Entrevista: Hollywood Undead fala sobre “Hotel Kalifornia”, crise dos sem-teto e Brasil

George “Johnny 3 Tears” Ragan discorreu especialmente a respeito de temática do novo álbum, que reflete sobre desigualdades sociais na Califórnia

No Brasil, a tendência é pensar que os Estados Unidos são um país muito diferente; em especial, desenvolvido. Há quem acredite que os problemas de nosso dia-a-dia não aconteçam na maior economia do mundo, a terra da liberdade. Ledo engano – e “Hotel Kalifornia”, novo álbum do Hollywood Undead, é mais uma prova de que as coisas não são bem assim.

Chegando pela gravadora BMG, o oitavo disco de estúdio do grupo de rap metal formado por Jorel “J-Dog” Decker, Dylan “Funny Man”, George “Johnny 3 Tears” Ragan, Jordon “Charlie Scene” Terrell e Daniel “Danny” Murillo – onde todos cantam e se dividem nos instrumentos – apresenta, segundo material de divulgação, “um pesado e reflexivo trabalho sobre as desigualdades sociais” na Califórnia. O estado é marcado pela desigualdade, pois reúne ao mesmo tempo a maior quantidade de milionários e a maior taxa de pobreza do país.

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Relatório feito pelo Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano dos EUA aponta que mais de 25% da população sem-teto do país vive na Califórnia – e 11% especificamente em Los Angeles, capital e maior cidade do estado. Outro estudo, feito pelo CalMatters, coloca números específicos: mais de 173,8 mil estão nessa situação em território californiano.

Ouça “Hotel Kalifornia” a seguir, via Spotify, ou clique aqui para conferir em outras plataformas digitais.

Em entrevista a IgorMiranda.com.br, Johnny 3 Tears foi convidado a refletir sobre o assunto, especialmente diante da informação de que a maior cidade do Brasil também lida com o problema – são mais de 65 mil pessoas sem-teto em São Paulo.

“É bom que as pessoas percebem que o que acontece nos Estados Unidos também acontece em outros lugares. Traz uma questão social não somente nos EUA, mas em todo lugar. A diferença entre quem tem e quem não tem só cresce, não reduz. Quando as pessoas veem com seus próprios olhos, é mais importante do que ler no jornal ou ouvir de alguém. Acho importante chamar a atenção das pessoas para a Califórnia, que é conhecida pelo glamour, Hollywood, celebridades e toda essa indústria cafona. Isso vem em mente quando, na verdade, é apenas um aspecto minúsculo. Acho importante mostrar isso, porque não tem jeito de resolver um problema até que o vejam.”

A mensagem começa a ser transmitida logo no título “Hotel Kalifornia”, em uma referência ácida ao hit lançado pelos Eagles – banda símbolo do rock americano – em 1976, e na capa, onde um rapaz – sobrinho de J-Dog – aparece com o nariz ensanguentado no meio da rua. Johnny 3 Years conta que o Hollywood Undead jamais poderia chamar um trabalho seu de “Hotel California”, já que não poderia arcar com um possível processo, portanto, precisou extrair inspiração também do filme “Kalifornia” (1993), com Brad Pitt. Quanto à capa, ele destaca:

“Demos um pouco de coca para que o nariz dele sangrasse (risos). Brincadeira. Foi tudo orgânico, fizemos a foto em frente à casa dele. Queríamos algo o mais realista possível. Não gosto de capas com Photoshop e edições gráficas. Só tiramos uma foto.”

Tudo é político

Os problemas que Brasil e Estados Unidos têm em comum não se restringem às mazelas sociais. Em ambos os países, é comum termos discussões sociais afetadas pela polarização política. Aqui, por exemplo, um artista que questionasse a crise dos sem-teto em sua obra logo correria o risco de ser chamado de “esquerdista” ou “lacrador”.

Não é tão diferente nos Estados Unidos, conforme apontado por Johnny 3 Tears. Ainda assim, o Hollywood Undead aceitou o desafio.

“Lembro de falar algo sobre vacinas no Twitter e imediatamente as pessoas me julgaram, falando sobre a eficácia. Tudo nesse assunto é aumentado quando na verdade foi uma pergunta médica, sem ter a ver com política, mas levam para o lado político. Deixam sua visão de mundo serem feitas por uma pessoa: se você votar nessa pessoa, as coisas vão mudar. É ridículo não poder falar desses assuntos, como se fosse uma pirâmide, sem referenciar o topo. Se você fala dos sem-teto, você é contra a política geral da Califórnia e não contra o desabrigo. Torna difícil, mas mais do que isso, torna chato. Você não consegue ter uma conversa sem que a outra pessoa te coloque para baixo. […] Política ser envolvida em remédios, comida ou moradia… deveríamos poder falar sobre sem que a política fosse trazida em pauta.”

De volta à música

Além das questões líricas, “Hotel Kalifornia” é um típico álbum do Hollywood Undead. A mescla entre hip hop, metal alternativo e elementos eletrônicos segue presente, assim como a alternância entre vozes e a coesão instrumental, mesmo em um trabalho desenvolvido com vários produtores: Andrew Migliore (Papa Roach), Erik Ron (Panic! at the Disco) e Drew Fulk (Lil Wayne e Lil Peep).

Na visão de Johnny 3 Tears, desafiador, mesmo, seria trabalhar com apenas um produtor. Quase todos os discos da banda foram feitos com mais de um profissional na mesma função, geralmente distribuídos entre diferentes faixas.

“Fazemos assim porque mantém o entusiasmo, mantém tudo novo. Se você faz 16 ou 20 músicas com 4 ou 5 produtores, você está sempre reiniciando, começa a pensar de novo, em vez de ficar preguiçoso ou preso numa caixa. Sempre funcionou melhor para nós como banda essas novas injeções de pontos de vista. Todos que trabalham com música têm algo único a oferecer, então você tem quatro perspectivas diferentes em vez de uma.”

Se houve algo de diferente desta vez, foi o processo de gravação em meio à pandemia. Diferentemente de outros trabalhos, “Hotel Kalifornia” não foi desenvolvido em meio a uma parada de turnê – todos estavam obrigatoriamente em casa, visto que não dava para excursionar.

“Isso afetou o álbum de forma positiva, porque não estivemos juntos a não ser pelas livestreams por um ano e meio, então acho que todos estavam animados para voltar e trabalhar juntos de novo, criar coisas juntos. É quando as coisas são tiradas de você que se percebe a importância delas. Ter as turnês tiradas de nós faz com que sejamos mais gratos do que antes, nossa adrenalina estava a mil.”

A música que “resume”

Embora “Hotel Kalifornia” seja um trabalho bem diverso e com várias camadas – líricas ou melódicas – a serem exploradas conforme as audições, uma música parece resumir todo o material. E é justamente a faixa de abertura, também selecionada como primeiro single de divulgação: “Chaos”.

Em outras entrevistas, J-Dog chegou a dizer que a canção provoca reações de “amor ou ódio”, especialmente por soar talvez pesada demais para alguns fãs. Ao site, Johnny 3 Tears revela que não dava para essa música – e talvez o disco todo – soar de outro jeito.

“A música foi composta a respeito da situação da pandemia e tudo que acontecia no mundo. Eram tempos sombrios. Músicas geralmente trazem o que você sente, mas ‘Chaos’ foi sobre o que víamos. Só dava para ser pesada, pois a inspiração por trás tem um significado enorme, mas não somos uma banda heavy, também não somos uma banda soft, pois não fazemos baladas. É difícil definir. Nunca se sabe o que esperar com relação às reações das nossas músicas: temos mais pesadas, mas também temos algumas mais pop. Alguns nos odeiam por não sermos heavy o suficiente, mas para mim, o que é bom, é bom. Por que nos limitar, se isso é o que fazemos: músicas de vários tipos?”

Na estrada e América do Sul

Na ocasião da entrevista, o Hollywood Undead estava em turnê com Papa Roach, Falling in Reverse e Bad Wolves. São bandas que compartilham de um mesmo elo sonoro: sons alternativos dentro do heavy metal que se aliam a elementos de outros gêneros, do hip hop ao eletrônico.

“Papa Roach são nossos amigos há tempos, são nossos favoritos. Assisto a eles praticamente toda noite, nunca envelhecem, é a melhor banda de rock atualmente na minha opinião. Falling in Reverse e Bad Wolves também são ótimos. E voltar aos palcos foi diferente, desta vez os nervos afloraram, mas você pega o jeito. É difícil viver sem a energia do palco, você se acostuma a sentir isso.”

Seja solo ou em uma turnê combinada, será que o Hollywood Undead retornaria ao Brasil para uma segunda apresentação, já que a primeira e única rolou ainda em 2016, durante o Maximus Festival? O músico responde:

“Planejamos ir em 2020, mas tudo foi destruído. Mas temos planos de ir em 2023, sei que estão trabalhando nisso e queremos muito voltar.”

Apesar de apenas uma vinda, Johnny 3 Tears guarda boas lembranças do Brasil. Na ocasião, eles dividiram o palco com Rammstein, Bullet For My Valentine, Disturbed, Halestorm, Shinedown e muito mais.

“Ficamos por apenas uns dias, mas nossa primeira vez na América do Sul e no Brasil foi incrível, os fãs são incríveis. Eu não sabia que no Brasil tantas pessoas amavam música pesada. Tocamos com Rammstein, eles enlouqueceram, pensei: ‘p#ta merda’. Pensava: ‘eles são alemães, são conhecidos nos Estados Unidos, mas muitos não ouvem porque são alemães’. Mas não foi assim, foi incrível. Nosso empresário também trabalha com o Rammstein, daí ficamos curtindo no camarim, nos falamos, saímos com eles. Estamos tentando voltar ao Brasil desde essa época, então esperamos que isso aconteça logo.”

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Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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