Como o Rush fez “A Farewell to Kings”, álbum prog com balada de destaque

Quinto trabalho de estúdio representa o início de um período de sucesso comercial que durou até o fim da banda

O Rush sempre foi uma banda alheia a qualquer tipo de tendência. Enquanto o mundo da música mudava à volta deles, Geddy Lee (voz e baixo), Alex Lifeson (guitarra) e Neil Peart (bateria) faziam apenas o que parecia natural ao trio – especialmente quando os ajudavam a explorar novas facetas de sua sonoridade.

É por isso que, no auge do punk, o grupo mergulhou de cabeça no subgênero do rock que era considerado o mais cafona da época: o progressivo. O resultado foi o primeiro disco deles a atingir as paradas.

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Essa é a história de “A Farewell to Kings”.

O Rush não pode parar

Em 1977, o Rush havia terminado uma turnê de 16 meses em apoio de seu disco mais bem-sucedido até então, “2112”. O trio havia experimentado um fracasso enorme com seu lançamento anterior, “Caress of Steel”. Chegaram a ser ameaçados de abandono pela gravadora caso não tornassem suas músicas mais comerciais.

O fato de “2112” ter ecoado junto ao público, com o Rush se mantendo forte sem comprometer seu som, acabou por galvanizar o grupo após um período turbulento em sua história.

Qualquer outra banda estaria exausta após tudo isso. Porém, o trio canadense não só se mostrava ainda disposto, como se viam tendo passado por férias criativas.

Em um guia para a turnê do disco, escrito por Neil Peart, o baterista detalha como o Rush gostou de não gravar por quase um ano e meio. Utilizaram o período de turnê para explorar novos instrumentos e expandir a paleta sonora.

“Nós tivemos um ano e meio entre discos de estúdio, um hiato criativo muito bem vindo, e uma chance para nós três nos concentrarmos em nossos instrumentos individuais assim como aprender novos para manter o crescimento musical. Alex adotou uma guitarra dupla, e um pedal sintetizador de baixo; Geddy também um instrumento duplo combinando guitarra e baixo, assim como o pedal sintetizador de baixo e um mini Moog; enquanto eu comecei a me arriscar em teclados de percussão como sinos tubulares, glockenspiel e vários dispositivos de percussão aqui e ali.”

Menos distrações ao fazer “A Farewell to Kings”

Em junho de 1977, o Rush foi para o Reino Unido fazer uma turnê rápida e então acampar em Rockfield, no País de Gales, para gravar o próximo álbum. Essa seria a primeira vez dos músicos gravando fora de sua cidade natal, Toronto, e eles estavam procurando por um estúdio onde poderiam ficar em paz durante as gravações, como Geddy Lee falou à Prog:

“Estávamos tendo sucesso no Canadá e as coisas estavam ficando mais caóticas. Francamente, queríamos ir para um lugar onde haveriam menos distrações. Rockfield foi nossa primeira gravação residencial – nós nunca havíamos feito esse tipo de coisa antes, – então Terry [Brown, produtor de longa data do grupo]: por que não procuramos um lugar onde podemos ficar e trabalhar. Todos nós topamos a aventura.”

Rockfield era um ambiente completamente diferente da metrópole que é Toronto. Trata-se de uma vila no meio do campo no País de Gales. E o grupo precisava de paz e sossego para poder criar – afinal, como superar seu disco mais ambicioso até então?

Maior, melhor e com balada

Apesar de tocar quase 250 shows por ano, o Rush tinha o hábito frequente de entrar no estúdio com pouco material pronto. Na entrevista para a Prog, Geddy Lee resume o repertório desenvolvido na turnê para o próximo lançamento:

“Nós havíamos tocado ‘Xanadu’ antes de gravar. Sabe, as canções fáceis que a plateia pode pegar e apreciar sem saber o que diabos elas são. Nós certamente tínhamos partes dela e acho que ‘Closer to the Heart’ talvez estivesse composta. Não muito além disso – o resto foi feito no estúdio.”

Ambas as músicas citadas acabaram tendo um papel importante em “A Farewell to Kings”. “Xanadu” se tornou um ponto alto dos shows do Rush por sua complexidade musical aliada ao espetáculo visual de luzes e tanto Lifeson quanto Lee empunhando seus instrumentos de braço duplo.

“Closer to the Heart”, por sua vez, foi o primeiro single da banda a atingir as paradas do Reino Unido. Uma balada ao melhor estilo das grandes bandas setentistas, a canção atingiu o 36º lugar na terra da rainha, assim como a 76h posição na Billboard 100. 

Outro fato interessante sobre “Closer to the Heart” é que a letra conta com a colaboração de alguém fora do Rush: Peter Talbot. Ao longo da carreira do grupo, esse aspecto de composição sempre foi território de Neil Peart. 

O baterista tomou pra si a função de letrista principal quando se juntou ao Rush e moldou o material da banda em torno de temas que muitas pessoas ligaram aos escritos de Ayn Rand, autora russo-americana responsável por desenvolver a polêmica filosofia do Objetivismo.

Entretanto, Peart diminuiu a influência de Rand respondendo a um fã na newsletter do grupo em 1994, dizendo:

“Para começo de conversa, a extensão de minha influência pelos escritos de Ayn Rand não deveria ser tão valorizada – não sou discípulo de ninguém. Sim, eu acredito que o indivíduo é essencial em questões de justiça e liberdade, mas na filosofia, como Aristóteles disse há muito tempo, o maior bem é a felicidade.”

A perspectiva de Talbot em “Closer to the Heart” acaba sendo preciosa pois oferece um contraponto aos problemas societais levantados por Peart na faixa-título, como o baterista comenta no guia da turnê do álbum:

“Liricamente falando, se ‘A Farewell to Kings’ olha para os problemas, então essa olha para a solução. É baseada num verso de um amigo nosso de Seattle, e tem muito a dizer para aqueles dispostos a escutar.”

Sucesso duradouro em seus próprios termos

“A Farewell to Kings” foi lançado em setembro de 1977, no meio do turbilhão punk. Mesmo assim, capturou a imaginação de milhares de fãs de rock.

Em novembro do mesmo ano, recebeu um disco de ouro por vender 500 mil cópias nos Estados Unidos, juntamente com seus dois antecessores, “2112” e o ao vivo “All the World’s a Stage”.

Foi o início do sucesso eterno do Rush. O grupo aumentou seu perfil a cada lançamento e criou um público fiel a ponto de conseguir ser capaz de emplacar álbuns novos no top 10 da Billboard até o seu último de estúdio, “Clockwork Angels”, de 2012.

O Rush sempre existiu quase à parte da indústria musical, mesmo tendo grande sucesso dentro dela. Pouquíssimas bandas são capazes de conseguir isso. E eles chegaram a esse patamar sem comprometer em nada o que fazia deles únicos.

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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