Um longo papo com Tobias Sammet sobre Avantasia, Helloween, Andre Matos e mais

Cantor e compositor alemão revelou ainda detalhes sobre vindouro show no festival Summer Breeze Brasil e futuro do Edguy

Em 21 de outubro, o Avantasia inaugurou mais um capítulo em sua vitoriosa trajetória. Intitulado “A Paranormal Evening with the Moonflower Society”, o nono álbum de estúdio do coletivo liderado pelo cantor e compositor Tobias Sammet é, a exemplo de seus antecessores — sobretudo os mais recentes —, uma ópera-metal cujo aspecto dramático é capaz de projetar na mente do ouvinte verdadeiras cenas de cinema.

Acompanha Sammet na empreitada um elenco estelar; parte dele formada por figurinhas repetidas, por assim dizer, como Floor Jansen (Nightwish), Michael Kiske (Helloween), Bob Catley (Magnum), Ralf Scheepers (Primal Fear), Ronnie Atkins (Pretty Maids) e Eric Martin (Mr. Big). No Brasil, a distribuição do trabalho em formato físico é assinada pela Shinigami Records.

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E por falar em Brasil, o Avantasia já tem data para voltar ao país. Sua única apresentação por aqui está marcada para 30 de abril do ano que vem, como uma das atrações principais do Summer Breeze, em São Paulo.

No longo bate-papo que você está prestes a ler, Sammet comenta sobre isso e muito mais.

Uma entrevista com Tobias Sammet (Avantasia)

Avantasia e a tal “Sociedade da Flor da Lua”

Antes de tudo, como você definiria o Avantasia?

Muitas vezes me perguntam isso e nenhuma resposta acerta em cheio porque as pessoas, quando ouvem “banda de rock”, pensam em Kiss e AC/DC. Quando você fala em “banda de heavy metal”, pensam em Slayer! [Risos.] Não faço ideia. Alguns dizem que é uma ópera-rock, mas ópera-rock, para mim, é [um disco como] “Tommy” [do The Who], não uma banda. Daí, se a banda não pode ser uma ópera-rock, talvez seja um circo de rock. Se bem que “circo de rock” soa como se tivesse malabaristas, pessoas cuspindo fogo e pessoas andando na corda bamba no palco. Não tenho ideia do que é o Avantasia, mas é incrível! [Risos.]

O jornalista que resenhou o “Moonflower Society” para o site, João Renato Alves, definiu o Avantasia como uma mistura de Helloween e Meat Loaf. Você concorda com a definição?

Ambos são ótimos nomes, que eu amo, mas acho que há mais influências lá. Há muito Dio, A-ha, Journey, Magnum, Iron Maiden e muitas outras bandas. Mas Meat Loaf e Helloween estão longe de ser as piores comparações do mundo, então, obrigado! [Risos.]

“Moonflower Society” é o seu “bebê pandêmico”?

Sim, mas não tem nada a ver com a pandemia. Foi feito nesse período de confinamento e acho que o fato de eu estar trabalhando no meu próprio estúdio, isolado, enquanto o mundo inteiro hibernou por dois anos e meio me ajudou a criar sem pensar em data limite, pois não havia uma. A indústria musical foi gravemente afetada e todos estavam mudando de planos. Acho que isso meio que afetou o processo de trabalho. Nesse sentido, e só nesse, o disco foi filho da pandemia.

Existe um conceito por trás do álbum, uma história por trás das músicas?

São onze canções individuais que, juntas, meio que formam um ciclo. Melhor dizendo: são onze cenas individuais que, juntas, formam uma coisa maior, que é o álbum. Abordei-o como uma visita a um fantástico teatro imaginário onde um grupo de estranhas entidades, que representam um pouco a minha inspiração, o rodeiam. Sempre que começo a criar algo sozinho em meu estúdio, recebo a visita de meus amigos invisíveis, por assim dizer. Eles são a Moonflower Society no contexto lírico. São como os porteiros que abrem as portas do teatro imaginário e apresentam um mundo novo para o ouvinte, para mim e para o protagonista.

Processo criativo (ou “Talvez eu seja louco!”)

Fala um pouco sobre como funciona o seu processo criativo. Quando você se senta para escrever um novo álbum do Avantasia, o que vem primeiro: o conceito ou as músicas? Ou varia?

Tudo anda de mãos dadas. Sou mais um músico do que um romancista, por isso começo com a música. As pessoas compram os discos principalmente porque querem ouvir boas músicas. Não acho que comprariam um disco ruim com boas letras, mas provavelmente comprariam um disco bom com letras ruins! [Risos.] Fiz alguns desse tipo e posso afirmar que estão entre os mais vendidos do Avantasia! Acho que os dois primeiros álbuns [“The Metal Opera” (2001) e “The Metal Opera Part II” (2002)] são bons discos com letras ruins. Ok, “ruins” é exagero de minha parte, mas são letras desajeitadas. De qualquer forma, acho que na maioria das vezes eu fecho a ideia musical primeiro e após um tempo, às vezes no meio de um passeio, eu de repente penso no conceito lírico e tenho um lapso de genialidade. É raro, mas acontece muito! [Risos.] Muito do que faço é baseado na intuição e apenas deixo as coisas acontecerem. Nunca tento organizar muito.

Quando você escreve uma música, já pensa no tipo de voz que você quer para cantá-la? Tipo, quando você escreveu “The Wicked Rule the Night”, pensou especificamente na voz do Ralf Scheepers?

Nem sempre. Por exemplo, escrevi “I Tame the Storm” sem uma voz específica em mente, mas como ela soa como um Iron Maiden moderno, perguntei ao Jorn [Lande] se ele toparia cantá-la. Quando escrevi os versos de “The Wicked Rule the Night”, veio a certeza de que tinha que ser o Ralf, porque tem essa pegada meio Judas Priest. O mesmo vale para o Bob [Catley]. É difícil descrever, mas posso ouvir na minha mente, como se eles estivessem ao meu lado cantando aquela música. Por alguma razão, essas vozes estão no meu DNA e desenvolvi uma certa capacidade de imaginar coisas. Quando trabalhei em “The Inmost Light” ou “Scars”, pude ouvir as vozes de Michael Kiske e Geoff Tate e a ideia soava muito próxima do que acabou sendo gravado. É estranho. Talvez eu devesse ter minha cabeça examinada, talvez eu seja louco! [Risos.]

Ídolos e Helloween

Muitos artistas notáveis ​​cantaram ou tocaram nos álbuns do Avantasia até agora. Teve algum que te deixou mais incrédulo, tipo, “mano, não acredito que esse cara está cantando/tocando no meu álbum!”?

Momentos assim são tão frequentes e gratificantes que é difícil descrever, mas sinto uma profunda satisfação. Quando trabalhei pela primeira vez com Alice Cooper, pense bem: eu era um garotinho de uma pequena cidade na Alemanha e, de repente, estava fazendo um disco com participações de Alice Cooper, Rudolf Schenker (Scorpions) e Eric Singer (Kiss). Parece surreal, né? Com Klaus Meine (Scorpions) foi a mesma coisa. Tive outro momento interessante, acho que foi em 2010, quando subi ao palco e me dei conta: “P#ta m#rda! É o Michael Kiske à minha esquerda! O mesmo Michael Kiske que disse que nunca mais cantaria heavy metal. E é o Kai Hansen à minha direita!” Como fã, para mim, o único problema foi que eles não tocaram “Future World” e “Eagle Fly Free” [do Helloween], mas “Shelter from the Rain” do Avantasia!

Vendo Kiske e Hansen hoje em dia, ambos novamente no Helloween, você se sente parcialmente responsável?

Acho que eles teriam voltado para a banda mesmo sem o meu empurrãozinho, em algum momento. Sinceramente, não penso nisso. Se ajudei, ótimo, mas essa volta deles me deixa feliz – mais feliz do que orgulhoso. Sem Helloween, não haveria Avantasia.

Você gostou do álbum “Helloween” (2021)?

Pra falar a verdade, não o ouvi tantas vezes, mas é um ótimo álbum. Achei ótimo eles terem mantido o Andi [Deris], porque ele trabalhou muito para manter a banda viva todos esses anos. Foram suas músicas e sua dedicação que a mantiveram ativa. Sem contar que foi uma grande sacada: uma banda de heavy metal com três vocalistas? Nunca ouvi falar disso! [Risos.] E chamar o álbum de “Helloween” foi de extrema coragem.

Como um novo começo, certo?

Sim, quiseram deixar isso bem claro. Lógico, teria sido ainda mais corajoso chamá-lo de “Keeper of the Seven Keys: Part Three”, mas esses tempos acabaram. Esses dois discos [“Keeper of the Seven Keys: Part One” (1987) e “Keeper of the Seven Keys: Part Two” (1988)] são intocáveis e há muita nostalgia envolvida.

Sonhos impossíveis, Andre Matos e Ronnie Atkins

Teve algum artista cuja morte fez você lamentar, “putz, que m#rda, queria tanto ter trabalhado com ele”?

Quando um artista que significa muito para você morre, você nunca pensa nisso primeiro. Seria muito egoísta. Antes de tudo, você pensa na perda, nas pessoas próximas e na tragédia em si, mas também na quantidade de música que não vão mais gravar. Uma perda que lamentei muito foi a do Steve Lee, do Gotthard. Tínhamos combinado de trabalhar juntos e ele faleceu num terrível acidente. Queria ter podido trabalhar com Ronnie James Dio, mas ele ficou doente. Também com Meat Loaf e não deu certo, daí ele faleceu. E claro, também queria ter podido trabalhar mais com Andre Matos. Trabalhei com ele muitas vezes, mas quando a gente subiu ao palco juntos no Brasil em 2019, achei muito edificante, embora tenha sido um pouco caótico porque não havíamos ensaiado e ele estava meio fora de si. Como sempre, quando o Andre se deixa levar pela espontaneidade, o resultado é um pouco caótico; ele tinha um talento para provocar o caos! [Risos.] Mas quando estava no palco, eu ficava vislumbrando: “caramba, podíamos e devíamos fazer algo juntos de novo”. Nem chegamos a nos despedir; ele já tinha ido embora quando saímos do palco e eu achei estranho, mas pensei que talvez ele não estivesse se sentindo bem. Alguns dias depois, recebi a notícia e fiquei em estado de choque.

Um dos clipes do novo álbum traz uma foto sua cantando com o Andre. O que fazia dele um artista tão único, na sua opinião?

Ele era um cara muito gente-boa e um músico muito talentoso. Era um excelente pianista, tinha ideias de músicas muito incomuns e sempre soava incrível; ele era um cantor incrível, dono de uma técnica invejável. Ninguém soava como o Andre; sua voz era muito especial. O jeito que ele cantava, a pronúncia dele, a técnica, a escrita, as melodias, e ele era um ser humano lindo; como eu disse, de um jeito lindo ele era caótico, meio desajeitado às vezes. Nos divertimos muito. Ele era especial, um personagem muito profundo e muito introvertido, de certa forma. Totalmente o oposto daquele grande frontman no palco.

Ronnie Atkins, do Pretty Maids, é outro que participa de “Moonflower Society” e, como sabemos, ele está lutando contra o câncer em estágio avançado. Nos últimos anos, ele tem produzido em larga escala e lançado alguns de seus melhores trabalhos. O quão inspirador é trabalhar com o Ronnie e poder conhecer o ser humano por trás do artista?

Se você tem o Ronnie como amigo, tem um amigo para toda a vida. Ele é um dos meus melhores amigos, tem uma grande personalidade, é muito honesto e direto. Além do mais, ele canta de tudo; de Bee Gees a Black Sabbath. E é muito inspirador trabalhar com ele. Ah, e é ótimo ir beber com ele também! Ele é sempre o cara que fecha as portas do bar, mas ele é sempre o primeiro que você encontrará pela manhã na academia do hotel! Pense numa aberração da natureza: Ronnie é inacreditável! [Risos.]

Disco mais importante e incertezas quanto a Edguy

Com o Edguy suspenso por período indeterminado, você tem se dedicado integralmente ao Avantasia. Pode-se dizer que no Avantasia você se sente artisticamente mais realizado, podendo exercer mais a sua criatividade e, com isso, as coisas ficam sempre mais frescas?

A questão é que no Avantasia eu não só posso fazer as coisas mais livremente como posso tomar todas as decisões sem ter que justificar cada uma delas. Trabalhar em uma banda pode ser incrível, mas se todo mundo tem uma visão diferente — e isso acontece na maioria das bandas —, você tem que fazer concessões, mesmo se for o líder. Mesmo que componha todas as músicas, ainda tem que acomodar a opinião de todos. No tempo que levo para fechar um riff com o Edguy eu componho quatro músicas para o Avantasia e as gravo! [Risos.] Às vezes não é fácil encontrar um denominador comum, e é por isso que acho que num “projeto solo” como o Avantasia as coisas fluem melhor.

Mas está nos seus planos gravar outro álbum com o Edguy?

Não faço ideia nem penso nisso por agora porque todos estão fazendo suas próprias coisas. Acho que é possível sairmos em turnê novamente, mas não nos vejo gravando um novo álbum.

Na sua opinião, qual foi o álbum mais importante da sua carreira?

É impossível dizer, porque todo álbum é importante quando você o faz. O “The Scarecrow” (2008) foi o que teve o maior impacto na minha carreira, mas sem os dois “The Metal Opera” não haveria nenhum “The Scarecrow”. Se eu não tivesse feito os dois “The Metal Opera”, “The Scarecrow” teria sido apenas um álbum solo do vocalista do Edguy, e se eu não tivesse feito os dois “The Metal Opera”, o Edguy nunca teria se tornado tão grande. Éramos uma banda underground relativamente pequena até o primeiro “The Metal Opera” ser um grande sucesso no mundo do heavy metal. Pensando por aí, talvez o mais importante seja o primeiro “The Metal Opera”, mas, novamente, se eu não tivesse feito “Vain Glory Opera” (1998) e “Theater of Salvation” (1999) [com o Edguy], não haveria “The Metal Opera”.

Brasil, ansiedade e gratidão

O Avantasia volta ao Brasil em abril para se apresentar no Summer Breeze Festival. Você pode dar uma prévia dos convidados que trará junto?

Não faço a mínima ideia! [Risos.] Acho que a maioria dos que estiveram este ano em nossa turnê aqui na Europa estará lá, mas não posso afirmar. Tenho fé que chegaremos com uma formação forte e com um ótimo show e um ótimo repertório.

Podem ser adicionadas mais datas ou será sua única apresentação no país?

Será a única apresentação no país, porque senão um festival como o Summer Breeze não nos escalaria como headliner. Dito isso, estou muito ansioso, porque nunca toquei em um festival no Brasil, e quero ver se a cultura de festivais daí funciona tão bem quanto funciona aqui, e sei lá, serão 15 mil, 20 mil fãs de heavy metal brasileiros, então vamos ver o que acontece.

Você tem apenas 44 anos e um longo caminho a percorrer. Quais dos seus sonhos ainda não foram realizados do ponto de vista artístico e musical?

Isso pode soar meio triste, mas não os tenho. Quando comecei a tocar, tudo o que eu queria era poder viver de música e sustentar a mim e a uma família sendo músico. Era o meu único sonho. Não queria ficar rico, fazer um álbum por ano nem sair em turnê pelo mundo. Em algum momento lá atrás, pensei: “ok, se as músicas que eu componho não forem boas o suficiente, pelo menos posso dar aulas de música ou, sei lá, tocar em uma banda cover”. Conquistei muito mais do que poderia sonhar e sou muito, muito grato por isso. Fiz doze turnês pelo mundo, gravei dezenove álbuns, tive álbuns em primeiro lugar nas paradas, ganhei discos de ouro e já dividi o palco com Scorpions, Aerosmith, Deep Purple e Iron Maiden. É muito mais do que eu poderia imaginar e me sentiria culpado se exigisse mais. Então, só quero continuar o máximo que puder, espero que por muitos anos mais. Está cada vez mais difícil gravar álbuns e produzi-los por causa da situação da indústria fonográfica, mas estou feliz com como as coisas estão. Mas se o Kiss fizer outra turnê e me convidar para abrir para eles no Madison Square Garden por sete noites consecutivas… aí a coisa já muda! [Risos.]

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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