O início dos anos 1990 foi uma época ótima para shows no Brasil. O sucesso das duas primeiras edições do Rock in Rio legitimaram o país como destino de turnê e alguns festivais surgiram tentando capitalizar em cima disso. Um deles, o Hollywood Rock, conseguiu o trunfo de trazer ao país em 1993 a maior banda do planeta naquele momento: o Nirvana.
Como é de praxe para qualquer grupo no nível do trio de Seattle, a passagem deles pelo Brasil em fevereiro de 1993 entrou para a história. E, neste caso, para a infâmia.
Bora explorar o esplendor e a esbórnia que o Nirvana trouxe consigo para o Brasil.
Sucesso quase mata
O Nirvana lançou seu segundo e mais famoso álbum, “Nevermind”, em setembro de 1991. Na força do single e clipe de “Smells Like Teen Spirit”, o grupo formado por Kurt Cobain (voz e guitarra), Krist Novoselic (baixo) e Dave Grohl (bateria) já lidava, antes mesmo do final daquele ano, com shows superlotados e repórteres os acompanhando por uma turnê pela Europa.
Originalmente, a David Geffen Company (DGC) Records esperava que o disco vendesse ao todo aproximadamente 250 mil cópias, um número semelhante ao álbum mais recente do grupo responsável por levá-los à gravadora, o Sonic Youth. No Natal de 1991, porém, “Nevermind” estava vendendo 400 mil cópias por semana.
Em janeiro de 1992, alcançou o primeiro lugar das paradas americanas, desbancando ninguém menos que Michael Jackson. Levando em conta como o Nirvana era uma banda punk quase sem projeção nacional, virar da noite para o dia a salvação do rock acaba tendo um impacto forte.
Em entrevista para a revista Flipside na edição de maio-junho de 1992, Kurt Cobain falou sobre a sensação de ser perseguido pela imprensa:
“Quando você está nos olhos do público, você não tem escolha a não ser ser estuprado continuamente – eles vão tirar toda gota de sangue que você tiver até acabar… Mal posso esperar pelo público. Só mais um ano e todo mundo vai esquecer da gente.”
As palavras de Cobain eram fortes, mas compreensíveis. A exposição de sua vida particular na mídia eram em grande parte devido à sua relação conturbada com Courtney Love, com quem havia se casado no início daquele ano, e seu vício em heroína.
O grupo protagonizou em agosto de 1992 o que pode ser seu maior momento ao vivo. Após semanas de matérias nos tablóides duvidando da saúde de Cobain e o futuro geral da banda, o trio subiu ao palco no festival de Reading, na Inglaterra, tirando sarro desses rumores. O vocalista e guitarrista chegou em uma cadeira de rodas vestindo roupa hospitalar. Daí pra frente fizeram um show incendiário.
Mesmo em meio à essa zona e incertezas sobre qual Kurt a plateia veria de uma noite para a outra, o público brasileiro estava ansioso. Era a maior banda do planeta visitando o país no auge de seu sucesso. A Globo estava a postos para filmar tudo.
E a turnê não podia ter começado de pior maneira.
Avacalhação do Nirvana
Existe uma mística em torno do show do Nirvana no estádio do Morumbi, em São Paulo – o primeiro dos dois da banda no país. É o pior show de todos os tempos, alguns vão dizer. É a prova que eles nunca tocaram nada, outros atestam.
A verdade é que Kurt estava extremamente chapado, como Dave Grohl revelou a Lúcio Ribeiro no site Popload, compartilhando suas lembranças do show:
“Claro que eu me lembro dos shows no Brasil. Em SP, tinha uma loja de presente do hotel onde estávamos que vendia Valium (Maksoud Plaza). Ou algo parecido. No momento de ir para o estádio tocar, fui procurar o Kurt e ele estava lá nessa loja, tomando um comprimido atrás do outro, sei lá quantos. Fiquei horrorizado. Quando entramos no palco, a multidão urrou como eu nunca tinha visto, umas 80 mil pessoas. A primeira música que tocamos foi ‘School’, que começava assim (aí Grohl faz o som de guitarra com a boca e reproduz a bateria nas pernas). Só que Kurt começou com uma microfonia absurda, sem parar nunca. E, quando entrou na música, foi assim (Grohl faz o som de guitarra de novo, só que num ritmo muito mais lento). Ele estava em outra rotação. Olhei para o Krist (Novoselic, o baixista) na hora. Ficamos apavorados. Vi Krist chegar no ouvido dele e dizer: ‘Acelera, acelera. Pelo Amor de Deus’. O legal é que o público não estava nem aí e urrava tão alto quanto a música. Foi inacreditável. E no outro dia um jornal disse: Nirvana faz jam session para 80 mil pessoas. Foi loucura. Tocamos até ‘Rio’, do Duran Duran. Outra hora, mudamos os instrumentos: eu toquei baixo, o Krist tocou guitarra e o Kurt foi para bateria. Foi insano.”
O problema principal é que por se tratar de um festival num estádio com público acima de 80 mil pessoas, muita gente espera um nível de profissionalismo um tanto antitético ao ethos do Nirvana. Era uma banda punk. Deparados com aquele nível de espetáculo, patrocinado por marca de cigarro, surpreendente seria se eles não avacalhassem.
Em uma entrevista ao Uol, o vocalista do Ratos de Porão, João Gordo, descreveu sua impressão como testemunha dos bastidores da apresentação.
“Aqui em São Paulo o show foi uma doideira só. Assisti a tudo do palco, apresentei o Nirvana para o público como “a maior banda underground de todos os tempos”. E o show do Nirvana foi uma bos**, horrível, tudo desafinado. Eles estavam de saco cheio da vida, dos 20 milhões de dólares que tinham ganhado, estavam odiando tudo, aquele auê e a bajulação em cima deles. E aí falamos para eles que aquele era um festival capitalista, de uma marca de cigarro, e aí eles começaram a zoeira. Se o show foi uma bos**, foi por minha culpa e dos meus amigos.”
O repertório zoado era uma prática comum de outros grupos alternativos americanos, principalmente The Replacements, notórios por seus shows capazes de descarrilhar a qualquer momento em meio a tentativas porcas de fazer covers.
O Nirvana fez jus a esse legado, “tocando”, além do Duran Duran citado, Iron Maiden, Kim Wilde, Led Zeppelin, Queen, Jacques Brel e Tommy Tutone.
Parte boa e Rio favorecido
Em meio a essa esbórnia, havia algo digno de nota. Eles tocaram canções que viriam a estar no terceiro álbum, “In Utero”.
O grupo estava mergulhado no processo de composição, buscando recuperar a faísca e integridade sonora punk que parecia a Kurt estar desaparecendo devido à super exposição. Um estúdio da BMG no Rio de Janeiro serviu para eles gravarem demos após a experiência em São Paulo.
Kurt estava brigando muito com Courtney. Ameaçava se matar na primeira noite no Rio. Por isso, foi forçado a dormir em um hotel de apenas um andar. Mesmo assim, o resto da passagem foi relativamente tranquila.
O show no Rio, na Praça da Apoteose, teve um Kurt mais apto a se apresentar, digamos. A banda tocou com vontade e mesmo com uma quantidade considerável de piadas tirando sarro da marca de cigarros que patrocinava o festival, a conexão entre artista e público foi forte.
O momento mais memorável da noite, contudo, foi quando o líder do Nirvana cuspiu na lente da câmera da Globo, que transmitia ao vivo o festival. Em seguida, Cobain simulou o ato de masturbação.
Nada particularmente chocante no contexto da história do rock, mas o comportamento do grupo depois viria a ser alvo do tradicional ultraje da ala mais conservadora da sociedade brasileira.
Numa sessão do Congresso Nacional (via Aventuras na História), o deputado gaúcho João de Deus Antunes apoiou uma condenação ao show feita por seu colega goiano Antônio de Jesus, dizendo por sua vez:
“Ao bel-prazer de um câmera apresenta-se, Sr. Presidente, aquela cena grotesca, horrenda, em que os integrantes do grupo Nirvana, no show ‘Hollywood Rock’, no Rio, tiram a roupa e depois se masturbam em frente às câmeras de televisão. Isso, Sr. Presidente, não quer dizer que somos o Terceiro Mundo, mas que estamos no baixo mundo. Isso é uma vergonha? Não temos palavras para classificar esse ato.”
Legado infame no Brasil
O Nirvana é visto até hoje como uma das bandas mais importantes da história. Todas as polêmicas midiáticas em torno de Kurt Cobain ganharam contornos trágicos com a sabedoria conferida pela passagem do tempo: ele se matou pouco mais de um ano após os shows no Brasil.
A infâmia da apresentação em São Paulo e a passagem deles pelo país como um todo pode ser caracterizada de diversas maneiras. Em uma entrevista para a Folha de S. Paulo no dia seguinte ao concerto na capital paulista, o baixista Krist Novoselic descreveu a noite anterior como “um show de desconstrução de imagem do grupo”. Entre alguns fãs, ganhou o status de ter sido talvez o pior da carreira do Nirvana.
Em entrevista à Rolling Stone Brasil (via Uol), Dave Grohl descreveu a experiência com a seguinte comparação:
“É bonitinho quando uma menina de 3 anos coloca um par de sapatos de salto. Mas eles não servem. Ela tropeça, fica esquisito. E, de certa forma, era mais ou menos desse jeito quando fomos ao Brasil.”
O Nirvana era uma banda punk suja alçada do nada ao estrelato graças à qualidade de suas canções e seus clipes matadores. Isso acabou sendo a derrocada do grupo, que nunca soube se acostumar a esse cenário.
A passagem pelo Brasil, mesmo assim, não acabou com a banda. Na verdade, em uma pesquisa feita pelo Datafolha após o show em São Paulo (via Uol) 71% dos entrevistados classificaram o show do Nirvana entre bom e ótimo.
Gostamos de falar sobre para inserir o país na mitologia do Nirvana, mas eles saíram daqui e foram gravar “In Utero” em Minnesota com o produtor Steve Albini. Outro megasucesso de vendas e crítica.
Para a gente, foi um show ruim histórico. Para eles, apenas um show ruim.
Repertórios do Nirvana no Brasil
Estádio do Morumbi, 16 de janeiro de 1993:
- School
- Drain You
- Breed
- Sliver
- In Bloom
- About a Girl
- Dive
- Come as You Are
- Molly’s Lips (The Vaselines cover)
- Lithium
- (New Wave) Polly
- D-7 (Wipers cover)
- Smells Like Teen Spirit (com Flea tocando trompete)
- On a Plain
- Negative Creep
- Something in the Way (com letra improvisada nos versos)
- Blew
- Run to the Hills (Iron Maiden cover) (Jam)
- Heartbreaker (Led Zeppelin cover) (Jam)
- We Will Rock You (Queen cover)
- Seasons in the Sun (Jacques Brel cover) (Cobain na bateria, Grohl no baixo e Novoselic na guitarra)
- Kids in America (Kim Wilde cover) (Cobain na bateria, Grohl no baixo e Novoselic na guitarra)
- Should I Stay or Should I Go (The Clash cover) (Cobain na bateria, Grohl no baixo e Novoselic na guitarra)
- 867-5309/Jenny (Tommy Tutone cover) (Cobain na bateria, Grohl no baixo e Novoselic na guitarra)
- Rio (Duran Duran cover) (Cobain na bateria, Grohl no baixo e Novoselic na guitarra)
- Lounge Act (jam instrumental)
- Territorial Pissings
- Heart-Shaped Box (tocada ao vivo pela primeira vez)
- Scentless Apprentice (tocada ao vivo pela primeira vez)
Praça da Apoteose, 23 de janeiro de 1993:
- Habanera: L’amour est un oiseau rebelle (Georges Bizet cover) (com intro de Telephone Line, do ELO)
- School
- Drain You
- Breed
- Sliver
- In Bloom
- Come as You Are
- Love Buzz (Shocking Blue cover)
- Possibilities (The Viletones cover) (Jam)
- Lithium
- Polly
- About a Girl
- Smells Like Teen Spirit (com Flea tocando trompete)
- On a Plain
- Negative Creep
- Been a Son
- Blew
- Heart-Shaped Box
- Scentless Apprentice
Bis:
- Sweet Emotion (Aerosmith cover) (Jam)
- Dive
- Lounge Act
- Aneurysm
- Territorial Pissings
*Ambos via Setlist.fm.
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Eu estava lá e não consegui ficar até o fim, foi um show de horrores!
E o mala do João Gordo querer o protagonismo da culpa é de cair o c da b.
Podem falar o que quiserem, passar o pano quanto quiserem, mas a verdade é que esse show foi uma demonstração pública de despreparo e falta de respeito com o público que pagou ingresso. E nada mais bobo que o punk, sua atitude transgressorzinha de boutique, comportamento infantilóide e figuras patéticas como João Gordo.
infelizmente, o vício dele pela eroina, a abstinência fez com que o show tivesse tal efeito negativo, Nivana, Pearl Jam, Alice in Chains e muitas outras bandas em 93 eram o auge… era o grunge!
O maior problema foi a abstinência…,