A história de “Tattoo You”, o assalto aos cofres dos Rolling Stones

Composto de sobras de estúdio e feito meio que às pressas, 16º álbum da banda tornou-se um de seus maiores êxitos comerciais

Apesar de terem iniciado os anos 1970 com uma sequência campeã de álbuns — “Sticky Fingers” (1971), “Exile on Main St.” (1972), “Goats Head Soup” (1973) e “It’s Only Rock ‘N’ Roll” (1974) — e a promessa de sucesso contínuo, os Rolling Stones tiveram que lidar com tantos problemas em meados daquela década que sua música começou a trepidar.

Primeiro foi a saída do guitarrista Mick Taylor, que chegou à banda abstêmio e a deixou para dar entrada em uma clínica de tratamento de dependência química. A certa altura, a situação de seu substituto, Ronnie Wood, fez até Keith Richards ficar preocupado. Só que o próprio vício de Keith estava fora de controle, tanto que quase foi condenado a prisão perpétua em 1977 por tráfico de drogas.

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Diante de tudo isso, Mick Jagger chegou a confessar descontentamento com a banda a amigos mais íntimos, como David Bowie. Rechaçando boatos de que trocaria a música por uma carreira no cinema, o vocalista tomou as rédeas da situação. De olho no principal mercado consumidor de discos do mundo, ele guiou os Stones rumo a um som mais radiofônico e feito sob medida para os Estados Unidos.

Embalado pelo hit “Miss You”, “Some Girls” (1978) viu a banda investindo no florescente negócio das discotecas. O LP chegou ao número 3 no Reino Unido e primeiro lugar nos EUA. Com 6 milhões de cópias vendidas no país, perde apenas para a coletânea “Hot Rocks” (1972), que vendeu o dobro. Mas seria preciso dar continuidade a tudo isso para manter o nome em alta.

Rolling Stones e a leve decepção

Exemplo cabal da lei que define a proporção na qual um álbum piora à medida que seu orçamento aumenta, “Emotional Rescue” começou a ser gravado em Hollywood e nas Bahamas e foi concluído em Paris e Londres, com os overdubs e a mixagem feitos em Nova York.

Mesmo dotado de um rico ecletismo — punk, disco music, blues, jazz e até mesmo um trompete mariachi em “Indian Girl” — e tendo chegado ao topo das paradas britânica e estadunidense pela força da marca, o disco foi recebido como uma leve decepção depois de “Some Girls”.

Sem papas na língua, a revista Rolling Stone chamou-o de “Sem vida” e afirmou: “Não há uma melodia aqui que já não tenha sido ouvida antes”. Faz sentido, uma vez que grande parte do álbum foi preenchida por sobras e descartes de seu multiplatinado antecessor.

Lucrar uma fortuna sem precisar investir outra

Embora os Stones tenham gravado intermitentemente em Paris no final de 1980 e no início de 1981, o álbum seguinte a “Emotional Rescue” não consistiria em um punhado de músicas novas, mas sim de faixas descartadas de gravações anteriores.

Essa ideia partiu do engenheiro de som Chris Kimsey com a justificativa de que todos lucrariam uma fortuna sem precisar investir outra em meses no estúdio. Daí, Kimsey desencovou registros que remontavam desde a era Taylor até composições de Jagger e Richards concluídas às pressas para o lançamento.

Foi dele também a ideia de dividir o LP “Tattoo You”, originalmente denominado apenas “Tattoo”, em dois lados distintos — um de rocks, outro de baladas — os quais serão dissecados a seguir:

Os rocks e as baladas de “Tattoo You”

Toda uma geração conheceu “Start Me Up” graças ao famoso comercial do Microsoft Windows nos anos 1990 — um dos maiores exemplos do tino de Jagger para os negócios —, mas sua concepção data de bem antes. Era abril de 1975 quando os Rolling Stones tentaram  gravar um reggae de nome “Never Stop”. Após inúmeras tomadas, ficou claro para todos que a ideia não daria certo.

Por insistência de Chris Kimsey, o arranjo passou por uma revisão de estilo e a faixa como nós a conhecemos acabou sendo gravada no mesmo dia que “Miss You”, em 1978. Seu compacto, lançado uma semana antes de “Tattoo You” chegar às lojas, só não alcançou o topo da Billboard por causa de “Best That You Can Do”, do cantor Christopher Cross, trilha sonora do recém-lançado filme “Arthur, o Milionário Sedutor”.

Da mesma safra de “Start Me Up”, “Hang Fire” consiste em um dos poucos momentos de crítica social da carreira dos Stones. “We’ve got nothing to eat / We got nowhere to work / Nothing to drink / We just lost our shirts” (“Não temos o que comer / Não temos onde trabalhar / Nem o que beber / Acabamos de ficar sem roupas”, em tradução livre), canta Jagger, servindo de porta-voz para a classe trabalhadora inglesa sufocada pela economia do governo Thatcher.

Considerada indigna de constar do experimental “Black and Blue” (1976), “Slave” não nega as origens: trata-se de uma investida no jazz fusion com Billy Preston no órgão e a lenda do hard-bop Sonny Rollins no saxofone. Sabe-se que Jeff Beck chegou a gravar as guitarras em uma das primeiras tomadas da música, mas tal registro ainda está para ver a luz do dia; se é que verá.

“Little T&A” — “tits & arse”, ou seja, “peitos e bunda” — tem um quê cômico e autobiográfico: livre das drogas, Keith Richards canta em solidariedade ao descontente traficante que havia perdido um freguês. É a única faixa de “Tattoo You” a não contar com o baixista Bill Wyman; o baixo ficou a cargo do próprio Richards.

Feita sob medida para as rádios a partir de um lick de guitarra chupado de Jimmy Reed, “Black Limousine” foi enlatada nas sessões de “Sticky Fingers” e assim permaneceu até 1978, quando Jagger resolveu acrescentar vocais. Seriam necessários mais três anos até que Wood adicionasse o solo de guitarra que a completa.

Com uma letra que evoca imagens de um submundo de bordeis e homicídios pelo qual os Stones tinham a manha de passar ilesos, “Neighbours” traz participação de Rollins novamente, só que agora dividindo os encargos de sax com o titular na posição, o saudoso Bobby Keyes.

Em “Worried About You”, o grande destaque é a presença do guitarrista Wayne Perkins, outrora aventado como favorito para substituir Mick Taylor. Por falar nele, a faixa seguinte, “Tops”, registrada nas sessões de “Goats Head Soup”, traz o som inconfundível de suas seis cordas. Na letra, uma crítica velada ao chamado “teste do sofá” como maneira de conseguir algo.

A ausência de Richards e Wood, que não chegaram ao estúdio a tempo, torna a serena e atmosférica “Heaven” uma das músicas dos Stones gravadas com menor quórum: Charlie Watts na bateria, Jagger cantando e alternando com Wyman nas guitarras, e Kimsey no piano.

Para transmitir a mensagem proposta no título “No Use in Crying” (“Chorar Não Adianta Nada”), Jagger e Richards trazem à baila todo o ressentimento mútuo que veio se intensificando desde a infame prisão do guitarrista em 1977 numa letra que poderia ter sido escrita por um velho mestre do blues.

Ironicamente, se levarmos em conta a penúltima faixa, “Tattoo You” encerra com um despojado tributo à amizade. Gravada no final de 1972 no Caribe e promovida como single e videoclipe, “Waiting on a Friend” logo assumiria o posto deixado por “Start Me Up” nas paradas estadunidenses.

Par a banda ganha, ímpar o promoter perde

Lançado simultaneamente em ambos os lados do Atlântico em 24 de agosto de 1981, “Tattoo You” vendeu mais de um milhão de cópias nos Estados Unidos somente na primeira semana, superando os números suntuosos ostentados por “Sticky Fingers”, mas ainda longe de se equiparar a “Some Girls”.

Com o foco estabelecido no mercado norte-americano, a turnê de divulgação do disco teve início em 25 de setembro, na Filadélfia. Incerto quanto a embarcar ou não no giro, Jagger foi logo convencido pelos números: num acordo sem precedentes com os organizadores locais, 90% da receita de cada show iria para o bolso da banda, sem contar os lucros seguros com a venda de merchandising e exibições pay-per-view em redes de TV a cabo.

Quando os 2,5 milhões de ingressos colocados à venda antecipadamente se esgotaram em uma semana, doze shows extras foram adicionados ao itinerário; o que engordou ainda mais o porquinho do grupo, mas não sem abalar suas estruturas quase que de maneira irreversível. Como maior atestado de que o clima dentro de uma banda impacta diretamente na música que ela grava, nenhum álbum dos Rolling Stones posterior a “Tattoo You” chegaria tão alto nas paradas.

Rolling Stones – “Tattoo You”

  • Lançado em 24 de agosto de 1981 pela Rolling Stones Records
  • Produzido por The Glimmer Twins (Mick Jagger e Keith Richards)

Faixas:

  1. Start Me Up
  2. Hang Fire
  3. Slave
  4. Little T&A
  5. Black Limousine
  6. Neighbours
  7. Worried About You
  8. Tops
  9. Heaven
  10. No Use in Crying
  11. Waiting on a Friend

Músicos:

  • Mick Jagger – vocais (em todas as faixas exceto 4), backing vocals (todas menos 5); guitarra (faixas 9 e 10); percussão (faixa 9)
  • Keith Richards – guitarra (em todas as faixas exceto 9), backing vocals (faixas 1, 2, 3, 4, 6, 7 e 10); vocais e baixo (faixa 4)
  • Ronnie Wood – guitarra (em todas as faixas exceto 3, 7, 8, 9 e 11), backing vocals (1, 2, 4, 6 e 10)
  • Bill Wyman – baixo (em todas as faixas exceto 4); guitarras, sintetizador e percussão (faixa 9)
  • Charlie Watts – bateria
  • Mick Taylor – guitarra nas faixas 8 e 11

Músicos adicionais:

  • Nicky Hopkins – piano (faixas 8, 10 e 11); órgão (10)
  • Ian Stewart – piano (2, 4, 5 e 6)
  • Billy Preston – teclados (3 e 7)
  • Wayne Perkins – guitarra elétrica (7)
  • Ollie E. Brown – percussão (3 e 7)
  • Pete Townshend – backing vocals (3)
  • Sonny Rollins – saxofone (3, 6 e 11)
  • Jimmy Miller – percussão (8)
  • Michael Carabello – chocalho (1); conga (3); güiro, claves, cabasa e conga (11)
  • Chris Kimsey – piano elétrico (9)
  • Barry Sage – palmas (1)
  • Sugar Blue – gaita (5)

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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