cubana ou como representantes da política americana, mas como músicos que foram lá mostrar suas canções.”

O show do Audioslave não conseguiu escapar da politização. É virtualmente impossível quando o nome do lugar onde se apresentaram se chama Plaza Anti Imperialista. Contudo, a consequência maior desse show foi ter sido um passo para uma contínua normalização das relações entre os dois países. 

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A apresentação gratuita em Havana contou com 70 mil espectadores, provando que havia interesse popular em música rock na ilha. O DVD gravado dessa apresentação, que contava com um documentário curto mostrando a jornada do grupo pela ilha, foi um sucesso de vendas.

A postura do regime com relação ao rock ficou tão amenizada que Fidel Castro batizou um parque na capital em homenagem a John Lennon, com direito a uma estátua do Beatle. Pouco importa o fato da música dele ter sido proibida durante décadas.

Desde então, os Rolling Stones também fizeram um show na ilha, continuando a abertura cultural. Além disso, Cuba começou a exportar bandas de metal em 2013, quando um acordo diplomático afrouxou os limites na migração para os EUA.

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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