Nightwish e Beast in Black têm o público nas mãos em São Paulo

Bandas finlandesas cativam plateia no Espaço Unimed ao apostar nos momentos mais prestigiados de suas discografias e em vocalistas que roubam a cena

Muita gente tem a Finlândia como uma terra fria, de povo apático, com pouco calor humano. Os principais “produtos de exportação” do país são as bandas de heavy metal e os pilotos de Fórmula 1 – e estes últimos contribuem muito para a fama de sua terra. Felizmente, essa é só uma (má) impressão. Nightwish e Beast in Black mostraram isso ao longo dos shows realizados, na última sexta-feira (14), em São Paulo.

Algumas pessoas até procuravam ingressos na bilheteria do Espaço Unimed por volta das 19h, enquanto o grande público já entrava. Mas não tinha jeito: o local com capacidade para 8 mil pessoas estava com tickets esgotados. O famoso título “sold out” para a segunda das duas apresentações dos grupos no país (um dia antes, eles tocaram no Rio de Janeiro; agora, seguem para a Argentina).

- Advertisement -

Desde as primeiras horas de espera dentro da casa de shows, já se notava a ansiedade dos fãs. Compreensível: a apresentação do Nightwish, que esteve em sua nona passagem pelo Brasil, deveria ter acontecido em maio de 2020. Acabou sendo adiada mais de uma vez por conta da pandemia.

Outra mudança importante envolveu a abertura: originalmente, o próprio baixista e vocalista do Nightwish à época, Marko Hietala, faria um show antes da atração principal. Porém, ele anunciou no início de 2021 sua saída do grupo e um hiato na carreira musical. Jukka Koskinen (Wintersun) ocupou sua vaga na banda, enquanto o Beast in Black foi trazido para a função introdutória da turnê.

Apreensões à parte, tudo correu dentro – e foi até além – do esperado.

*Fotos de Gustavo Diakov / @xchicanox

E se Judas Priest e Abba tivessem um filho?

A pergunta exposta no intertítulo acima é uma das impressões iniciais ao se ouvir o som do Beast in Black. Formada por Yannis Papadopoulos (vocais), Anton Kabanen (guitarra e teclados), Kasperi Heikkinen (guitarra), Maté Molnár (baixo) e Atte Palokangas (bateria), a banda tomou de assalto o palco do Espaço Unimed com bastante coragem e visível empenho.

O grupo dissidente do Battle Beast já tem três discos de estúdio lançados e as semelhanças com o Judas Priest talvez sejam as mais evidentes no lado “metálico”. Kabanen deixa os teclados pré-gravados e se dedica apenas à guitarra, com um timbre que lembra bastante o de Glenn Tipton. Já a imagem de Papadopoulos e sua lustrosa careca, desferindo agudos cortantes durante as músicas, evoca a imagem de um Rob Halford mais novo – e ligeiramente exagerado nos agudos.

Mas a sonoridade do Beast in Black também teu seu lado “dançante”, conforme apontou o próprio vocalista. Os fortes teclados dão uma aura oitentista à banda, fazendo lembrar de grupos como o Abba e outros mais próximos da disco music, que por vezes também flerta com o AOR. A mistura é tão louca quanto parece, mas agrada bastante.

Papadopoulos sofreu um pouco com problemas no microfone durante a primeira música “Blade Runner”, mas logo depois ficou feliz em poder “se ouvir” e escutar também o público. O carismático vocalista grego brincou sobre ter “conhecido Jesus” no Rio de Janeiro (em referência ao Cristo Redentor), elogiou a comida e pareceu realmente feliz por enfim poder excursionar na América do Sul pela primeira vez.

Além dele, merecem destaque o baterista Atte Palokangas, performático, cheio de malabarismos durante a execução das músicas. Kabanen, responsável pelos solos, e o baixista húngaro Máté Molnár, entregam backing vocals bastante sólidos. Soando bem ao vivo, o Beast in Black não demorou para cair nas graças do público, que logo estava gritando o nome da banda.

O setlist de 60 minutos foi bem diversificado entre os três álbuns lançados até o momento. Destaques vão para sons como “Cry Out For a Hero”, do segundo disco, “From Hell With Love” (2019); e “One Night in Tokyo”, talvez a mais dançante da noite, oriunda do trabalho mais recente, “Dark Connection” (2021).

Antes de encerrar, com “End of the World”, Yannis Papadopoulos reforçou duas boas notícias. A primeira, segundo ele próprio, era que o show do Nightwish se aproximava. A segunda era a lembrança de que o Beast in Black tocará no festival Summer Breeze Brasil, que acontecerá em abril de 2023. A julgar pela reação do público nessa primeira vez, a banda deve chegar ao festival com ainda mais força.

Beast in Black – ao vivo em São Paulo

  • Local: Espaço Unimed
  • Data: 14 de outubro de 2022
  • Turnê: Dark Connection Tour 2022

Repertório:

  1. Blade Runner
  2. From Hell With Love
  3. Beast in Black
  4. Born Again
  5. Cry Out for a Hero
  6. Moonlight Rendezvous
  7. Sweet True Lies
  8. No Surrender
  9. Die by the Blade
  10. One Night in Tokyo
  11. Blind and Frozen
  12. End of the World
  13. (Gravação: “Burning Heart – Rocky IV Theme” – Survivor)
Leia também:  Show de Roberto Carlos que inauguraria Arena Pacaembu é cancelado após vistoria

Jogo ganho de forma imponente

Por meia hora, o público acompanhou a preparação do palco para o Nightwish. Chamou a atenção o fato de que a bateria de Kai Hahto não fica no centro do palco, como de costume de tantas bandas, mas à esquerda de uma plataforma elevada. O canto direito da área é ocupado pelo multi-instrumentista Troy Donockley, enquanto os teclados do líder Tuomas Holopainen ficam no centro.

Por volta das 22h30, ouviu-se a introdução percussiva de “Music”, épico que abre o álbum mais recente do grupo, “Human. :II: Nature.”, álbum mais recente da banda. Os já citados Hahto e Donockley entraram acompanhados por Jukka Koskinen, o “inoxidável” (como diria um famoso apresentador de TV) guitarrista Emppu Vuorinen e a imponente vocalista Floor Jansen. O show começou mesmo com “Noise”, segunda faixa do novo disco.

A recepção do público foi boa e logo as credenciais artísticas de Jansen foram mostradas, mas o jogo só iria ser ganho mesmo na música seguinte. O conjunto de três telões verticais exibiu imagens de lugares famosos de São Paulo como a ponte estaiada Octávio Frias de Oliveira, a Catedral da Sé e o Museu do Ipiranga enquanto a vocalista fazia suas primeiras interações com os fãs. De repente, tudo ficou em chamas com “Planet Hell”. Com o perdão do trocadilho, a famosa faixa do clássico “Once” (2004) incendiou a plateia.

A partir daí, o Nightwish nem precisou se esforçar para fazer um grande show. Com direito a Tuomas Holopainen operando como um verdadeiro maestro no centro do palco, o grupo exalou entrosamento e excelência sonora.

Fora isso, um alívio: o novato Koskinen não fez em “Planet Hell” os vocais masculinos de Marko Hietala, responsável por grandes momentos ao vivo em dueto com Jansen. A função foi transferida a Troy Donockley e aí entra um ponto de fragilidade: o multi-instrumentista não tem a mesma capacidade vocal que Marko e por vezes a própria Floor acaba cantando as partes, como em “Planet Hell”. A ausência de Hietala é sentida, mas a banda não perde em qualidade, apenas deixa de ganhar.

Na sequência, com a pesada “Tribal”, também do álbum mais recente, um segundo alívio (desta vez aos fãs mais puristas): mesmo com um corte de cabelo mais curto que gerou desconfiança de uma parcela do público nas redes, Floor Jansen continua bangueando como sempre. Figura imponente no palco, a vocalista holandesa faz combinar sua potência vocal com uma forma quase graciosa de se dirigir ao público. Impressiona quem nunca tinha a visto ao vivo, caso deste que vos escreve.

O show seguiu com “Élan”, do primeiro disco de Floor com a banda, “Endless Forms Most Beautiful” (2015). Nesse ponto, vale ressaltar o ótimo trabalho de cenografia com os três telões e de sonorização da casa de eventos. Ao menos da pista premium tudo era ouvido com clareza e volume agradáveis, até mesmo detalhes que por vezes passam despercebidos, mas cruciais para que qualquer artista realize uma boa apresentação.

Se o jogo já estava ganho desde o início, a partir do “miolo” do set o Nightwish envolveu ainda mais o público paulistano ao combinar clássicos e boas músicas da fase com a cantora Anette Olzon. Vieram em sequência “Storytime”, “She is My Sin”, a belíssima “Sleeping Sun”, a pesadíssima “7 Days to the Wolves”, a clássica “Dark Chest of Wonders”, “I Want My Tears Back”, “Ever Dream” e talvez o grande hit da carreira do grupo, “Nemo”.

Do respiro à emoção com o Nightwish

Antes da última citada, Troy Donockley se dirigiu ao público enquanto Jansen tirou alguns minutos de descanso. Fazendo a clássica provocação ao comparar o desempenho do público de São Paulo com o do Rio de Janeiro, o músico convidou todos a mostrarem aos cariocas que a história ouvida por ele de que “em São Paulo as pessoas não sabem cantar” era “besteira”. E era mesmo.

O mesmo Donockley foi o único a permanecer no palco, munido de violão, para cantar junto com Jansen uma versão acústica de “How’s the Heart?”, do novo álbum. Trata-se de uma bela canção, mas que perde um pouco de qualidade no acústico ao soar mais, neste formato, como uma balada genérica. No entanto, o respiro era necessário antes de dar início à reta final do show.

Primeiro, veio mais uma de “Human. :II: Nature.”: “Shoemaker”, que parece não ter engajado tanto o público apesar de sua qualidade. Floor Jansen mostrou aqui seu canto lírico e provou que não deve nada a nenhuma de suas antecessoras na vaga. “Last Ride of the Day” levantou a plateia novamente sem maiores dificuldades.

A partir desse momento, faltava meia hora para o fim do show e o Nightwish distribuiu o período em apenas duas longas músicas. A fama de “Ghost Love Score” se justificou com performance impecável de toda a banda, mas é difícil não voltar a falar de Floor Jansen, que brilha ao longo dos 10 minutos de música – seja com o canto lírico ou pelo intenso headbanging de “hélice”.

Leia também:  Edu Falaschi anuncia show em SP da turnê “Rebirth Live in SP Revisited”

Os fãs ainda foram brindados com a épica “The Greatest Show on Earth” e seus quase 20 minutos de diversas nuances e camadas que versam sobre a vida na Terra, das primeiras células até os seres humanos. Apesar da longa duração, a música não passa nem perto de se tornar enjoativa ou musicalmente pedante. Destacam-se os onipresentes teclados do “chefe” Tuomas, que introduzem a faixa de forma majestosa e a conduzem com a competência de sempre.

Encerrados os trabalhos, sem bis ou qualquer tipo de intervalo mais longo, o sistema de som começa a executar “All the Works of Nature Which Adorn the World: VIII. Ad Astra”, a orquestrada última faixa do disco 2 de “Human. :II: Nature.”. Entre cumprimentos e fotos, uma última surpresa: Floor Jansen cantou ao vivo um trecho lírico da música, presenteando o público com mais alguns segundos de uma performance irretocável.

Vale o ingresso

O Nightwish fez uma verdadeira demonstração de poder em São Paulo, com Floor Jansen capitaneando o barco com firmeza. A ausência de Marko Hietala provavelmente contribuiu para que a cantora chamasse mais ainda a responsabilidade – e embora a voz do baixista faça falta em algumas músicas, a qualidade da performance não foi prejudicada. No instrumento, seu substituto é protocolar, mas competente.

A banda soa muito coesa e cativa o público com muita facilidade. Em alguns refrãos mais conhecidos, como os de “Nemo” e “Dark Chest of Wonder”, é impossível não cantar junto; também não dá para não se emocionar com “Ghost Love Score” ou “The Greatest Show on Earth”. As músicas novas escolhidas para o set se provaram acertadas e o álbum mais recente até ganha força ao vivo em alguns momentos.

Vale a pena citar também o bom desempenho do Beast in Black na abertura. Não é uma banda que vai mudar o mundo e há algumas arestas a serem aparadas como exageros vocais e algumas músicas que acabam soando muito parecidas, mas a qualidade é inegável. Por mais que os “medalhões” do metal continuem sendo os mesmos, é sempre gratificante ver uma banda mais nova dando o sangue no palco e correndo atrás de prestígio e sucesso.

O Espaço Unimed tem boa estrutura de som e ambiente, o que torna tudo melhor. O calor dentro da casa fica um tanto incômodo em alguns momentos, mas nada que comprometa o espetáculo – se hidratar é o conselho de ouro.

Ver o Nightwish ao vivo pela primeira vez, como foi o meu caso, impressiona. A atmosfera que o som do grupo cria é muito única e positiva, em uma experiência que vale o ingresso.

*Fotos de Gustavo Diakov / @xchicanox

Nightwish – ao vivo em São Paulo

  • Local: Espaço Unimed
  • Data: 14 de outubro de 2022
  • Turnê: Human. :||: Nature. World Tour

Repertório:

  1. Music (Intro)
  2. Noise
  3. Planet Hell
  4. Tribal
  5. Élan
  6. Storytime
  7. She Is My Sin
  8. Sleeping Sun
  9. 7 Days to the Wolves
  10. Dark Chest of Wonders
  11. I Want My Tears Back
  12. Ever Dream
  13. Nemo
  14. How’s the Heart? (acústica)
  15. Shoemaker
  16. Last Ride of the Day
  17. Ghost Love Score
  18. The Greatest Show on Earth
  19. All the Works of Nature Which Adorn the World: VIII. Ad Astra (gravada, Floor Jansen cantando parte ao vivo)

Epílogo: “Last Ride of the Day”

Em São Paulo, as estações de metrô fecham à meia-noite – horário em que a circulação de ônibus também se reduz – e só reabrem às 4h40 da manhã seguinte. O Nightwish subiu ao palco às 22h30, terminando seu show por volta de 0h20. Embora o Espaço Unimed fique literalmente a um quarteirão de distância da estação Barra Funda do metrô, muita gente perdeu a “Last Ride of the Day”, com o perdão do trocadilho.

Sem metrô, o entorno do Espaço Unimed se torna um caos automotivo. Carros de aplicativo tentam chegar sem sucesso, enquanto pessoas buscam sair dos estacionamentos da região. Alguns optam até por passar a noite na rua, o que nem sempre é uma opção segura em algumas regiões da capital paulista.

A localização da casa de shows é perfeita e não houve qualquer atraso das atrações para subir ao palco. Ainda assim, é sempre interessante para todos que se tenha maior cuidado ao definir os horários.

Clique para seguir IgorMiranda.com.br no: Instagram | Twitter | Facebook | YouTube.

ESCOLHAS DO EDITOR
InícioResenhasNightwish e Beast in Black têm o público nas mãos em São...
André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes é jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Interessado em música desde a infância, teve um blog sobre discos de hard rock/metal antes da graduação e é considerado o melhor baixista do prédio onde mora. Tem passagens por Ei Nerd e Estadão.

6 COMENTÁRIOS

  1. Eu estava lá. o Beast in Black foi muito bem, mas ficou claro que eles focaram mais na cenografia, pois depois do erro de microfone na primeira música, deu pra perceber que estavam tendo um auxílio forte de playback. Isso não fez ficar ruim. o grupo tem uma presença de palco muito boa. Fizeram uma ótima apresentação.
    Já o Nightwish… não precisa nem comentar. Se a Floor cantar a música do gás vai lotar a casa de novo!

  2. Fui lá e eu resumo o NW com duas coisas, o lírico, melodioso, harmônico e calmo misturado com a potência, força e brutalidade do Metal. Por isso que a banda é a melhor do estilo dele. Fui lá e e sai de lá dizendo “Que banda f*** demais”. Som da banda preencheu todo ambiente. Não é a toa que ela é chamada de “Fly dutch” – Holandesa voadora.

  3. hahahahaha, eu estava ao seu lado no show e você descreveu maravilhosamente bem tudo o que foram os shows.Meu segundo show da banda e com a saída do Marko, a Floor simplesmente tomou as rédias da situação, a presença de palco dela é impressionante.

DEIXE UMA RESPOSTA (comentários ofensivos não serão aprovados)

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui


Últimas notícias

Curiosidades